Novos artigos de segunda #39
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Fonte da imagem: arquivo do autor |
RELAÇÕES HOMOAFETIVAS NA LITERATURA MARANHENSE
José Neres
Há crime nisso? Eu gostar da pessoa do mesmo sexo?
Diga-me. Eu sou um criminoso por isso?
(Fala do delegado Pablo no livro Mortes em Cadeia, de Pedro Neto)
Não sei se alguém já fez, está fazendo ou pensa em fazer, mas
acredito que as personagens da literatura maranhense que assumem (ou ocultam) sua
homossexualidade dariam margens para belos trabalhos de pesquisa.
Vez ou outra, quando
aparece um edital aberto para apresentação de comunicações em congressos acadêmicos,
fico com a vontade de apresentar um trabalho com essa temática. Mas, por algum
motivo, sempre enveredo por outras linhas. Dia desses, comecei a enumerar
romances brasileiros com essa vertente, creio que cheguei sem muito esforço a sessenta
e oito títulos já lidos, desde o Bom Crioulo (Adolfo Caminha) até Outono de
carne estranha (Airton Souza).
Um dia dará certo. Mas, enquanto esse dia não chega, vou
apontar abaixo algumas obras da literatura maranhense que apresentam
personagens homoafetivos. Claro que existem muitos outros livros que desconheço
e muitas outras personagens que também mereceriam aparecer no estudo. Ficarão para
a próxima...
Embora não seja uma narrativa plenamente literária, a mais
remota menção à homossexualidade no Maranhão se deu no livro Viagem ao norte
do Brasil feita nos anos de 1613 a 1614, um estudo feito pelo padre Ives D’Evreux,
que conta o episódio da morte do rapaz tupinambá conhecido como Tibira do
Maranhão e que foi executado publicamente pelos religiosos por causa de sua
sexualidade que fugia aos padrões aceitáveis pela Igreja da época. Essa
história foi retomada em vários estudos, como é o caso do livro A Inquisição
no Maranhão, de Luiz Mott e Os Devassos do Paraíso, de João Silvério
Trevisan, que considera esse o primeiro crime “homofóbico registrado no Brasil", ideia compartilhada também por Luiz Mott e outros pesquisadores.
Esse acontecimento serviu como inspiração para um poema
escrito pela cordelista Salete Maria, que tem como título Tibira do Maranhão:
Santo Mártir Homossexual, com uma das estrofes reproduzida a seguir:
Trata-se da execução
De um índio homossexual
Que viveu no Maranhão
E lá teve final
Com um tiro de canhão
Lançado por um cristão
Que “lutava contra o mal”.
Já no âmbito estritamente literário, no romance naturalista O
Cortiço, de Aluísio Azevedo, temos a figura de Albino, que é descrito pelo
narrador como “um sujeito afeminado , fraco, cor de aspargo cozido e com um
cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caía, numa só linha, até ao
pescocinho mole e fino”. A figura de Albino no livro é geralmente apresentada
de forma caricata e isenta de mistério. O que não acontece com relação a Léonie,
que vai ganhando densidade ao longo da narrativa, culminando no jogo de
sedução que empreende para seduzir a até então inocente Pombinha, que, meses depois,
desapareceu de casa, indo, para desgosto da mãe, viver com Léonie em um quarto de
hotel.
Na peça O Patinho Torto ou os mistérios do sexo, de
Coelho Neto, a personagem Eufêmia se vê como “um envelope de cartas trocadas”. Ela
destoa do padrão esperado para uma mulher do início do século XX: fuma, sonha
em participar da Guerra, tenta fazer a barba e usa trajes masculinos. Seu noivo,
Bibi, tem que se conformar com a repentina mudança de sua amada. É um livro repleto
de sutilezas e que leva o leitor a refletir sobre algumas regras de sexualidade
impostas pela sociedade da época.
São essas imposições e normativas sociais que angustiam e
deprimem Otávio, personagem do romance Teias do Tempo, de Conceição
Aboud, levando-o inclusive a pensar em suicídio por não conseguir assumir sua
homossexualidade de forma aberta perante uma sociedade que reprime e não sabe
conviver com as diferenças.
Mesmo não sendo o tônus central de sua produção literária,
Josué Montello também deixou suas contribuições acerca das percepções literárias
sobre a homoafetividade. Seu livro mais conhecido sobre o assunto é Uma
sombra na parede, que traz a tórrida e então proibida relação amorosa entre
Ariana e Malu, duas amigas que têm atrações físicas uma pela outra. No livro, chama atenção
também a figura de Mundiquinha Dourado, uma mulher independente que é acusada
de ser uma virago por conta de sua aparência máscula e de suas atitudes tidas
como pouco femininas.
No conto O Pai, que está enfeixado no livro Um
rosto de menina Montello novamente toca no assunto. Desconfiado de que o
pai está enganando a mãe com uma funcionária da empresa, Alexandre decide
seguir o genitor. Ao descobrir que o pai tem, na verdade, um caso com outro rapaz,
o filho não suporta conviver com essa constatação e decide pôr fim à própria vida.
No livro O homem que derreteu e outros contos, o
escritor e jornalista Marcos Fábio Belo Matos apresenta ao leitor o conto intitulado
Lembranças, no qual dois antigos colegas se encontrem em uma viagem de
ônibus. Os dois nem mesmo chegam a se falar, mas ao ouvir a notícia de que o
colega está prestes a casar-se, o outro rapaz traz á memória os temos em que
foram felizes, quando eram, furtivamente, amantes.
