segunda-feira, 15 de setembro de 2025

SOBRE TEXTOS E LIVROS

 Novos artigos de segunda #49


Imagem criada com auxílio de Inteligência Artificial


SOBRE TEXTOS E LIVROS

José Neres

 

Quando te sentires só,
buscas um bom livro
e terás boa companhia.
(Abraão Teixeira)

  Por razões bastante óbvias, o aparecimento de textos precede em muito o surgimento do livro como o conhecemos hoje. Mas, tanto um como outro, são de vital importância para a transmissão dos conhecimentos acumulados ao logo de toda a história da Humanidade.

   O texto é sempre algo multifacetado e cheio de detalhes que nem mesmo um mergulho em suas entranhas seria capaz de destrinçar por completo. O texto é sempre um estranho composto que contém em sua fórmula uma quantidade limitada de informação explícita, mas que esconde sob suas diversas aparências, um universo inesgotável de informações implícitas. Desse modo, por mais que os leitores tentem chegar a uma conclusão definitiva um texto jamais se esgotará em suas múltiplas interpretações e reinterpretações.

  O texto é tão importante, que nem mesmo espera para ser escrito. Ele pode vir disfarçado das mais diversas formas. Pode ser um olhar, um filme, um sorriso, um poema, um romance, uma letra de música, um sinal de que a chuva não demora a chegar, um efusivo aperto de mão... tudo pode, e deve, ser lido como um grande texto. E todo o conhecimento que o homem adquire ao longo de sua vida deve ser visto como instrumentos para leitura da realidade que nos cerca. Não é por acaso que o grande educador Paulo Freire, em uma de suas frases mais conhecidas, diz que: “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele”[1].

 Mas como guardar tanta informação? Como transmitir os inúmeros conhecimentos adquiridos após séculos e mais séculos de experiências humana? Apenas com base em textos orais? Claro que não! Por melhor que seja a memória do homem, ela será sempre limitada. Para tentar preencher tal lacuna, surge a escrita e, muito tempo depois dela, uma das maiores invenções do homem: o livro.

    Embora hoje, ainda em princípios do século XXI, muitos preconizem a morte do livro em sua forma física, ele continua vivo e sendo (re)editado, mesmo com o surgimento de novas tecnologias, e não se pode negar a importância dele para todo o progresso da humanidade. Afinal de contas:

A presença do livro na nossa cultura deu-se, pois, de forma fundante e avassaladora: civilização pela escrita, ela seria – como se concebia até bem pouco – a chave com a qual abrimos as portas da História. Vivemos, em conseqüência, numa sociedade grafocêntrica, embora se saiba que essa posição conferida à palavra escrita não significa exclusividade, não só porque há culturas que dela prescindem como porque, na atualidade, confere-se à imagem uma nova dimensão. Tal postura não impede, no entanto, que nos aproximemos do livro, um dos objeto-simbolo da modernidade, com certa reverência. [2]

 

            Com o aparecimento do livro, os textos, que antes podiam perder-se facilmente nas encruzilhadas do tempo e do espaço, ganharam um elemento norteador, um meio de perpetuação que ia muito além da memória humana e das incertezas das transmissões orais. A mesma história poderia agora ser contada dezenas, centenas, milhares de vezes, sem que uma vírgula sequer fosse alterada. Afinal de contas verba volant, scripta manent[3]. Um autor poderia finalmente grafar, quando quisesse e lhe fosse útil, seu nome na portada de uma obra e dizer bem alto que ele havia criado aquela história. Não haveria mais dúvidas sobre que realmente era o autor de uma obra. Os grandes heróis, as grandes aventuras finalmente poderiam ser compartilhadas com pessoas das mais diversas partes do mundo, sem que alguém precisasse perder a vida no interminável trabalho de transcrever manualmente o conteúdo de uma obra.

            Mas o mundo não é tão arrumadinho assim. Passada a euforia da impressão dos muitos exemplares, diversas polêmicas surgiram. Será que o nome que estava na capa do livro correspondia exatamente a quem criou a história? Será que a mesma história era lida da mesma forma incontáveis vezes? Até onde vai a noção de originalidade e de criatividade? Quais os limites que separam plágio e intertexto... Tantas perguntas... Mínimas respostas...

            Dúvidas e mais dúvidas se multiplicam até hoje. Será que Homero realmente existiu ou tudo não passou de mais uma invenção dos criativos gregos? E se ele não existiu realmente, quem seria o verdadeiro autor (ou autores) da Ilíada e da Odisséia? O grande bardo inglês William Shakespeare criou Romeu e Julieta ou apenas transformou em peça teatral uma lenda tantas vezes contada e recontada pelas gerações anteriores? Até onde Eça de Queirós, ao escrever sobre o amor adúltero de Luísa em O Primo Basílio, se inspira na magistral obra de Gustave Flaubert, Madame Bovary? E Adolfo Caminha, nos momentos finais de A Normalista, não estaria também revivendo os momentos finais de O Crime do Padre Amaro, do acima citado Eça de Queirós?

             Para provocar mais discussões ainda, o escritor argentino Jorge Luis Borges ainda escreveu Pierre Menard, el autor del Quijote, no qual discute a questão da autoria. Pierre Menard é um escritor cuja “ambição era produzir algumas páginas que coincidissem  - palavra por palavra e linha por linha – com as de Miguel de Cervantes”[4], mesmo assim, o hipotético autor da “nova” obra a considera original, pois são construídas em momentos históricos distinto e com diferentes motivações. No final do conto, o narrador comenta que:

 

Menard (talvez sem querê-lo) enriqueceu, mediante uma técnica nova, a arte fixa e rudimentar da leitura: a técnica do anacronismo deliberado das atribuições errôneas. Essa técnica de aplicação nos leva a percorrer a Odisséia como se fosse posterior à Eneida e o livro Le Jardin du Centaure de Madame Henri Bachelier como se fosse de Madame Henri Bachelier. Essa técnica povoa de aventura livros mais pacíficos. Atribuir a Louis Ferdinand Céline ou a James Joyce a Imitação de Cristo não é suficiente renovação dessas tênues advertências espirituais?[5]

