Apresento a vocês nosso novo E-book, intitulado Conect@dos - O novo normal nas relações hipermodernas. O livro é composto por trinta (30) contos que trazem em seu bojo as relações humanas nesta sociedade que preza pelas conexões nem sempre tão pessoais assim.
O E-book é gratuito e pode ser baixado com um clique no link abaixo
Em 2022, quando
era ainda colaborador semanal do site Região Tocantina (que atualmente se
encontra em pausa), iniciei uma série de artigos comentado a produção literária
de escritoras maranhenses contemporâneas. Compromisso e mais compromissos
fizeram com que eu adiasse a publicação dos outros textos da série.
Durante esse período,
escrevi sobre a obra de diversas escritoras, mas somente agora, pouco mais de
três anos depois de haver publicado a parte II, decidi dar continuidade a esse
tipo mais geral de estudo.
Uma autora que chamou
minha atenção foi LILA MAIA, uma maranhense radicada no Rio de Janeiro, que vem
produzindo uma obra de grande densidade poética e cuja obra recentemente foi
condensada na antologia “De porta em porta abro janelas”, publicada pela
Academia Maranhense de Letras. A poética de Lila Maia apresenta certa contenção
verbal impregnada de trechos com grande profundidade imagética. Ela tem consciência
de que a poesia vai além das palavras e que os silêncios podem ser eloquentes. Percebe-se
em seus poemas um meticuloso trabalho com as escolhas lexicais, conforme pode
ser visto em “Amadurecimento”, no qual deixa para o leitor a oportunidade de
destrinçar inclusive o não-dito
Solidão é uma
China
O país mais populoso do
mundo
Recentemente eleita
para a Academia Maranhense de Letras, a escritora CERES MURAD é mais conhecida
por suas atividades nos campos educacionais, porém é também uma hábil cronista
e uma poetisa com bons recursos estilísticos, conforme pode ser visto em seu
livro “A Raposa Surda” (2024) , um trabalho que pode atingir leituras das mais
diversas faixas etárias e que pode ser lido em palimpsesto, de acordo com a
camada que deseja ser atingida. Bastante preocupada com a formação e inclusão
do Ser Humano na sociedade, Ceres Murad, ao escrever em prosa ou em verso, não deixa
de lado sua condição profissional de educadora e acaba transformando em lições
de vida cada parágrafo e cada estrofe, lembrando também que cada momento da
vida pode ter um significado para quem aproveita as oportunidades que são
colocadas em nossos inúmeros caminhos, como pode ser visto no exemplo abaixo:
Dançar
Melodia que invade
a rigidez do corpo.
Palavra que invade
a rigidez da mente.
Fantasia que
invade e faz voar a alma.
Inútil, fútil,
banal?
E daí?
A construção
poética de MARUSCHKA DE MELLO E SILVA, autora de “Tábua Etrusca” (2022) é
carregada de intenções de mostrar que as temáticas poéticas podem emergir das fissuras
existenciais e dos incômodos que permeiam a vida das pessoas. Seus versos são
sintéticos e carregados de questionamentos que não se contentam com respostas
simples, fáceis e diretas. Em muitos casos, os questionamentos levantados são
mais significativos do que suas possíveis soluções. Na poesia de Maruschka de
Mello e Silva, o ser humano se mostra fendido, mas tais fendas não são frutos
de defeitos ou de heranças sociais, demonstram ser efeitos das relações do Ser
com a sociedade e, muitas vezes, resultados dos encontros com as próprias
experiências. “Tábua Etrusca” é um livro que exige uma leitura atenta e reflexiva.