No conto/novela Ventos de verão, que é um dos textos
do livro Os novos degredados do Éden, o professor e escritor Inaldo Lisboa
apresenta a gênese e a evolução do tórrido romance envolvendo o sensível Dino e
o pragmático Mauro. A mesma pressão social e parental sofrida por Otávio em Teias
do Tempo, de Conceição Aboud, também atormenta Dino em Ventos de Verão,
levando-o a efetivar o suicídio. No livro, reinam as denúncias sociais e o
clima de hipocrisia, pois mesmo outros rapazes que declaram já ter tido experiências
homoeróticas condenam a relação entre os dois protagonistas.
A romancista Dorinha Marinho, em As diferentes faces do
amor, constrói um enredo no qual dois casais homoafetivos se cruzam para
compor um cenário que envolve crimes, superação, estupros, preconceitos e
aceitação. De um lado está a médica e ex-freira Olívia vivendo uma relação com
a jovem e sofrida Lucy. Do outro, estão Homar e Sandro. A autora consegue
mesclar as narrativas de modo a despertar no leitor a simpatia por essas
pessoas que conseguem estabelecer uma harmonia pessoal dentro de um conflito
social.
O padre Rafael, do conto "... Quando sou, não sendo", de Rita de Cássia Oliveira, vive um forte conflito identitário: na paróquia, é um padre; na universidade, é um talentoso mestrando que vive uma tórrida relação amorosa com Eduardo, carinhosamente chamado de Edu pelos íntimos. No conto é possível acompanhar as dúvidas e certezas vividas por esse rapaz dividido pelas inúmeras perguntas para as quais não encontra respostas.
Outra personagem interessante é o delegado Pablo Rodrigues, do
romance Mortes em Cadeia, de Pedro Neto. Imiscuída em uma nuvem de
mistério e em uma série de crimes que abalam uma pacata cidade, a narrativa vai,
aos poucos, descortinando as ações delituosas de um delegado que se utiliza do
poder emanando de seu cargo para conseguir sexo com os homens que estão presos na
cela de sua delegacia. Mas esse não é o ponto final do mistério. Há outras fraturas
sociais que são expostas ao longo da narrativa.
Algumas dessas fraturas aparecem também em Amores, Marias,
Marés, romance de Chico Fonseca, ambientado na São Luís da década de 1960.
No centro da história estão a professora e historiadora Maria Ellena e a jovem
estudante Mariana. Durante pesquisas sobre a participação dos negros na história
do Brasil e do Estado, as duas acabam se envolvendo. O livro traz diversas
abordagens que perpassam por questões sociais, sexuais e familiares.
Para finalizar esta breve lista, temos também o livro A
moça da limpeza, de Lindevania Martins. Ali, é possível encontrar o conto A
hora da verdade, que mostra o constrangimento de Fernanda, uma viúva de 28
anos, que, durante uma entrevista com o dono da empresa na qual trabalha, tem
que declarar com quantos homens havia ido para a cama no último ano. Incisiva,
ela diz que não dormiu com nenhum homem no período indagado. O que é verdade,
pois logo o leitor descobre que ela vive com Marcela, quem é companheira desde
a morte do marido.
Pronto. Fizemos uma sumária lista de livros maranhenses que tocam
no assunto da homossexualidade. Um tema que sempre deve ser tratado com o
devido respeito e pode dar margens para muitos e variados estudos. Nem sabemos se
utilizamos as nomenclaturas adequadas, mas aconselhamos, antes de encerrar, que
todos os interessados no assunto leiam o livro de poemas Rapaz, publicado
pelo falecido poeta Mariano Cassas. É um livro raro, mas que vale a pena ser
lido.
Tema instigante e marcante, que acompanha o ser humano ou homo sapiens das cavernas até o espaço sideral. Obs
ResponderExcluir: até no Cangaço encontrei casos de homossexualismo tanto entre mulheres como entre homens. É o limiar da humanidade.
É um tema universal e atemporal. Precisa ser estudado com atenção.
ExcluirEstá aí o embrião de uma bela pesquisa.
ResponderExcluirVerdade, amigo Rogério Rocha.
ExcluirEstou impressionada e super curiosa, já quero ler todos. Alguns já li e outros nem imaginava que abordavam esse tema. Parabéns pela importante contribuição
ResponderExcluirObrigado, Ray Brandão, pela gentileza. São livro que precisam de mais divulgação e de mais estudos sobre eles.
ExcluirTema que desperta reflexões necessárias, entre elas a de se respeitar a escolha de cada um. Obrigada, Neres, por nos apresentar tantas obras que abordam o referido tema.
ResponderExcluirEu que agradeço pelo comentário.
ExcluirTema sensível mas que merece respeito.
ResponderExcluirRealmente um tema sensível e encantador ao mesmo tempo. Tudo o que humano deveria nos interessar.
ExcluirLembro ainda hoje das obras que li para a escrita da minha monografia: Adolfo Caminha, João Ubaldo (Luxúria) e o livro da Bruna Surfistinha.
ResponderExcluirTambém me lembro, Alice. Abraços!
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