 

             Os questionamentos levantados no conto borgeano levam a diversos outros concernentes à natureza da recepção das obras ao longo dos tempos. Por que será que A Arte de Amar de Ovídio foi chamada de obscena na Roma antiga e hoje é tida como obra de bom gosto artístico? Por que razão livros como O Sofá (de Clébillon Fils), Teresa Filósofa (autor desconhecido ) e Fanny Hill (de John Cleland) foram tidos como verdadeiros lixos literários na época e hoje são encontrados em livraria se bancas de revista de todo o Brasil e tratados como obras de inovação literária? Como serão vistos daqui há vinte, trinta ou cem anos livros como O Doce Veneno do Escorpião, de Bruna Sufistinha? São perguntas praticamente sem resposta. Mas que trazem dentro de si pelo menos uma informação inconteste: os textos não mudaram, mas os leitores de hoje são bem diferentes daqueles que liam essas mesmas obras antigamente. E o contexto histórico-geográfico é capaz de alterar a recepção de uma obra e/ou de um autor.

      Uma outra dúvida levantada foi com relação à autenticidade do texto. De um modo ou de outro, todo escritor tem que primeiro ser um grande leitor. Então é natural que durante a confecção de seu texto ele remeta (de modo consciente ou não) a várias de suas leituras. É impossível, por exemplo, para um amante da literatura, ler Bocage e não pensar nos poemas de Camões; é difícil ler A Eneida, de Virgílio, e não pensar nas epopéias homéricas; assim também, somente uma pessoa muito desatenta, lerá o badalado best seller Código da Vinci e não perceberá as referências à Bíblia e à História da Arte.

      Mas, ao longo da História, o livro também teve seus momentos de aparente insegurança. Por diversas vezes, o boato de que o livro já estava com seus dias contados ganhou as ruas. Alguns inventos foram tidos como inimigos da obra impressa: o rádio, o cinema, a televisão, a internet... Contudo, de uma forma ou de outra, todas essas invenções acabaram contribuindo para a difusão de textos que antes eram exclusivos dos livros. As novelas de rádio fizeram com que nossos avós entrassem em contato com tantos textos clássicos. A televisão e o cinema até hoje bebem nas páginas dos livros, buscando sempre entreter um público cada vez mais ansioso de aventuras, de mistérios e de histórias de amor. A internet, a aparentemente o mais temível inimigo dos livros na atualidade, vem aos pouco se tornando uma espécie de biblioteca virtual, um verdadeiro repositório de textos de todos os tipos e de todos os estilos, criando novas alternativas tanto para o leitor comum quanto para o pesquisador, conforma nos diz o professor José Luís Jobim:

É possível também que, por parte dos usuários, haja no futuro a questão da escolha de por qual meio acessar qual texto. A biblioteca de Stanford oferece on-line e em papel os periódicos acadêmicos que considera mais relevantes a biblioteca do Centre Pompidou, na França, oferece o jornal Lê Monde em papel, em CD-ROM e on-line. Dependendo das condições financeiras de cada instituição, pode-se ter de fazer escolhas entre essas opções. A discussão sobre custo/benefício do meio escolhido será inevitável, até porque as verbas são finitas, o que sempre implicará alguma forma de escolha por parte de quem decidirá para onde elas irão. Aliás, no caso das bibliotecas que planejam entrar no mundo digital, uma das primeiras decisões será, provavelmente, sobre quais serão os softwares a serem usados, talvez começando por optar entre “proprietários” ou “não-proprietários”.[6]

            De qualquer forma, não se pode negar que o espaço do livro como objeto físico ainda perdurará por muito tempo, mesmo porque “não se pode negligenciar ainda o desconforto da leitura em tela de computador: se, para os textos curtos, não parece haver tanto problema, para textos longos a leitura continuada é bastante exaustiva”[7].

      Além disso, um livro pode também ser visto como um fetiche incompreendido por muitos, mas disputado por indivíduos de diversas esferas sociais. Livro pode ser companhia, poder ser passado, futuro ou presente, como metaforiza o poeta Abraão Teixeira:

Dê de presente ao seu filho
um bom livro.
Melhor ainda,
seja você mesmo o conteúdo
vivo de um livro.
Seja um exemplar.[8]

            O professor Gabriel Perissé, em um volume inteiramente dedicado aos livros e à leitura faz a seguinte declaração de amor:

Abro um livro, e para mim se abrem portas e comportas. Sou convidado a entrar em mim mesmo, percorrendo as linhas e entrelinhas do texto. O texto é um mapa cujo destino estou para descobrir. O livro me leva às portas do indecifrável, que se torna indecifrável no exato momento em que começo a decifrá-lo. E o que devo fazer? Que destino escolher, eu que já nasci com o destino de não ser fatalista?[9]

        Para finalizar este breve trabalho, que é apenas um embrião a se desenvolver em outros estudos mais aprofundados, nada mais pertinente que as palavras do escritor Gaúcho Moacyr Scliar, que, pela hipotética voz do sábio Salomão antevê o futuro dos livros.

Claro, o livro como objeto também é perecível. Mas o conteúdo do livro, não. É uma mensagem que passa de geração em geração, que fica na cabeça das pessoas. E que se espalha pelo mundo. O livro é dinâmico. O livro se dissemina como a semente que o vento leva. [10]

 

REFERÊNCIAS CITADAS

 

BORGES, Jorge Luis. Obras Completas I. São Paulo: Globo, 1998

CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins Fonte, 2005.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. 43 ed. São Paulo: Cortez, 2002. 

JOBIM, José Luís (org.) Literatura e informática. Rio de Janeiro: Eduerj, 2005

PERISSÉ, Gabriel. Elogio da Leitura. Barueri: Manolé, 2005.

SCLIAR, Moacyr. A mulher que escreveu a Bíblia. São Paulo: Companhia das Letras, 2007

TEIXEIRA, Abraão. Pensando em você. São Luís, Lithograf. 2005.