PROCURO POR TUDO
Em cada secular
castigo
rejeito sonhos
em arredia vigília
o azul da lua rouba
a noite
sem complacência
procuro meu
quinhão
em tuas dádivas
procuro por tudo
que nunca tive
RAY BRANDÃO,
autora de “Penélope – Uma odisseia interior”, aposta na sensibilidade e no
mergulho na alma do Ser Humano, principalmente pelo olhar feminino. Sua obra
aposta em uma aparente simplicidade tanto na forma quanto na temática. Contudo
essa “simplicidade” pode ser enganosa, pois está ancorada na complexidade humana em
suas diversas nuances e necessidades. A ênfase verbal na primeira pessoa do plural
remete a um pacto autobiográfico, contudo, sem muito esforço, os frames
suscitados nos versos podem ser colocados nas cotas das experiências humanas
que se repetem geração após geração, com os devidos filtros das singularidades
e dos aspectos culturais das pessoas ao longo dos tempos. Leia o poema abaixo,
no qual a escrita investe nos jogos antitéticos e na subjetividade do eu
lírico.
O MISTÉRIO
Há um enigma no
ar. Os sentidos percebem O silêncio da
escuridão E o frio do
deserto. O vazio
surpreende. Ele é o mistério. Nada há nele Mas ele preenche
tudo.
Em seu livro de
estreia – “Miscelânia Poética” (2022), – a professora e poetisa ERLINDA MIRANDA
investe nas relações humanas e educacionais que são traduzidas em forma de
poemas. Seus versos são simples e isentos de preocupações com a forma, seja com
relação à rima, seja a respeito da metrificação. Os versos livres oferecem ao
leitor diversas possibilidades rítmicas e interpretativas. De qualquer modo, a
escritora Erlinda Miranda revela certo didatismo filosófico em seus textos,
tentado atingir o lado mais sensível das pessoas, como ocorre no poema abaixo,
intitulado “Vamos... Antes”.
Antes que o sol se
esconda Antes que o mar se
assanhe Antes que vire
onda Antes que o dia
acabe Vamos sentir a brisa.
Brevemente voltaremos
com a quarta parte desta série. Até a próxima.
Se quiser ler os artigos anteriores, basta clicar abaixo:
Repleto
do compromisso, não consegui escrever meu texto semanal domingo nem na segunda-feira.
Hoje, depois de não conseguir ir para uma reunião, de não conseguir ser
atendido por um médico, que não soube cumprir seus horários, de falar para
algumas dezenas de universitários (saudades do tempo em que ministrava aula em cursos
superiores!), de dirigir por horas em um engarrafamento brutal e de elaborar
algumas questões, finalmente consegui parar um pouco para colocar algumas
ideias na tela do computador e depois transferir para este pobre, porém
carinhoso blog.
Pode
ser impressão minha, mas até agora não tive notícia sobre as discussões e
debates entre os especialistas nos assuntos ambientais. Claro que as COPs são
eventos mais políticos que científicos e quem realmente entende do assunto fica
sempre silenciado pelos holofotes focados em quem compareceu apenas por
obrigação protocolar ou para tirar uma foto.
Claro
que são poucas as pessoas que conseguem ouvir um debate sério entre estudiosos
do assunto. Claro que é mais fácil divulgar cifras estronômicas do que lembrar
que pequenas atitudes podem também ajudar a mitigar os danos causados ao
planeta. Nem tudo é somente dinheiro. Há muitas situações em que é preciso investir
em estratégias de ensino que levem jovens e adultos a refletirem sobre o papel
de cada um de nós dentro da imensa engrenagem chamada ambiente.
Claro
que divulgar nomes de cientistas e de pesquisadores presentes no evento não
atrai o olhar do grande público. É bem melhor e mais midiático transmitir os
shows das celebridades, as gafes (muitas) dos políticos que pouco sabem do
assunto, as esdrúxulas performances artísticas que costumam atrair multidões
etc. Mas não custa nada pelo menos fingir que questões ambientais são um
assunto sério e que vai muito além de estender uma bandeja para mendigar recursos
financeiros.
