domingo, 30 de março de 2025

V SiGELMA

 Novos artigos de segunda #25

V SiGELMA

José Neres 



A internet é muitas vezes acusada de afastar as pessoas. No entanto, na época da Pandemia da COVID-19, muitas pessoas utilizaram a Grande Rede de Computadores como forma de não se afastarem totalmente dos entes queridos e também, em muitos casos, construíram novos laços de amizade.

Foi justamente nesse contexto pandêmico que surgiu o Grupo de Estudos em Literatura Maranhense - Gelma, idealizado pelo professor doutor Dino Cavalcante. O objetivo maior desse Grupo de Estudos é congregar pesquisadores que se interessam por algum aspecto da literatura maranhense e se disponham a dedicar um pouco de seu tempo para ler e discutir textos literários e teóricos que se relacionem com o tema gerador, ou seja, com a literatura maranhense.

O Grupo se reúne semanalmente, às quintas-feiras, de forma virtual, e todo final de mês recebe algum escritor ou escritora para falar sobre sua produção literária. Além disso, o Grupo vem trazendo à luz diversas edições de trabalhos fundamentais da literatura maranhense, tendo também publicado obras de cunho teórico, fruto das discussões semanais, sempre de forma acessível e gratuita.

Outra vertente do Gelma está relacionada com a realização - uma vez por ano - de um Simpósio que reúne pesquisadores de diversas vertentes teóricas em torno dos estudos literários. Esse simpósio, denominado de SiGELMA chegou, agora em 2025, a sua quinta edição e reuniu um significativo número de estudiosos que apresentaram seus trabalhos no intervalo de tempo compreendido entre os dias 26 e 28 do mês de março do corrente ano.

Na primeira noite, o público foi brindado com uma mesa-redonda composta pelos professores doutores Naiara Sales, Weberson Grizoste e Darville Lizis, que dissertaram sobre autores como Laura Rosa, Gonçalves e Astolfo Marques, respectivamente, sob a coordenação de Dino Cavalcante 

No já tradicional quadro do Café Literário, os inscritos tiveram a oportunidade de dialogar com a produção literária e com os conhecimentos de autores como Rafael Campos Quevedo, Natan Campos, Adriana Gama e Franck Santos que, dialogaram com o público e com as coordenadoras Linda Barros e Maria Regina Coelho. 

No segundo dia do evento, houve também palestras com o escritor, filósofo e advogado Rogério Rocha que, ao lado da professora Renata Barcellos, falou sobre a questão dos cânones literários sob uma perspectiva não apenas da universidade, mas também a partir dos gostos particulares. A professora Lanna Oliveira coordenou o encontro com o professor Mauro Cézar Vieira, que falou sobre a questão da escrita de si no âmbito da literatura maranhense. No mesmo dia, houve também uma palestra do professor e escritor Dino Cavalcante sobre a necessidade de uma discussão mais teórica sobre a história da literatura maranhense. Essa intervenção foi coordenada pela professora doutora Francimary Macedo. 

Durante o evento houve também a apresentação de quase quatro dezenas de comunicações orais de pesquisadores que versaram sobre diversos temas. Os trabalhos foram muito bem conduzidos pela professora Helena Mendes e pela doutora Natércia Garrido. Brevemente, os interessados poderão ler os trabalhos apresentados nos Anais de Congresso que sempre são disponibilizados aos interessados.

Na conferência de encerramento, as pessoas presentes tiveram o prazer de ouvir as palavras do renomado professor, escritor e crítico literário Rinaldo de Fernandes, que traçou um panorama da contística contemporânea produzida no Nordeste brasileiro nas últimas décadas. Uma palestra memorável.

Não há dúvida de que o SiGELMA já faz parte do calendário científico do Maranhão. Ele é uma prova de que a internet, quando bem utilizada, pode tornar-se um excelente instrumento para a divulgação dos estudos científicos realizados pelos pesquisadores maranhenses. 

Card de divulgação do evento 




quarta-feira, 26 de março de 2025

SOBRE PRODUÇÃO TEXTUAL

 Caros alunos e alunas,

Preparamos um série com quatro vídeos sobre produção textual.

Apresentamos aqui o primeiro. A cada semana acrescentarmos outro.