WALTY, Ivete Lara Camargo et all. Palavra e imagem: leituras cruzadas. 2ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.



[1] FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. 43 ed. São Paulo: Cortez, 2002.  pág. 11.

[2] WALTY, Ivete Lara Camargo et all. Palavra e imagem: leituras cruzadas. 2ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. pág. 21.

[3] TRADUÇÃO: As palavras voam, mas permanecem quando são escritas.

[4] BORGES, Jorge Luis. Obras Completas I. São Paulo: Globo, 1998. Pág.  493.

[5] Idem, pág. 498.

[6] JOBIM, José Luís. Autoria, leitura e bibliotecas no mundo digital. In; JOBIM, José Luís (org.) Literatura e informática. Rio de Janeiro: Eduerj, 2005. pág. 129-130.

[7] CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins Fonte, 2005. Pág. 186.

[8] TEIXEIRA, Abraão. Pensando em você. São Luís, Lithograf. 2005. Quarta capa.

[9] PERISSÉ, Gabriel. Elogio da Leitura. Barueri: Manolé, 2005. Pág. 09.

[10] SCLIAR, Moacyr. A mulher que escreveu a Bíblia. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Pág. 88.


sábado, 13 de setembro de 2025

POLÍTICA DE BOA VIZINHANÇA

 

Imagem criada com auxílio de Inteligência Artificial 


POLÍTICA DA BOA VIZINHANÇA 

José Neres 


 - Bom diiiiiaaaa, vizinho!

 - Bom dia, bom dia.

 - Que bom encontrar o senhor por aqui hoje.

 - É… estou sempre por aqui…

 - Quero lhe fazer um convite especial, vizinho.

 - Convite?

 - Sim, um convite. Mas um convite especial mesmo…

 - Não estou entendendo, vizinho.

 - Vou explicar. No próximo sábado, haverá um jantar em minha casa e o senhor e sua família estão convidados!

 - Convidado? Eu? Minha família?

 - Sim. Convidado. E é um convidado mais que especial.

 - Hummm.

 - Sabe como é, vizinho, sou pré-candidato a deputado federal e gostaria de contar com sua ajuda e de toda a sua família.

 - Ah, sim. Que susto!

 - Então, posso contar com sua presença?

 - Não sei, não… tenho receio de ficar deslocado em sua casa. Deve ter muita gente importante por lá e eu sou um homem simples…

 - Não se preocupe com isso. Todos lá são amigos e apoiadores de minha futura campanha. E já estou convidando outros vizinhos como o senhor…

 - Obrigado, vizinho. Mas acontece que me mudei para cá faz apenas uns dez anos e até hoje não fomos apresentados. Na verdade, nem sei o seu nome.

 - Mas que gafe essa minha. É que sempre estou tão apressado que nem dá tempo de parar para falar com os amigos…

 - E nem para responder ao bom dia que sempre lhe dou, vizinho…

 - Bem, como ia dizendo… eu sou o doutor Mauro Thyago (com h e y) Borges e Silva, seu amigo para todas as horas… pode me chamar de Doutor Mauro ou de Doutor Thyago, tanto faz…E como é mesmo seu nome?

 - Sou Izedino Alcântara, seu criado.

 - Então, seu Izedino - bonito nome! Posso contar com sua presença?

 - Oh, Doutor Mauro Thyago (com h e y). Vou pensar e depois lhe digo. É que é difícil para mim ficar no meio de tanta gente importante, ainda mais em uma casa tão rica, com segurança por todo lado. Inclusive alguns já pediram para eu não ficar olhando muito para lá. Será que serei bem recebido em um lugar onde nunca me responderam a um comprimento feito?

 - Será, sim, seu Izedino. E para o senhor não esquecer meu nome, vou deixar com o senhor o meu cartão. Precisando de alguma coisa, é só ligar. Minha secretária atende e me repassa a demanda. Assim que eu tiver o número oficial da candidatura, chamo o senhor para entregar. Não esqueça meu nome: Doutor Mauro Thyago (com h e y) Borges e Silva. Juntos, iremos melhorar o nosso país. Espero o senhor lá.

 - Não se preocupe, vizinho. No dia da eleição prometo não esquecer seu nome e seu número. Não se preocupe. Nunca esquecerei! 

 - Até logo, vizinho. E não esqueça: Doutor Mauro Thyago Borges e Silva para um Brasil melhor!

 - Não esquecerei, vizinho. Não esquecerei!

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

SÃO LUIS POR SEUS POETAS

 Novos Artigos de Segunda #48


Fonte da Imagem: Arquivo do autor


SÃO LUÍS POR SEUS POETAS

José Neres

 

Ilha que transpira poesia, São Luís, em seus 413 anos de existência, já recebeu inúmeras declarações poéticas. Algumas exalam o mais puro lirismo ufanista, outras trazem marcas de uma saudade infrene, outras ainda trazem uma visão clínica dos males sociais da musa urbana. Todas elas, no entanto, são marcadas por pelo menos um ponto em comum: um amor atávico pela Cidade.

Vista antanhamente apenas como uma “terra das palmeiras, onde canta o Sabiá”, Ilha do Amor, Cidade dos azulejos, Porcelana Brasileira e Presépio de Porcelana, São Luís recebe atualmente outros apodos bem menos poéticos. Mas, no estro de seus vates, continua merecendo valorosas e criativas homenagens. Nonato Pires tem a Urbe como “a serpente mais formosa”; para Ivan Sarney, “a cidade são as lendas e a memória das pessoas”; Bandeira Tribuzi, além de pedir “Oh, minha cidade, deixa-me viver, diz que ela “parece um presépio levantado por mãos puras”; Luiz Alfredo Neto Guterres diz que a capital maranhense é “um paraíso perdido por entre os braços do mar”.