Não
há dúvida de que toda a população poderia colher bons resultados com o simples
fato de quem tem a caneta e o dinheiro nas mãos parar para ouvir aquelas
pessoas que estudam o assunto de forma séria e verdadeira. Pouco adianta pintar
a paisagem de verde e fazer de conta que isso resolve os verdadeiros problemas
que assombram o futuro da humanidade. Temos motivos para acreditar que a
propaganda é a alma de um negócio cada vez mais sem alma.
Mas
tudo deve ser impressão minha. Tenho certeza de que essas pessoas iluminadas
estão cuidando de nosso presente e de nosso futuro. Só espero que não seja da
mesma forma que cuidaram de tudo isso no passado.
Deixo
a COP30 de lado e passo para outro pensamento intrusivo...
***
Qual
a lógica de as clínicas e consultórios dizerem para os pacientes que os médicos
atenderão pelo sistema de horário marcado, se têm certeza de que não cumprirão
o horário estipulado.
Pior
ainda é o fato de pedirem que o paciente chegue com antecedência de
aproximadamente meia hora. Ou seja, o paciente acaba sendo convidado a perder
tempo antes e depois da consulta. E não se trata de um atraso de apenas alguns
minutos. Hoje, esperei por uma hora e 20 minutos até descobrir que o “doutor” tinha
acabado de chegar. Educadamente, dirigi-me à recepção, pedi o cancelamento da
consulta e fui embora. Resultado: perdi meu precioso tempo e não consegui
resolver o problema de saúde. Meus parabéns à atendente, dona de uma educação
exemplar.
***
Outro
pensamento invade minha cansada mente...
Olho
para um lado e para o outro e vejo que muitas pessoas estão cada vez mais
dependentes da chamada Inteligência Artificial. O professor – muitas vezes após
recorrer à IA – passa uma tarefa para os
alunos, que, por sua vez, recorrem aos mesmos mecanismos para executarem a
tarefa. Parece que algumas pessoas não conseguem mais raciocinar com o próprio
cérebro. Sem uma máquina por perto, o
raciocínio entra em pane e cai em estado de profunda e incontornável letargia. Isso
não deve ser visto como algo normal.
Ainda
há os casos em que algumas pessoas decidem posar como intelectuais, chegando
inclusive a pedir resumo de obras que depois são resenhadas como se tivessem sido
lidas realmente. Pior que tem gente que acredita.
Não
sou contra o uso da Inteligência Artificial, porém não posso deixar de ficar
espantado quando ela é utilizada como uma fraude que visa disfarçar nossa natural
incompetência.
Um detalhe: alguns vídeos criados com IA ficam tão realistas que muitas pessoas estão acreditando até que as vacas voam sobre um mosteiro.
***
Hora
de descansar. Cedo tenho mais uma jornada de atividades. Obrigado pela
paciência. Só espero que ninguém tenha recorrido à IA para resumir este breve
texto. Mas não duvido!
Reproduzo hoje um artigo meu publicado há alguns anos no Jornal O Estado do Maranhão. O texto é antigo, mas o assunto é atual.
OS
DESLIMITES DO COMPARTILHAMENTO
José Neres
📵
Hoje
em dia, por questão de gosto, de modismo ou mesmo de necessidade, milhões de
pessoas acessam os diversos aplicativos de comunicação instantânea a fim de
enviar e receber notícias, manterem-se informadas ou mesmo como forma de
entretenimento.
Os
aparelhos de telefonia móvel, popularmente conhecidos como celular, há muito
deixaram de exercer sua função primeira, e a cada nova versão que chega ao
mercado, recebem mais funções. Rapidamente tornaram-se produto de primeira
necessidade para muitas pessoas que têm a seu alcance, em um mesmo objeto,
prático e funcional, ao mesmo tempo, agenda, rádio, TV, calculadora, editores
de texto, câmera fotográfica, rádio, cronômetro, relógio, conversores de dados
e uma infinidade de funções que tornaram os aparelhos uma extensão da casa, do
escritório e até mesmo da vida sentimental.
