Uma homenagem a:
MARIA FIRMINA DOS REIS
(Para Nascimento Morais Filho, em memória)
José Neres
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| Praça Maria Firmina dos Reis - em Guimarães - Arquivo do autor |
Ninguém pode escravizar
A mente de uma pessoa
Enquanto no fundo restar
Uma força que ressoa
E que nos faça lutar
Seja ao sol ou na garoa.
Mas nosso corpo, porém,
Vive a lutar contra a Morte
E contra a Vida também
E nem sempre tem a sorte
De ser aqui - não no além -
Livre no Sul ou no Norte.
Lutar pela liberdade
De todo homem e mulher
Não é ato de vaidade
Ou gesto tolo qualquer,
Deve ser realidade
Onde injustiça houver.
Foi em pleno Maranhão,
No século dezenove,
Foco de escravização,
Que ainda hoje comove,
Que ela chamou atenção:
Que o crime não se renove!
Quem será essa pensadora?
Essa mulher maranhense
Artista e compositora,
Que ao preconceito só vence
E se torna vencedora
Por crer no que lhe pertence?
Maria Firmina dos Reis -
Escritora e professora,
Que por si mesma se fez
Em época opressora
Quando não tinha nem vez
De ser uma sonhadora.
Dona de muito talento
Ela se dedicou à escrita
Como se em busca de alento
Para uma sina descrita
Desde o Velho Testamento,
Mas que vem sendo proscrita
E que hoje não tem espaço
Embora haja defensores
Desse tão machista traço
De não reconhecer dores
A esconderem em abraços
E em lindo bouquet de flores.
Esquecida por um tempo -
E por tempo até demais -
Sua obra sumiu no vento
Mas estava nos jornais
Esperando um momento
Para voltar aos anais
Nossa história literária
Ainda pouco explorada
Parece tão refratária
À pesquisa dedicada
À verve extraordinária
De autora não renomada.
Nascimento Morais Filho
Foi o autor da proeza
De recompor um trilho
O qual, com toda certeza,
Precisava dum gatilho
Pra dispara a beleza
Que se escondia numa obra
Quase desconhecida.
Foi ele que fez a manobra
De tornar reconhecida
A prosa que se desdobra
Na página recolhida.
Úrsula - livro primeiro
Dessas letras de ficção
A trazer ao brasileiro
Com imensa convicção
As dores de um povo inteiro,
As dores da escravidão.
Antero, Túlio e Suzana
Formam trio especial
Deles a saudade emana
De forma viva… real.
São frutos da dor humana
Em busca do capital.
Úrsula e seu bom Tancredo
Vivem história de Amor
Não conheciam o medo
Até terem o dissabor
De retornar do degredo
Alguém cheio de rancor.
Fernando, o vilão da história,
Encarna o eterno Mal,
Teve momento de glória,
Acredita num sinal,
Sua gana pela vitória
Marca o momento fatal.
É um livro interessante
Repleto de reviravolta
Uma leitura instigante
Que de nós não se solta.
Ao tirá-lo lá da estante,
Coloque-o sempre de volta.
Em Cantos à Beira-Mar,
Maria Firmina dos Reis
Faz sua voz ecoar
Aos ouvidos de vocês
Ali ela pôde entoar
Um canto de cada vez.
À sua mãe dedicado,
O livro fala de Amor
Eterno ou contrariado,
De saudade e de temor,
Do que deve ser lembrado,
E do que nos causa dor.
São muitas as poesias
Nesse livro sem igual
Todas com muitas magias
Todas com gosto de sal
Todas lembram maresias
Todas reluzem cristal.
A Escrava traz um bom conto
De crítica social
Ele narra desencanto
E sofrimento fatal
De uma mulher cujo pranto
Marca a linha final.
Joana, a escravizada,
Teve seu filho vendido,
Teve sua paz roubada,
Teve seu juízo perdido…
Por todos foi enganada
Seu ser procura sentido
Para o destino de fel
De viver perseguida
Pelo capataz cruel
Que busca tirar-lhe a vida
A mando do coronel,
Mas se vê socorrida
Por uma dama bondosa
Que não vê a escravidão
Como coisa valorosa.
Esse conto traz lição:
O mundo não é mar de rosa
É um poço de aflição.
O casal Épica e Gastão
Formam um par original
Que ao viver uma paixão
Mas, de forma especial,
Ele descobre ser irmão
De sua amada, afinal.
Nessa tragédia vivaz
Construída com rigor
Nossa escritora nos traz
Triste história de amor
Entre uma moça e um rapaz
Com grandes traços de dor.
Eis a ideia de Gupeva,
Esse conto indianista
De puro amor com reserva
De tom bem nacionalista
Onde nele se observa
Uma Firmina ativista.
Escrito em cinco partes
Repletas de descrições
Este conto é estandarte
Das imensas emoções
Em que tudo se comparte
Ressaltando comoções.
Firmina hoje é estudada
Como exemplo de escritora.
Sua obra é dissecada
Também da vida da autora
Muita coisa foi encontrada
Por tanta gente leitora.
Orgulho do Maranhão,
Nossa intelectual
Tem grande produção
E obra monumental
Que desperta reflexão
Sobre questão atual:
Respeitar as diferenças
Deve ser obrigação.
Fujamos das ofensas.
Somos uma só nação
Preconceitos são doenças
Que agridem o coração.
Ler Firmina por prazer
Ou por pura obrigação
Deve ser nosso dever
Tomado com emoção
Pois um povo, se não ler,
Jamais terá solução.
São Luís, 11 de dezembro de 2025.