Sandra Regina Alves Ramos diz que a cidade é “uma ilha, estremecida, calada, silenciosa. É uma ilha, mas ao longe, avista-se um poeta tentando rimar, uma palmeira... e um sabiá”. Outra poetisa, Dagmar Destêrro, acreditando que sua cidade “é sala antiga, é retrato da saudade, desafio da esperança transformado em realidade”. Odylo Costa, filho declara seu amor através de gotas nostálgicas ao dizer: “Eras, minha São Luís, estranho pássaro, com as asas amarradas pelas cordas movediças prata de teus rios”. E tantos outros poetas já brindaram sua musa urbana dos mais diversos modos.

Assim como são diversas as metaforizações com relação à cidade, múltiplas também são as visões do poeta na hora de retratá-la em versos. Uns agem de forma lírica, ressaltando a essência poética da Ilha Verde, vendo “a Cidade vestida a rigor, vestida à colonial, meu mundo, meu porta-joias, meu cartão postal, como escreveu Manuel Lopes. Ou ainda, como no poetar de Clóvis Ramos, para quem “São Luís é a cidade da ternura... em cada canto um sonho meu perdura. Outros, no entanto, preferem pôr seus versos pisando firmemente as pedras de cantaria e fazendo um périplo por ruas, becos e escadarias da Atenas Brasileira. É o caso de Ferreira Gullar, que transformou sua saudade de exilado político em canto de dor e lamento coletivo em seu famosíssimo Poema Sujo, no qual a cidade se desnuda para o leitor, mostrando tanto suas curvas sinuosas/sensuais e seu ventre de mãe como suas marcas dos quase quatro séculos de sevícias, pois “a noite não é a mesma em todos os pontos da cidade”,

Seguindo os passos de Gullar, temos também a acidez cortante dos versos de Luís Augusto Cassas que, em sua Ópera Barroca, afirmou que “as ruas de São Luís têm cada de munição, pesados pombos-sem-asa arrebentam a solidão”, uma vez que “a cidade acorda cedo, despida de segredos”. José Maria Nascimento, outro poeta bastante ligado a sua terra, deixa claro que, em seu ponto de vista, “esta cidade é a sombra de um deserto” e ao mesmo tempo parabeniza a “amada Ilha, pelas tuas maravilhosas e doces primaveras”. Ainda na vertente crítico-social, temos os livros de Alex Brasil, que não vê a cidade apenas como uma esplendorosa Ilha Verde, mas também como um “cemitério de crianças apodrecidas” e um lixeiro que cresce “plantando miséria sobre o verde”.

No eterno flanar sobre a cidade, alguns poetas optam por destacar seu valor histórico-artístico-social, como sói acontecer com José Chagas, poeta que prega que os poemas estão espalhados pela cidade, bastando que sejam apanhados do chão, já que o “chão de São Luís [é] poeira de história, pedra que é raiz fincada em memória”. Ou ainda como José Sarney, que, além de sua Meditação sobre o Bacanga, faz um longo passeio pela cidade e conclui que as Carrancas do Ribeirão “são pedras, são desnavios que choram na eternidade”.

Os poetas acima (e muitos outros que não foram citados), em seus poemas, não importando a abordagem feita, acabam, nos ecos de suas palavras poéticas, coadunando com os famosos versos do compositor César Nascimento em sua Ilha Magnética, quando diz que “se um dia eu for embora, pra bem longe desse chão, eu jamais te esquecerei, São Luís do Maranhão”. Afinal é preciso aproveitar cada minuto dentro da Ilha, antes que, como alerta ironicamente Luís Augusto Cassas, “antes que a Unesco tombe o último camarão seco”.

(Artigo inicialmente publicado no Jornal O Estado do Maranhão, em 29 de agosto de 1998, com pequenas adaptações)

Para baixar nosso livro-homenagem a São Luís, basta clicar aqui

domingo, 31 de agosto de 2025

UMA ENTREVISTA, TALVEZ

  Novos artigos de segunda #47

Crédito da imagem: Linda Barros


UMA ENTREVISTA (?)

Claro que ninguém me entrevistou. Mas por falta do que fazer em uma tarde de domingo, resolvi colocar no papel um pouco de minha vida e de minhas ideias.

Se tiver alguma pergunta, deixe nos comentários e talvez eu responda e acrescente aqui.

Boa semana para todos!


Onde e quando você nasceu? Quem são seus pais?

Nasci em São José de Ribamar,
Sou filho de José e de Maria
Anos setenta me viram chegar
Entre choros de dor e de alegria
.


Que recordações você tem dessa época?

Da época não consigo recordar,
Mas lembro-me da cidade vazia,
Da rua, da lua e do belo mar
Que viraram saudade e poesia.


Como foram os primeiros anos de sua vida

Minha cidade não foi meu lar.
Para Brasília fui com minha tia
E meu padrinho para me criar 

E depois para um Goiás que crescia
E lá logo comecei a estudar
E ler tudo que na mão me caía.

Fale-nos um pouco de sua formação acadêmica 

Eu creio que tenha mil corações…
Até acho isso algo muito natural
Cursei técnico em Edificações 
E concluí Design Editorial…

Em Letras e História vivi emoções…
Jornalismo foi algo bem legal,
Pedagogia me ensinou mil lições 
E sou gerontólogo bem normal.

Fiz várias especializações,
Como em Educação Ambiental,
Literatura e comunicações.

Desenvolvimento Regional
E suas duas mil aplicações 
Estão na minha tese doutoral.


Qual o primeiro livro que você leu? Ainda se lembra?

Eu leio quase tudo que me dão 
Mas o primeiro livro que li inteiro 
Foi A Tulipa Negra, um romanção
devorado de modo bem ligeiro.


Diga três livros que valem a pena reler

Gosto de Cem anos de Solidão 
E do Poema Sujo por inteiro
Quando li Na Ardente Escuridão,
Reconheci teatro verdadeiro.


Que livros você recomendaria para quem pensa em se apaixonar pela literatura?

Édipo Rei é potente emoção,
Um belo e perfeito o livro pioneiro;
Cyrano de Bergerac é paixão 

A deixar o coração prisioneiro;
Drácula é obra de perfeição,
Vale qualquer investido dinheiro.


Que autores você gosta de ler?