Essa
multiplicidade de funções elevou essa aparentemente simples máquina à categoria
de objetos inteligentes. porém isso também parece ter limitado um pouco mais a
própria capacidade humana de discernir sobre o que é ou não permitido dentro
das relações pessoais e profissionais.
De
repente, diante de tanta tecnologia e de tantas possibilidades de superar as
barreiras do tempo e do espaço, o homem se vê perdido dentro das próprias
escolhas sobre o que pode ser ou não adequado dentro das relações sociais cada
vez mais fluidas. Um desses dilemas se relaciona com os cada vez mais populares
aplicativos que permitem interação de textos, áudios e imagens entre grupos
restritos de usuários, os chamados grupos de comunicação, que geralmente são
administrados por um ou vários membros desses grupos.
A
ideia básica dessas comunidades é permitir que todos os membros tenham acesso
às informações que são compartilhadas, seja com finalidades lúdicas, seja com
objetivos laborais ou educativos. No entanto, mesmo que em alguns desses grupos
haja regras explícitas quanto ao que pode ou não ser postado, alguns usuários
chegam a ultrapassar o limite do tolerável e se tornam inconvenientes por conta
da falta de limites com relação ao que é dito e/ou compartilhado.
Munidos
da ideia de que todos têm direito a expressar suas ideias, tais pessoas
geralmente se esquecem de que seus direitos pessoais devem sempre fazer limite
com os direitos dos próximos, pois ninguém é obrigado a compartilhar dos mesmos
gostos e opiniões dos demais e até mesmo a noção de que é preciso aceitar as
diferenças e ser tolerante com as atitudes alheias perdem sentido diante de
algumas atitudes que merecem repreensão.
Se
o cidadão ou cidadã aprecia ver cenas de estupros, decapitações, linchamentos,
homicídios, sexo explícito, nudez, pedofilia, maus tratos a animais, correntes
religiosas, violências em diversos níveis, acidentes, dissecação de cadáveres e
imagens escatológicas deve lembrar-se de que há pessoas que não comungam do
mesmo gosto e que devem ser respeitadas em seus direitos de não receberem tais
vídeos, áudios e fotos. Em caso de compartilhamento em grupos criados
especificamente para esses fins os únicos obstáculos são de origem legal, já
que, pelo menos em teoria, todos os membros têm os mesmos objetivos.
Contudo
não é muito agradável quando, ao acessar o ícone de um determinado grupo que
tenha uma finalidade específica, a pessoa se depara com postagens que destoam
do objetivo daquela comunidade. O que se percebe é que o bom senso parece não
ter seguido a mesma linha de progresso que tiveram os aspectos tecnológicos.
Desse modo algumas pessoas têm investido pesadamente na compra dos melhores
aparelhos, mas não investiram no aprimoramento dos bons modos interpessoais.
Então,
antes e postar ou compartilhar algo em qualquer um dos grupos dos quais fazemos
parte, é importante mergulhar nas serenas águas do bom senso.
Breve conversa com José Chagas, em 2006 Fonte: arquivo do autor
Hoje, 29 de outubro de 2025, lembramos a passagem do 101° ano do nascimento de José Chagas, o poeta e cronista paraibano que adotou o Maranhão como segunda terra e que escreveu inúmeros textos - em prosa e em verso - sobre o Estado no qual viveu por décadas.
Aproveito a data para lembrar alguns episódios que de alguma forma interligam minha história de vida com a trajetória do grandioso José Chagas, de quem sou admirador.
1 - Hoje é dia de…
Sempre acordei cedo. Mas, durante muitos anos, despertar aos sábado tinha um sabor especial. Era o dia em que saía, no jornal O Estado do Maranhão, a coluna Hoje é dia de José Chagas. Todos os ocupantes da coluna nos demais dias eram muito bons. Mas os textos de Chagas tinham algo de diferente. Ele, despretensiosamente, fazia o leitor ter a doce ilusão de imaginar que escrever era fácil. Sua crônicas traziam uma mescla bem equilibrada de crítica social e poeticidade.
