Novos artigos de segunda #32
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LITERATURA NAS TELAS
José Neres
É algo praticamente inevitável. Sempre que alguém descobre que um filme ou série é adaptação de uma obra literária surgem alguns comentários como, por exemplo: “Ah, o livro é melhor”, “O filme não tem nada a ver com o livro”, “Estragaram o livro”, “Nem vou ler o livro para não passar raiva”...
Há também aquelas pessoas que acreditam que, ao assistirem ao filme, já conhecem a fundo o livro no qual a produção cinematográfica foi inspirada. Nascem, assim, diálogos como: “- Já leu o livro? - Não li, mas vi o filme” ou “- Vamos fazer nossa prova com base no livro Tal, alguma pergunta? - Professor, posso ver somente o filme? O livro é muito grande!”.
Tais pessoas geralmente esquecem (ou ignoram) alguns detalhes significativos:
1 - Um filme, novela ou série adaptado para a linguagem cinematográfica ou televisiva é sempre a apresentação de uma leitura feita por alguém. Jamais é a própria obra literária. São linguagens e experiências diferentes que trazem resultados e expectativas também diferentes. Um caso interessante é a adaptação para o cinema do romance “Ardiente Paciencia”, que ficou bastante conhecido como “O carteiro e o poeta”, do romancista chileno Antonio Skármeta (1940-2024). O filme é de uma singeleza encantadora, mas o livro traz uma mescla de poeticidade e crueza na linguagem e nas descrições, o que pode chocar muitos leitores que apenas assistiram ao filme, quando entram em contato com o texto integral do romance.
2 - Nas versões oriundas de obras literárias, pode ser necessária a criação e/ou exclusão de personagens, falas e situações, a fim de tornar a obra cinematográfica mais fluida e compacta. Isso não significa que o livro esteja sendo mutilado, mas sim que ele passou por um processo de adaptação de linguagem por alguém que fez sua leitura particular e que preferiu enfatizar alguns trechos e personagens da obra literária. Tanto é que o mesmo livro, ao ser adaptado para o cinema ou televisão em épocas distintas adquirem feições diferentes, como aconteceu com o clássico romance “O amante de Lady Chatterley”, de D. H. Lawrence, que já teve diversas versões para o cinema (1981, 2006, 2015 e 2022), além de outras para a televisão. Em todos os casos, é possível perceber o olhar e as preferências técnicas dos diretores, o que, de alguma forma, altera a percepção dos amantes da sétima arte.
3 - Muitas pessoas só terão acesso a algumas obras literárias a partir das versões veiculadas em cinemas, tevês e demais telas. Nas décadas de 1950 a 1990, muitas pessoas que nunca tiveram acesso aos romances de Jorge Amado, Érico Verissimo e Nelson Rodrigues acabaram entrando em contato com as histórias e com os personagens desses e de outros autores a partir das versões que passavam na televisão e nos cinemas de todo o Brasil. Até hoje muitas pessoas comentam o sucesso de obras como ‘Bonitinha, mas ordinária”, “O beijo no asfalto” (Nelson Rodrigues); “Dona Flor e seus dois maridos”, “Tieta do Agreste” (Jorge Amado); “Olhai os lírios do campo”, “Ana Terra” (Érico Verissimo), além de obras como “Éramos seis” (Maria José Dupré), O Bem Amado (Dias Gomes), “Macunaíma” (Mário de Andrade) e Riacho Doce (José Lins do Rêgo), para ficar apenas em autores brasileiros que tiveram suas obras adaptadas.
Dessa forma, é sempre importante lembrar que livros e filmes (séries ou novelas) são obras diferentes em suas linguagens e estruturas. Todas elas têm seus espaços, seus públicos e seus momentos. Mas, de modo geral, uma não substitui a outra e elas podem ser vistas como experiências complementares e necessárias para a formação de nosso conhecimento.
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#Cinema
#LiteraturaeCinema
Texto muito elucidativo, assunto que abordei com alunos que tive a oportunidade de falar sobre a adaptação do livro Tambores de São Luís para os quadrinhos. Falei exatamente sobre as possibilidades que a literatura tem de ser lida ou visualizada sobre várias perspectivas quando adaptadas para outras linguagens e estruturas. Perfeito!
ResponderExcluirJoseane Souza
As demais linguagens podem contribuir bastante para a aproximação do leitor com os livros. Obrigado pelo comentário!
ExcluirDivinamente explicativo. A interpretação é algo particular de cada autor que tem sua maneira de olhar a obra e interpreta-la. 👏 👏 👏 👏 👏 👏 👏 👏 👏
ResponderExcluirVerdade.
ExcluirTexto explicativo e bem elaborado. Afinal, cada um tem sua maneira de interpretar a leitura. Parabéns, professor Neres.
ResponderExcluirObrigado pelo carinho e pelo comentário
ExcluirUm ótimo artigo. Suavizou a minha visão quanto aos filmes baseados em livros. Geralmente não gosto do filmes que alteram em demasiado a essência do livro. O que acha dos audiolivros?
ResponderExcluirObrigado, Ana. Os audiolivros são úteis tanto para quem tem dificuldades visuais quanto para quem deseja aproveitar o tempo livro durante os deslocamentos. Acho válidos.
ExcluirExcelente, professor. Acho que a televisão e outros meios de comunicação já foram tão demonizados que, nós, que gostamos de livros, tendemos, se não tivermos o devido cuidado, a diminuir o valor dessas outras maneiras de se produzir e consumir arte.
ResponderExcluirPura verdade, professor. Também acredito que às vezes pecamos nesse aspecto.
Excluirmuito legal! É isso mesmo, Filmes e séries baseados em livros não são cópias literais, mas interpretações criativas. A adaptação envolve escolhas que transformam a obra para outra linguagem, o que pode gerar frustrações em leitores fiéis. Ainda assim, essas versões audiovisuais podem servir como porta de entrada para o universo literário. Livros e filmes têm propostas e impactos distintos, sendo experiências complementares. Ignorar essa diferença é reduzir a riqueza de ambas as formas de arte. Assim, é essencial valorizar cada uma em seu contexto, entendendo que ver um filme não equivale a ler o livro, mas pode inspirar essa leitura. Lembre-me da obra: Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, que já foi feito várias novelas.
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