Assis Brasil, Montello e Gullar,
Chagas, Rubião, Clarice, Monteiro,
Buero Vallejo, Sabino, Duras,
Calvino, Cervantes, Rosa, Louzeiro,

Cunha, Machado de Assis e Yourcenar,
Eco, Márquez e Tribuzi Pinheiro;
Barreto, Shakespeare,Scliar,
Quintana e nosso Catulo violeiro…

Bandeira, Tolstói, Fonseca, Dumas -
Tanto segundo como do primeiro,
Aquele Kafka sempre a ensinar

Como amar todo livro por inteiro,
Agatha, pra mistério decifrar…
Todo escritor será sempre um guerreiro…


Fale um pouco sobre sua obra

Escrevo tanto em verso quanto em prosa
Mas para a verdade sempre falar
O primeiro livro foi Negra Rosa
Depois veio a Mulher de Potifar,

Restos de Vidas… é uma dolorosa
Forma que um dia achei para falar
De uma sociedade caprichosa
Que passou a vida a nos explorar.

Numa escrita bem vaga e vaporosa
Pelos microcontos fui passear,
Já narrei inclusive traição airosa

E faço críticas bem devagar
Numa escrita nada milagrosa
Peno pra alguma página salvar.


Que você acha da educação de nosso país atualmente?

Para nosso país a solução 
É algo que soa bem urgente…
Ela está na caneta, fé e na mão 
De quem, acho, talvez nem seja gente…

É preciso investir na educação 
De modo justo, honesto e coerente
Não dar trégua para essa corrupção 
Que devora até mesmo a vã semente…

Não se pode esperar nova eleição 
Ou surgir algum anjo reluzente
Que venha pra salvar nossa nação 

Educar nosso povo é a solução…
Falar isso soa até meio indecente,
Se quem nos rouba nos chama de irmão…

São Luís, 31 de agosto de 2025.


Algumas respostas


Resposta 1 - Por que foram para Brasília/Goiás? 

Aproveito instante de calmaria
Para responder quatro indagações 
Dessa gentil amiga Ana Maria,
A quem dispenso minhas atenções.

Ir pra Brasília era quase mania
Em setenta, pra gente dos sertões 
Que buscava um pouco de alegria,
Um bom emprego e talvez uns tostões.

Mas depois esse sonho se esvazia,
Pois era o fim das grandes construções 
E diante da escassa alvenaria 

Chegava a hora de buscar soluções 
Então uma meia-noite ou meio-dia 
Goiás virava uma das opções…

Resposta 2 - No Goiás, onde morou? 

A sessenta quilômetros dali
Estava uma cidade muito bela:
De cujo nome jamais esqueci:
Luziânia é o lindo nome dela.

Eu muitos anos e anos lá vivi 
Fui pioneiro na zona rural dela
Ali plantei e ali também colhi 
Flores e saudades na janela…

Resposta 3 - Sobre o livro Drácula, o que há de especial? 

Dos muitos e bons livros que já li,
Drácula um belo texto nos atropela…
O que mais me chama atenção ali

É a forma bastante crua e singela
Que Bram Stocker consegue imprimir
Enquanto o Drácula a nós se revela…


domingo, 24 de agosto de 2025

UM CORDEL PARA GULLAR

Novos artigos de segunda #46

Fonte da imagem: arquivo do autor



Em 10 de setembro de 2025, o poeta Ferreira Gullar completaria seus 95 anos de vida. 
Adianto aqui minhas homenagens a esse grande escritor brasileiro com o singelo texto em versos que apresento abaixo.



FERREIRA GULLAR
José Neres 

Amigo, pare um pouco,
Quero com você falar…
Não. Não se faça de mouco
Para o que vou lhe contar.
Mesmo estando eu muito rouco,
Ainda posso narrar

A história de um poeta 
Nascido em nossa São Luís,
Terra boa e bem discreta,
Com gente boa e feliz,
Mas dita, à boca secreta,
Como grande meretriz.

 
Numa bela quarta-feira,
Um vagido de verdade,
Cancelou a gafieira…
O nome da novidade?
José Ribamar Ferreira…

Era setembro de trinta
Do século que engrenava
Sob pouco pão, muita cinta
Que do governo chegava.
Com uma demão de tinta,
Todo povo se enVargava.

Foi garoto bem franzino 
Dono de boa memória,
Que carregava um destino
Prenhe de tão bela história 
E que desde pequenino
Sonhava já com a glória.

José Ribamar Ferreira
Virou Ferreira Gullar,
Enfrentou tanta barreira
E teve que se mudar
De sua terra primeira 
Para no Rio morar.

E no Rio de Janeiro 
Logo ele se destacou.
Com texto leve e certeiro, 
Em uns jornais trabalhou.
Não ganhou muito dinheiro,
Muitos textos publicou…

Porém, antes de partir
Do seu grande Maranhão,
Começou a produzir 
Seus versos em profusão,
Conseguindo imprimir 
“Um pouco acima do chão”.

Foi esse livro primeiro
Por bom tempo renegado,
Mas hoje está por inteiro
Como parte do legado
Do poeta brasileiro
De cabelo prateado.

Com “A luta corporal”
Ganhou notoriedade
Em nível nacional,
Tornando-se autoridade
Em verso experimental
Com enorme densidade.

Perseguido no País,
O Poeta foi exilado.
Não podia ser feliz
Sem a família a seu lado.
Não fez tudo o que ele quis
E se via abandonado.

Se escondeu em meio mundo
Do Regime de Terror,
Foi com um pesar profundo
Que ele encarou o pavor
Estampado no olhar fundo
Da senhora e do senhor.

Em tempos de ditadura 
Poetar é perigoso
Mas, paciente, ele atura
O perigo tenebroso.
Teve uma vida tão dura
Por não ter sido medroso.

Na Argentina exilado,
Triste qual um caramujo,
Pela dor foi assaltado
Numa noite de escabujo,
Sendo ali logo gestado
O nosso “Poema Sujo”...