Acredito que muitas pessoas também comungavam desse “vício” de ler Chagas aos sábados.
2 - Chagas em pessoa
Em 2005, ganhei, no Concurso Cidade de São Luís, o Prêmio Odylo Costa, filho, com o livro Restos de Vidas Perdidas. Como parte da premiação havia a publicação do livro e o lançamento coletivo das obras.
Na tarde/noite do lançamento, lá estava José Chagas quase ao meu lado, na área destinada aos escritores Félix Alberto Lima e Manoel dos Santos Neto, que venceram o Prêmio De Jornalismo com o livro-reportagem “Chagas em Pessoa”.
Foi também, naquele momento, meu primeiro contato com Félix, que hoje é meu amigo e confrade na AML.
3 - O primeiro contato
A primeira vez que estive frente a frente com José Chagas foi no lançamento de de um livro do poeta Luís Augusto Cassas.
Ao ser apresentado a ele, comentei que admirava sua obra e que o considerava um dos grandes poetas do Brasil. Ele deu um leve sorriso e comentou: “Não sou bem um poeta. Sempre fui um lavrador. Na Paraíba, eu lavrava a terra para sobreviver. No Maranhão encontrei uma terra boa. Deixei de lavrar a terra e comecei a lavrar palavras. Hoje não sou mais um lavrador. Tornei-me um pa-lavrador”.
Era realmente um sábio e um grande cultor das palavras.
4 - Após uma palestra
Fui convidado, pela Academia Maranhense de Letras, a proferir a palestra sobre o centenário de José Chagas. Diante se uma Casa lotada, falei por mais de uma hora sobre a vida e abra do auto de “Os Canhões do Silêncio”
Após a sessão de perguntas, um cidadão chegou para mim e disse que estava impressionado com a qualidade literária de Chagas, a quem admirava desde muito tempo. A pessoa só não sabia que Chagas também escrevia livros. Só conhecia suas toadas de bumba-meu-boi. Claramente aquele “fã” havia confundido o poeta Chagas, com o também grandioso cantador Chagas.
Acontece!
5 - Na qualificação…
Minha tese de doutorado trata sobre dois aspectos pouco explorados da poesia de José Chagas: sua relação com a sustentabilidade e com o meio ambiente.
Um dos membros da banca de qualificação - que não conhecia a poesia de Chagas, assim como todos os demais - encheu o poeta de elogios e disse: “Em determinado momento, após acabar de ler seu trabalho, fiquei com minha esposa na varanda da casa e ficamos até tarde lendo os poemas de José Chagas e nos impressionamos com a sensibilidade poética dele”. O professor, após um longo suspiro, concluiu: “Como é que o Brasil ainda não conhece esse poeta?”
Confesso que também não sei… mas tenho minhas suspeitas…
****
Hoje, depois de mais de uma década de seu falecimento, sempre que leio as crônicas e os poemas de Chagas fico com uma dúvida: como ele retrataria os dias atuais em sua obra?
A respeito do romance “O Diabo”, de João Clímaco Lobato
José Neres
Imagine que você seja uma pessoa financeiramente
bem-sucedida, que tenha uma família estabilizada e aparentemente seja
considerado por todos como uma pessoa do bem. Contudo, um antigo segredo pode
vir à tona e pôr todo o seu histórico de vida a perder. O pior de tudo é que,
certo dia, ao voltar para casa, você ouve um “psiu” e, a seguir, uma voz
estranha que parece vir das profundezas da terra chama pelo seu nome seguidas
vezes...
Para piorar a situação, seguidos episódios
ocorridos em sua fazenda levam você a acreditar que aquele antigo segredo
esteja prestes a ser revelado e que possivelmente o próprio Diabo esteja no
encalço dos envolvidos no sombrio evento que todos julgavam esquecido. Qual seria
a solução? Reunir a família e tentar encontrar um meio de sepultar o passado e de
livrar-se do Diabo que tanto incomoda no presente e que pode pôr em risco o próprio
futuro pecuniário da família.
