segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A PRIMEIRA VEZ A GENTE NUNCA ESQUECE

Novos artigos de segunda #10

A PRIMEIRA VEZ A GENTE NUNCA ESQUECE

José Neres 

Quase que eu não conseguia escrever o texto de hoje. Depois de um dia cansativo, com aulas, palestras, e muitas outras atividades, o tempo foi escasseando, esvaindo-se pela ampulheta diária e me restou apenas um pouquinho de areia antes de virar esse mecanismo chamado corpo para aproveitar um novo dia que se aproxima (pelo menos espero)...

Como disse antes, quase que eu não conseguia escrever hoje. Mas Fátima saiu das sombras da memória e me fez lembrar que tudo passa. Tudo sempre passará… Foi ela que, sem querer, me ensinou que a primeira vez nós nunca esquecemos.

Mas você deve estar se perguntando: quem é Fátima? Que negócio é esse de primeira vez?... Fátima, ou Maria de Fátima, já não é - e faz muito tempo que já foi… que já se foi. Passou por minha vida, deixou suas marcas e partiu. Partiu sem que nem mesmo seu sobrenome eu soubesse.

Volto no tempo e revisito Maria de Fátima - possivelmente a menina mais bonita da escola. Devia ter uns treze anos. Justamente a minha idade na época. Estudávamos no mesmo colégio, mas não na mesma sala. Era muito bonita e trazia sempre um encantador sorriso como forma de recepcionar as pessoas.

Fátima, apesar da pouca idade, sabia conversar e tratar as pessoas com a cordialidade necessária para conquistar a confiança. Era bela, meiga e doce. Um dia, ela chegou a me oferecer um desses sorrisos e me chamar pelo nome. Logo eu, o garoto mais tímido, mais feio e mais sem graça da escola!!!...

Nesse mesmo dia - dizendo melhor - nessa mesma tarde -, Fátima também ofereceu a mim a primeira grande experiência que um garoto poderia ter ao entrar em contato com uma moça bonita. E que experiência!

Estávamos à porta da escola. Era final de tarde. Um calor abafado pronunciava uma noite fria. Foi quando ela passou e me dirigiu a palavra. Deu-me um sorriso, cumprimentou meu colega João Batista e se dirigiu a nossa professora.

Seu sorriso era encantador! Sua beleza era singular. A escola estava situada à beira de uma rodovia estadual e o dia corria normalmente. Tudo normal. Nunca imaginava que aquele final de tarde marcaria minha primeira vez na vida. Minha primeira experiência marcante. A mais definitiva…

Não ouvi o que Fátima disse à professora, mas ambas sorriram alto, bem alto, gargalharam saborosamente. Carinhosa, a professora chamou meu nome e o de João. Pediu um breve favor: deveríamos ir correndo à escola pegar uma pasta que ela havia esquecido na sala. Era preciso ir rápido. A escola estava para fechar.

A juventude nos dá velocidade nas pernas e bom fôlego nos pulmões. Gastamos menos de quatro minutos para realizar a tarefa. Tempo suficiente para que minha vida mudasse. Antes de eu sair correndo, registrei o majestoso sorriso de Fátima em minhas retinas. 

Mas, ao voltarmos, ela já não estava ali. Ou, melhor, ela estava ali eternamente fixada em uma poça de sangue. Eternamente fixada nos gritos dos demais alunos e alunas que, em lágrimas, tentavam proteger seu corpo dos olhares curiosos.

Um caminhão parado a alguns metros dali era a prova que faltava. Um motorista com as mãos na cabeça chorava em desespero diante do que restou de Fátima depois daquele acidente, depois do choque daquele caminhão abarrotado de tijolos contra aquele jovem corpo agora sem vida.

Fátima, sem querer, acabou me ensinando que nossa primeira vez diante da morte não se esquece.



15 comentários:

  1. A imagem das flores branca me remeteu a alguma perda,mas o título já nos faz ir além!! Lindo texto que retrata a pureza e a dor!!

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  2. Tá aí! Um sorriso lindo nunca se esquece. Ficou a esperança é a saudade. Parabéns pelo texto.

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  3. Fátima continua linda em outro plano, sorrindo, realizando novas tarefas, ajudada pelos Espíritos de Luz e marcando presença.
    Você é nota dez professor Neres.

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  4. Mesmo que conceitos espíritas nos remetam à continuidade da vida, a morte, a perda, o fim da vida, parece ainda ser algo que dói muito e marca a primeira vez que morre alguém que gostamos, de forma demasiadamente humana. Emocionante o texto.

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  5. Amo leitura q te surpreende... pelo título já fiquei imaginando( coisas) o q poderia ser, ansiosa p ve o q seria tão inesquecível...e tome surpresa!
    Como sempre VC é um mestre na sua arte. Parabéns!

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  6. Quebrou minhas expectativas! Que texto.

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