O poema genial
Pelo mundo viajou
E serviu como canal
Por onde logo passou
Pra liberdade formal
De quem o idealizou.

De volta ao país amado
Não deixou de produzir,
Sendo muito procurado 
Por quem queria ouvir
Sobre o regime nublado
Que começava a ruir.

Dentro da noite veloz 
Mora nossa solidão 
Que, como chicote atroz,
Levanta o pó do chão ,
Ecoando nossa voz
Para além da escuridão.

Gullar jamais se calava.
Se podia protestar,
Logo um verso rabiscava
Pra poder denunciar
O crime que ameaçava 
Seu povo aprisionar.

Em seus versos de cordel
Muitas coisas criticou.
Não aceitava o bordel
Que o Brasil se tornou.
Seus versos eram tropel
Que o marasmo atropelou.

Foi poeta de vanguarda,
E foi com todo otimismo
Que ajudou na salvaguarda
Das ideias do Concretismo, 
Que não quis vestir a farda
De caro e mero modismo.

Gullar, poeta de luta,
De Poesia verdadeira,
Tecia arte com labuta,
Lutava contra a bandeira
Que tratava como puta
“A miséria brasileira”.

Mesmo sabedor de que
Dois e dois são sempre quatro
Nunca admitiu o porquê 
De faltar feijão no prato
E do pobre pertencer
Sempre ao mais cruel estrato.

Homem de muito talento,
Gullar foi compositor.
Rimou dor e sofrimento,
Seja do jeito que for,
A traduzir sentimento
Numa borbulha de amor.

Fez cantiga “Bela, Bela”,
Onde sempre se respira
Um cheiro de barco à vela
Em tanta nota que inspira 
Viajar de caravela
No “Trenzinho do Caipira”.

Foi pensando na criança,
Que já não lê mais como antes,
Que tão pleno de esperança 
adaptou nosso Cervantes -
Quixote com sua andança,
Tornando perto o distante.

Carregado de carinho,
Transformou seu companheiro -
Gato chamado Gatinho -
Em personagem inteiro.
Em tão formoso livrinho.
Eternizou seu parceiro.

As crônicas de Gullar
Sempre foram apreciadas.
Permitem perambular 
Por épocas variadas 
Deixam-nos deambular
Sem atravessar calçadas.

Também às biografias
Seu Gullar se dedicou.
Antônio Gonçalves Dias 
Ele já biografou,
Vida, obra e poesias
Com precisão analisou.

Sobre Nise da Silveira 
Um belo texto escreveu.
A médica brasileira 
Todo aplausos recebeu 
Por ser uma pioneira
Na ciência que escolheu.

Para não virar joguete
Em bocas impiedosas,
Em um “Rabo de foguete”,
Bem descoberto de rosas,
Ofereceu em banquete
Mil histórias gloriosas.

Numa prosa criativa
Inventou cidades mil.
Em mágica narrativa,
Ele relata o que viu
De forma figurativa 
Dentro e fora do Brasil.

Lírica ou social
A poesia de Gullar
Tem um tom universal.
Está em todo lugar.
É bem viva, seminal,
Rica, bem peculiar.

À ABL pertenceu
Um pouco antes de partir.
Seu fardão mereceu
Para sempre possuir
Pelas obras que escreveu 
Por seu jeito de existir.

Foi grande crítico de arte,
Ensaísta de primeira,
Escreveu por toda parte,
Até quando a fiandeira
O corpo da alma comparte
Naquela hora derradeira.

Em dois mil e dezesseis 
Nosso Gullar se encantou,
Deixando pra nós, talvez,
A bela arte que criou
Onde está mais de uma vez
Dito quem somos… quem sou.

Sua humana poesia
Mostra que dentro de nós 
Crescem dor e alegria 
Cada qual com sua voz,
Que viver é agonia
Atada em dúvida atroz.

Quase a voz eu perdi
Tentando lhe contar
Tudo aquilo que já li
Dele, Ferreira Gullar,
Poeta daqui e dali,
Poeta espetacular.

Gratidão, meu bom amigo,
Uma história lhe contei.
Lamento se não consigo
Lhe contar tudo que sei.
Agora ouça o que lhe digo:
Reler Gullar eu irei.

São Luís, 23 de agosto de 2025.

Leia outra homenagem para GULLAR clicando aqui









segunda-feira, 18 de agosto de 2025

LÍNGUA PORTUGUESA

 Novos artigos de segunda #45

Imagem criada com auxílio de Inteligência artificial 


LÍNGUA MATERNA: UMA FERRAMENTA PROFISSIONAL

José Neres

            O mercado de trabalho está cada dia mais exigente e competitivo. Os aspirantes a uma vaga em uma empresa não têm mais o diploma como único diferencial, precisam de aperfeiçoamento constante, de cursos de atualização e do domínio das novas tecnologias. Quem já conseguiu um emprego também não pode descuidar-se da própria formação e deve investir constantemente na aquisição de novos saberes e na ampliação do domínio de seus conhecimentos profissionais. 

            Contudo, no meio de toda essa luta pela sobrevivência e/ou por cargos e salários mais elevados, um dos instrumentos mais importantes para o sucesso profissional vem sendo esquecido ou pelo menos relegado a um segundo plano: o estudo da língua materna. No nosso caso, o da Língua Portuguesa.

            Não é preciso, porém, que todos se tornem experts nos mecanismos do idioma, nem que dominem cada uma das nomenclaturas gramaticais para que consigam um cargo ou uma promoção. Mas é essencial que o profissional ou aspirante à vida profissional tenha certa desenvoltura na expressão oral e escrita, ou seja, que saiba falar dentro de um nível aceitável da linguagem oral e que consiga desenvolver, em uma folha de papel ou na tela do computador, um raciocínio lógico e bem articulado.

            Durante todo o processo seletivo e ao longo da vida profissional, o uso adequado da língua materna é tão importante quanto a roupa e a quantidade de títulos que são postos no currículo. Mas, infelizmente, há quem esteja mais preocupado com a aparência física, acreditando que ela é o verdadeiro passaporte para o pleno desenvolvimento da carreira.

