segunda-feira, 30 de junho de 2025

CONTO: FIM DE FESTA

Novos artigos de segunda #38

 FIM DE FESTA

José Neres 

Imagem criada com auxílio de Inteligência artificial 


Para ele a vida era uma festa sem pausa e sem data para acabar. 

Desde os catorze anos havia assumido sua homossexualidade. Foi quando conheceu no rosto toda a ira de um pai machista, mas a quem amava de coração.

Sua mãe o feria de outras formas. Com o silêncio e o isolamento. Tinha comida, casa, carro à disposição, dinheiro e tudo o que queria, menos o abraço, as palavras e o sorriso da mãe. Mesmo assim a amava. Sempre a amou. Mas não tanto quanto amava o pai. 

Aprendeu com ele que era preciso estudar. A vida era cruel com todos. Era preciso ter uma profissão. Estava prestes a completar dezoito anos. Tinha que decidir seus rumos na vida.

Maquiador? Não. Até tinha talento, mas não se sentia com o desejo de passar a vida cuidando da beleza alheia. Bastava cuidar da sua. Alto. Branco. Olhos esverdeados. Cabelos acastanhados. Corpo esculpido em academias. Em silêncio, até poderia enganar alguém. Mas gostava de falar. Adorava se expressar. 

Arquiteto? Desenhava muito mal e não tinha boas ideias. Melhor não!

Professor? Taí uma boa ideia. Decidido. Ia fazer licenciatura. Escrevia bem. Gostava de ler. Pronto… Letras seria seu curso de coração.

Passou no vestibular. Depois de anos, viu o pai sorrir. A mãe continuou indiferente. Ele nem existia. Apenas um corpo. Nada mais…

Destacou-se na universidade. De primeira, ficou fã do professor Dinovaldo, um craque em literatura, do professor Rafaelson, homem de poucas palavras e de muitas ideias e da professora Francy Maria, que, nas horas de folga se divertia no baile funk.

O tempo passou.

A vida era realmente uma festa. Uma festa sem hora para acabar. Com muitos copos e corpos para curtir. Sem muita proteção para usar. 

Mas nunca descuidou dos estudos… foi alunos destaque diversas vezes. Era preciso comemorar, bebemorar, namorar, se entregar.

O pai fez questão de patrocinar a festa de formatura. Os dois se amavam. Cada um de seu modo, mas se amavam.

Atenção…

Pela primeira vez desmaiou durante uma bebedeira. Pela primeira vez, vomitou durante uma orgia. Pela primeira vez sentiu-se cansado. Pela primeira, ficou na fila de um pronto-socorro…

O cansaço bateu à sua porta. Era preciso desacelerar, cuidar da saúde do corpo. 

Chegou a grande noite. 

A mãe havia avisado que não iria à formatura. O país garantiu que iria. 

Chegou a hora… todos em fila. Somente ele sozinho. 

Uma mensagem. “Tô chegando, filho! Pensamento positivo…”

Um sorriso.

Outra mensagem…

Laboratório…

“Os resultados de seus exames saíram. Favor comparecer ao laboratório para novas coletas. Atenciosamente…”

Mensagem:

“Cheguei. Onde está você, filho?”

Avistou o pai, que se aproximava trazendo um belo sorriso e fazendo um sinal de positivo. 

Chorou…

Toda festa tem hora para acabar… 

Tudo positivo. O abraço do pai. O sinal do pai. O aplausos dos colegas e, sem dúvida, o resultado dos exames. 

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