Bom proveito!




segunda-feira, 24 de março de 2025

CINCO BONS LIVROS

 Novos artigos de segunda #24


CINCO BONS LIVROS QUE LI RECENTEMENTE 

José Neres 


Ler é uma atividade que exige algum esforço, mas que sempre traz muitos momentos de prazer para quem faz da leitura uma companheira sempre prestes a ajudar nas tarefas do dia a dia.

Gosto de ler e não considero um sacrifício ficar diante de um livro durante horas e passar a conviver com personagens imaginadas por outras mentes e que passam a habitar meu mundo mal começo a passar os olhos pelas páginas de um livro.

Há livros que lemos apenas para passar o tempo, mas há alguns deles que nos agarram pelo pescoço e nos obrigam a pensar neles mesmo depois de concluída a leitura da última página. 

Vejamos a seguir uma pequena lista de cincos livros que li recentemente e que me fizeram repensar alguns conceitos e ideias sobre a literatura.

Ei-los:

1 - O homem invisível (H. G. Wells). Não é à toa que H. G. Wells é um dos nomes mais importantes da literatura universal. Em uma linguagem ágil e envolvente, ele consegue prender o leitor em uma narrativa que traz à tona diversos problemas e angústias de uma personagem complexa e cheia de nuances. Nesse livro, fica patente como um ser humano pode transformar-se em alguém capaz de tudo para alcançar seus objetivos.


2 - Os engenheiros do caos (Giuliano Da Empoli). Vi uma recomendação do filósofo e amigo Rogério Rocha e não me arrependi de ler cada página dessa obra que tenta destrinchar os meandros de uma arquitetura invisível, mas que está bem diante de nós e que pode alterar a vida de toda uma sociedade por gerações. Os algoritmos estão escondidos em cada clique que damos e tecem uma rede de oportunidades para uns e de intrigas para outros. 


3 - Carolina (Sirlene Barbosa e João Pinheiro). Quem me conhece sabe que sou apaixonado pela obra de Carolina Maria de Jesus. Considero Quarto de despejo um livro capaz de alterar a rota de leitura de qualquer amante das letras. Então não pude perder a oportunidade de acompanhar a vida e a produção literária dessa escritora narradas em quadrinhos. Uma leitura fluida e agradável da primeira à última página. 



4 - A Casa (Natércia Campos). Gosto muito de ler livros com narradores inusitados. Mas confesso que há algumas obras que eu não leria se não fosse uma indicação ou imposição de alguém em que confio integralmente na capacidade de ler além das aparências. Li, então, esse pequeno romance por indicação da professora Márcia Manir e aos poucos fui levado pela narrativa praticamente mítica de uma casa que narra para os leitores uma história inusitada, que conta seus segredos, que enternece, causa admiração e assusta ao mesmo tempo.


5 - A mulher que sequestrou Chico Buarque (Rinaldo de Fernandes). Nesse recente lançamento do professor, prosador e crítico maranhense Rinaldo de Fernandes o leitor de repente se vê envolvido por narrativas curtas que giram em torno de personagens problemáticas e de histórias que mesclam os diversos sentimentos que unem/separam as pessoas e as colocam em situações limítrofes quando se deparam com a obrigatoriedade de difíceis escolhas.



Bem. Aqui estão algumas das leituras que me fizeram refletir um pouco sobre essa agradável tarefa diária de mergulhar nas páginas de um bom livro.



sábado, 22 de março de 2025

CONTO: FORMAS DE PAGAMENTO

FORMAS DE PAGAMENTO 

José Neres 

Imagem criada com auxílio de Inteligência artificial 


Sábado...

Cynthya queria uma calça nova para fazer figura diante das colegas da escola...

Henzo desejava um tênis novo para jogar futsal com a galera. Não dava para ir de novo com o antigo.

Era ainda metade do mês e dona Clara sabia que a pensão do ex-marido só cairia dali a quinze dias. Gostava de ver os filhos felizes.

Seu Francisco, dono do mercadinho queria comprovar se o corpo da vizinha era realmente tão apetitoso quanto seu Manuel da padaria comentava. Quem sabe assim conseguiria recuperar um pouco dos fiados feitos por dona Clara...