 Saber concordar as palavras, utilizar corretamente pronomes, verbos, substantivos, conjunções, preposições e demais classes de palavras, sem apelar para a ostentação vernacular, pode se tornar um diferencial em um mercado a cada dia mais voltado para a comunicação interna e externa. Saber escrever de forma fluente, evitando os desvios gramaticais mais constrangedores e conseguir expressar-se de modo claro, objetivo e elegante são qualidades valorizadas tanto nos órgãos públicos quanto nas empresas privadas.

Mas como desenvolver essas qualidades? Como usar a língua materna a nosso favor no mundo profissional? As respostas são várias, mas costumam passar todas pelos mesmos caminhos: estudo regular intensivo e leitura de bons textos.

Mesmo as pessoas que têm facilidade na expressão escrita e na oral precisam estar em constante prática de estudo, para que os conteúdos aprendidos não se diluam com a falta de uso e também para que as novidades linguísticas sejam internalizadas. Não se trata apenas de fazer cursos e mais cursos a fim de acumular certificados, mas sim de constante atualização com interesse maior na aprendizagem e na expansão do conhecimento. O contato com textos bem escritos é também primordial para o aumento do vocabulário e para obtenção de estruturas sintáticas menos usuais, porém utilizáveis no dia a dia.

Durante toda a formação escolar, da educação básica ao ensino superior, deve sempre haver espaço para a valorização da língua materna. O profissional deve sair de uma instituição de ensino não apenas com um diploma e com os conhecimentos técnicos, mas também com possibilidade de desenvolver suas ideias oralmente e/ou por escrito. Por isso, causa estranheza que algumas instituições de ensino superior venham retirando as disciplinas relacionadas à Língua Portuguesa de suas estruturas curriculares. Não se sabe se isso ocorre por economia ou por simples desprezo pelo estudo da Língua. Mas de qualquer forma é algo nocivo à formação daqueles que são considerados o futuro de um País.

Negar aos futuros profissionais a possibilidade de desenvolver, de forma sistemática, a expressão oral e escrita pelo estudo da língua materna é negar-lhes também uma importante ferramenta que pode ser decisiva para o desenvolvimento da carreira. E, quando se trata de Educação, o essencial nunca pode ser negado. O futuro cobrará essa dívida.





domingo, 10 de agosto de 2025

A SAÚDE MENTAL DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO

 Novos artigos de segunda #44

Imagem criada com auxílio de Inteligência Artificial

A SAÚDE MENTAL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO 

José Neres 


Estou na docência desde 1991. De lá para cá são quase três décadas e meia de sala de aula e algo que sempre me deixou preocupado é a saúde mental das pessoas que trabalham na Educação.

Para quem não vive as rotinas de uma escola, a vida do professor e dos demais atores envolvidos com a Educação parece ser algo fácil: “basta dar a aula ou executar algumas tarefas burocráticas e ir embora”. “Os sortudos ainda contam com duas férias por ano”. Mas a realidade não é bem assim.

Existe toda uma dinâmica invisível, que vai além da sala de aula, dos corredores e dos muros de uma instituição de ensino, e que pode levar esses profissionais a um adoecimento físico e mental. Não se trata apenas do esperado cansaço após uma jornada de trabalho, muita vezes em condições adversas, da exposição a ruídos que extrapolam os limites recomendados, do esforço repetitivo diante de um quadro, da vista cansada após uma exaustiva sessão de correção de provas e trabalho ou da certeza de uma remuneração que está muito aquém do esforço despendido. Há outras situações que nem sempre são percebidas por quem não está a par dessa realidade.

Constantemente, vejo colegas com o olhar perdido no horizonte e com as marcas da desesperança estampadas até mesmo nas mais sutis palavras e nos  movimentos involuntários. A angústia tornou-se  parte do uniforme de muitos educadores.

Esses profissionais vivem em constante estado de insegurança. A violência, que antes era apenas tema de algumas aulas, há muito tempo já invadiu o ambiente escolar e tem deixado marcas físicas e psicológicas em suas vítimas, conforme pode ser visto em reportagens e depoimentos que são compartilhados e reproduzidos à exaustão.

Muitos professores e demais funcionários vivem a angústia de não poderem projetar nem mesmo um futuro próximo, pois trabalham assombrados pelo fantasma da dispensa ou de alguma remoção para um lugar afastado do seu perímetro de atuação.

Praticamente todos já perceberam que não têm voz nem vez, pois as decisões são tomadas sem a participação de significativa parte da comunidade escolar. Resta então obedecer ao que foi determinado, de preferência sem questionamentos, pois questionar nem sempre é interpretado como uma tentativa de ajudar a compor um cenário mais democrático, mas sim como uma afronta a uma ordem de quem se julga superior aos próprios colegas. Muitos, então, optam pelo silenciamento das próprias ideias. E isso não traz bons resultados.

Há ainda o caso dos profissionais que recebem tarefas para as quais não foram preparados. Diante da angústia de não poderem executar as atividades da forma que desejariam e, muitas vezes, pressionadas por todos os lados, essas pessoas acabam substituindo o prazer do trabalho por crises de ansiedade ou mesmo por constantes episódios de Burnout, o que geralmente culmina com picos de estresse, desânimo, esgotamento físico, sensação de fracasso e até alteração nas funções básicas do organismo.

Constantemente, escuto colegas dizendo que estão arrependidos da profissão que escolheram ou, pior ainda, abusando de medicamentos, muitas vezes sem acompanhamento profissional. Há também casos daqueles que se entregam a drogas lícitas e ilícitas e ao vício de jogos, o que acaba piorando a saúde mental desses trabalhadores.

Em 2010 escrevi um artigo intitulado “O Do(c)ente” tratando sobre o assunto. De lá para cá parece que nada mudou, ou melhor dizendo, o pouco mudou parece que foi para pior. De lá para cá, tenho sempre tratado do assunto, buscando compreender as causas e as consequências desse fato incontestável, mas que nem sempre é discutido nas chamadas formações e nas reuniões.

Parece que a saúde mental dos profissionais da Educação é um mais um daqueles assuntos que são constantemente varridos para debaixo de um tapete de ilusões.



Leia outro artigo sobre o assunto clincando aqui


domingo, 3 de agosto de 2025

REVISTA TIJUBINA

 Novos artigos de segunda #43

REVISTA TIJUBINA 

José Neres 

Imagem criada com auxílio de Inteligência artificial 


Sempre foi grande a reclamação de que não tínhamos publicações voltadas exclusivamente para a literatura local. As poucas que existiam estavam vinculadas a veículos de comunicação e apareciam ou desapareciam de acordo com as situações econômicas dos órgãos às quais estavam ligadas. Ou seja, tinham de alguma forma um viés político e pecuniário.

Foi pensando nisso que, em 2011, resolvi publicar o informativo Ilhavirtualpontocom, que era inteiramente dedicado a tratar das letras maranhenses, incentivando a produção local. No início, pensei que seria uma empreitada fácil, afinal de contas eu estava cercado de pessoas que escreviam e receber textos para publicar seria uma tarefa simples. Mas não foi bem assim…

Era uma verdadeira batalha conseguir textos para o informativo. Mas isso foi solucionado de modo relativamente simples: eu mesmo escrevia, revisava, editava, diagramava e colocava no ar a maioria das matérias. As demais, eu conseguia graças à colaboração de alguns alunos da faculdade onde eu ministrava aulas ou às carinhosas colaborações literárias de alguns amigos.

Sempre que saía uma edição, eu a enviava por e-mail a pessoas que possivelmente teriam interesse no assunto. Aproximadamente 500 contatos recebiam a publicação em PDF. Desse montante, cinco ou seis acusavam o recebimento e davam uma dose de incentivo em forma de palavras afetuosas e encorajadoras. As demais postagens ecoavam um total silêncio.

Rapidamente, percebi que as mesmas pessoas que clamavam por material sobre literatura ignoravam quando esse material chegava a suas mãos. Parece que o bom sempre foi reclamar, reclamar e reclamar. 

Não desisti e cheguei a publicar mais de quarenta números do Ilhavirtualpontocom.

Apenas uma pessoa demonstrava total interesse pela publicação, ligava perguntando quando sairia o próximo número, comentava cada uma das edições, dava sugestão de pauta e chegou mesmo a conceder uma entrevista: era o poeta e amigo Carvalho Junior 

No final de março de 2021, todos os amantes da literatura maranhense sentiram-se abalados com a precoce partida daquele grande poeta com alma de menino. Em sua homenagem, no mesmo dia de seu falecimento, coloquei no ar uma edição em sua homenagem e decidi fechar o projeto. Tinha certeza de que ninguém sentiria falta daquele informativo de oito, dez, doze ou dezesseis páginas que só divulgava o que praticamente ninguém tinha interesse em ler ou ouvir.

Dito e feito. Apenas duas ou três pessoas sentiram a ausência do Ilhavirtualpontocom, que circulou durante dez anos e deixou poucos rastros, mas que ainda está aí pela internet, para quem quiser consultá-lo.


Capa do primeiro número da Revista Tijubina 


Não. Não estou fugindo do tema. Fiz todo esse histórico para dizer como surgiu a ideia de publicar a Revista Tijubina. 

Após o falecimento de Carvalho Junior, um incansável divulgador cultural, repassei alguns áudios e notas nos quais ele reconhecia a importância do Ilha… e pedia para não deixar de publicar aquele material pelo qual ele tinha muito carinho. Mas o Informativo já estava encerrado. 

Foi então que comecei a pensar em alguma forma de homenagear aquele amigo tão querido. Veio a ideia de editar uma revista. Como ele mesmo se denominava o Homem-Tijubina, que era o título de um de seus livros, não tive dúvida: a publicação se chamaria Revista Tijubina, mas não seria dedicada apenas às letras e a cultura do Maranhão. Teria um escopo um pouco mais amplo. Falaria de literatura e de outras artes, e não apenas voltadas para o Maranhão.

Como não poderia deixar de ser, o número de estreia foi dedicado ao poeta Carvalho Junior, que está sempre presente, de alguma forma, em todas as edições.

Claro que as dificuldades continuam as mesmas. Porém os colegas não são mais incomodados por e-mail. Coloco um link nas minhas redes sociais e em grupos de comunicação instantânea voltados para as letras e as artes. Quem tiver interesse acessa o material e pode baixar, ler ou arquivar a Revista. 

Mas desconfio que o efeito é o mesmo dos e-mails. Assim como acontecia com o Ilhavirtualpontocom, raramente recebo algum retorno, e os relatórios mostram que o interesse das pessoas por esse tipo de assunto é baixo.

Como alguns amigos me autorizaram - sem ônus - a utilizar seus textos, fico mais tranquilo e aos poucos vou reduzindo a presença de meus próprios artigos na Revista. O bom de tudo é que posso seguir uma linha editorial sem amarras e conotações políticas, financeiras ou ideológicas. 

Neste final de julho de 2025, chegamos ao nono número da Tijubina, com capa em homenagem ao padre e escritor João Mohana. Antes tivemos a seguintes capas:

Número 1 - Carvalho Junior 

Número 2 - Gonçalves Dias 

Número 3 - Antônio Carlos Lima

Número 4 - Rogério Rocha

Número 5 - José Chagas

Número 6 - Adélia Prado

Número 7 - Lucy Teixeira 

Número 8 - Josué Montello 


Adianto logo que o próximo número será uma homenagem à escritora Laura Rosa.

Sigamos juntos na luta pela literatura, pois como disse o grande compositor Antônio Vieira, “se tu não quer, tem quem queira”... O importante é não parar. 

Não pararemos!

Capa do oitavo número da Revista Tijubina 


SOBRE TEXTOS E LIVROS

 Novos artigos de segunda #49 Imagem criada com auxílio de Inteligência Artificial SOBRE TEXTOS E LIVROS José Neres   Quando te sentir...