Segunda-feira...

Cynthya estreava a calça nova na escola...

Henzo marcava um golaço com o novo tênis de futsal...

Dona Clara estava feliz com a alegria dos filhos...

Seu Francisco abriu o mercadinho cantarolando...

Terça-feira:

A família não teve pão, leite e margarina para o café da manhã. 

Seu Manuel agora aceitava apenas pagamento em dinheiro, crédito, débito ou Pix.


domingo, 16 de março de 2025

VELAS NÁUFRAGAS

Novos artigos de segunda #23

 


UM LIVRO DE DIEGO MENDES SOUSA

(José Neres)

 

Algumas das inúmeras coisas boas que a poesia pode oferecer aos leitores é permitir que nossa mente possa passear livremente por lugares onde nossos pés provavelmente jamais trilharão; deixar que possamos sair de nossa realidade e momentaneamente viver em uma outra época ou lugar; possibilitar ao leitor conviver com pessoas que talvez nunca conheça pessoalmente; fazer amigos que vão além do papel e que sobrevivem à própria passagem do tempo.

É com a sensação de conversar animadamente com um amigo em uma mesa de bar ou restaurante que li o livro Velas Náufragas (Penalux, 2019, 100 páginas), do jovem poeta piauiense Diego Mendes Sousa. O livro é graficamente impecável, como costuma acontecer nas obras publicadas por essa editora. Porém jamais podemos ficar apenas na admiração da capa de um livro. É preciso lê-lo página a página e sentir suas palavras correndo por nossas veias.

Já havia lido diversos textos esparsos desse escritor, mas creio que é sempre importante entrar em contato com os trabalhos completos dos autores, para conhecer um pouco mais seu estilo, suas motivações literárias e suas nuances estéticas.

Logo nos primeiros contatos com a obra de Diego Mendes Sousa é possível notar que ele é dono de uma dicção poética própria que, embora seja visivelmente influenciada por suas leituras, mantém sua independência estilística e preza pela construção de imagens poéticas que envolvam o leitor em uma aura de encantamento. Trata-se de um poeta que tem consciência da obra que está construindo e que não se contenta em repetir velhas fórmulas poéticas, mas que também não se sente à vontade para romper com todos os paradigmas, já que estes serviram como base para sua formação poética. Nota-se nele um respeito pelas tradições e um apelo pelas inovações. Uma atitude não elimina a outra.

A natureza, as personalidades e os demais “seres aladinos” que compõem a paisagem da “alma litorânea” e que inundam o olhar do eu lírico a ponto de extravasar em forma de poema recepcionam os leitores desde as primeiras páginas do livro. Esse emaranhando de imagens interiores funciona como “frames” de experiências que foram captadas ao longo de toda uma existência e que se encontram represadas em forma de palavras que buscam reproduzir memórias que ainda estão em plena construção, mas que já demonstram solidez.

Esses “frames” poéticos se prolongam nas páginas seguintes e acabam funcionando como pontos de ligação entre o que foi aparentemente vivenciado pelo eu lírico e que acabou marcando toda a sua existência como Ser físico e Ser poético. De alguma forma, os dois se completam e se amalgamam na construção dos versos e dos poemas.

Consciente de que “a memória é uma viagem” (pág. 22), de que “vagar / é uma errância inesperada” (págs. 23 e 25) e de que “todos os olhos estão esquecidos nos vícios / redimidos dos desejos” (pág. 25), o eu lírico utiliza os versos para trazer para perto de si toda uma multidão de pessoas, de fatos e de imagens que lhes são caros, raros e essenciais.  De modo geral, Velas náufragas é um livro que dialoga diretamente como aquilo que é essencial para a riqueza de uma existência: o rincão natal, os detalhes quase imperceptíveis, as pessoas, a memória, a natureza e a própria poesia.

Ao folhear o livro de Diego Mendes Sousa é possível sentir os diversos cheiros que derivam do mar, é possível seguir os rastros das tartarugas, dos siris e dos caranguejos, banhar-se na luz do luar e sentir os ventos que acariciam nossa face... tudo isso ao ritmo do Boi de São João, do “balé de Parnaíba” e dos cânticos dos seres encantados que povoam nosso imaginário. De “frame” em “frame”, o autor consegue compor um belo quadro poético, mas não um quadro estático e frio, mas sim um mosaico vibrante e vívido no qual a cultura erudita e a popular se abraçam e interagem de forma harmoniosa, pura e bela.

Para concluir, nada melhor do que reproduzir alguns versos desse jovem autor que tanto já ofereceu para a literatura brasileira e que tanto ainda tem a ofertar para seus leitores. O poema “Caranguejos e Siris” (pág. 48) sintetiza muito bem o estilo e a sensibilidade poética desse amante das letras e das palavras.

CARANGUEJOS E SIRIS


Hoje sou muitos, sou vário,
sou os múltiplos, sobremaneira um,
o que vai morrer no deserto,
com andar de caranguejo, às pressas.
Talvez sem rumo, isso sempre,
para todos os lados do meu único mundo,
meu singular mundo, rasgado por profecias
e magias, essa cabala inacabada.

Nossos agradecimentos ao poeta que nos permitiu caminhar sobre as águas de sua terra usando apenas o poder de suas palavras e de sua criatividade. Essas Velas náufragas não foram confeccionadas para afundar, mas sim para a salvação dos amantes da boa poesia contemporânea. 

quarta-feira, 12 de março de 2025

CONTO: TORCEDORA

 

Imagem criada com auxílio de Inteligência artificial 

TORCEDORA 

(José Neres)


Ele apenas esboçou um sorriso cínico quando eu lhe disse que não queria mais nada com ele, pois estava apaixonada por outra pessoa.

Depois ficou sério e perguntou quem era o safado que estava me comendo?

Foi nessa hora que o desespero se apoderou de mim. Quando ele sorria, a situação nunca era boa.

“É o Mosquinha?

“ Não! Tá ficando doido. Mosquinha sempre foi como um irmão para mim…”

“Então é o Pau de Aço…”

“Jamais… ele é. Nojento… Meu Deus!!!...”

“Então só pode ser o Serginho…”

“Não. Não é. Não é ninguém de seu bando… e esses três faz um tempão que nem vejo. Devem estar até presos. Desapareceram e…”

Nesse momento, ele voltou a sorrir, mas dessa vez com sangue injetado nos olhos.

“Porra, sua puta, matei três dos melhores homens que já tive por tua causa e agora vem me dizer que nenhum deles te comeu e que está apaixonada por outro. Quem é? Diz logo. Que vou matar esse filha da puta e depois volto para acertar as contas contigo.”

Nunca tinha visto ele daquele jeito. Estava transtornado. Se eu não contasse, ele me mataria ali mesmo. Acabei confessando.

“É teu pai. Estou ficando com ele. Já ficamos três vezes…”

“Cala tua boca… vou te amarrar. Saio e mato o velho. Depois volto e acerto as contas contigo.”

Só tive tempo de perguntar: “Vai matar teu próprio pai? Tá doido?

“Para quem matou no mesmo dia três irmãos da quebrada, matar um pai escroto é fichinha.”

Saiu. 

Não sei por quanto fiquei ali. Amarrada. Mas, para quem espera, qualquer minuto vira eternidade.

Voltou.

Aquele sorriso cínico não mais estampava seu rosto. 

“Pronto. Acabou. O velho já era. Mas foi macho. Morreu sem confessar nada. Esquece. Acabou. Agora você é só minha e pronto. Mas não me traia mais, pois, da próxima vez…”

Me desamarrou e eu caí a seus pés chorando.

“Para de chorar, porra! Para de chorar, vai tomar um banho. Bota uma roupa transparente e volta cá. O jogo está para começar. Se meu time ganhar, vamos comemorar e esquecer toda essa merda. Mas, se perder…”

Não precisou completar. Tomei o melhor banho da minha vida. Vesti o que ele pediu e me tornei a torcedora mais fiel que existe. 

Ele nunca mais tocou no assunto. Apenas no segundo domingo de agosto é que amanhece meio irritado, mas na hora do jogo geralmente se acalma.


CADA DIA É O DIA

 Novos artigos de segunda # 26 Imagem criada com auxílio de Inteligência Artificial  CADA DIA É O DIA  (José Neres) Venho de tempos antigos....