Temos, nas linhas acima, em poucas
palavras as diretrizes gerais do romance “O Diabo”, publicado em 1856, pelo
escritor maranhense João Clímaco Lobato (1829-1897) e que será relançado – em e-book
– na próxima quinta-feira, 30.10.2025, às 18:00 horas na Casa de Cultura Josué
Montello.
O livro traz uma abordagem bastante
interessante sobre algumas superstições que norteiam a vida das pessoas, tocando
também em assuntos como casamentos arranjados, amores contrariados, busca de
aceitação, remorso, perdas familiares, anticlericalismo e tantos outros que se entrecruzam
ao longo da narrativa para compor o enredo da história.
O autor, nesse romance, optou pela
narrativa em linha cronológica entremeada de alguns recuos no tempo, a fim de
elucidar questões que servem como motivação para as ações das personagens. Tecendo
uma mescla entre os elementos característicos do humor e pitadas dos elementos
do estilo gótico. A presença/ausência do Diabo ao longo da narrativa oferece ao
leitor uma imersão na atmosfera de mistério e de suspense, mas sem deixar de
lado uma necessária crítica social, principalmente aos políticos da época.
Para ajudar a compor o núcleo das
personagens, João Clímaco Lobato recorreu à presença de um frei glutão e
preguiçoso, de uma mulher que sempre deseja se colocar como o centro das
atenções, de um homem que adora receitar beberagens para os conhecidos e de uma
jovem que desconhece o passado da família e de um rapaz com limitações cognitivas.
Possivelmente o leitor irá perceber uma quantidade exagerada de desmaios ao
longo da história e de situações aparentemente desarticuladas, mas isso não é tão
relevante no cômputo geral da obra, podendo inclusive servir para imprimir ao
romance uma aura de mistério entremeado por um humor ácido.
Esta nova edição de O Diabo foi
elaborada pelo GELMA - Grupo de Estudos em Literatura Maranhense, que tem como
um dos objetivos trazer de volta ao público leitor algumas obras que não são
muito conhecidas e que nem sempre estão disponíveis na ortografia modernizada. A
edição traz uma apresentação escrita pelo professor Mestre Mauro Cezar Borges,
e, como posfácio um artigo publicado no Diário do Maranhão, em maio de 1856, ou
seja, logo após a publicação da primeira edição do romance. Além disso, o e-book
é fartamente ilustrado com imagens produzidas por Inteligência Artificial e que
servem para aproximar os novos leitores da história.
Logo após a cerimônia de
lançamento – com a presença dos organizadores Dino Cavalcante e Mauro Cezar
Vieira, o link do livro virtual será disponibilizado – sem custos – para o
público interessado nesse valoroso trabalho. Vale a pena comparecer ao
evento.
LOCAL: Casa de Cultura Josué
Montello (Rua das Hortas – Centro – São Luís – Maranhão)
Imagem criada com auxílio de Inteligência Artificial
🔕
A CORAGEM DO SILÊNCIO
José Neres
Gosto sempre de pensar nas
relações humanas e no uso da linguagem como forma de aproximar as pessoas e de
evitar conflitos desnecessários. Acredito que muitas vezes não falar o que
pensamos pode ser um bom recurso para não ferir as pessoas e até de preservar nossa saúde mental.
Mas nem todos pensam assim.
Muitas pessoas acreditam piamente que o livre direito de manifestação é um
passaporte para falar o que quiser e, caso alguém pense de modo contrário, esse
alguém deverá ser combatido e silenciado.
A regra deveria ser pensar em
tudo o que se vai falar e nem sempre falar tudo o que se pensa. Isso ajudaria
muito!!!
Podemos até (às vezes) ter o
controle dos textos produzidos, porém dificilmente teremos como controlar a
recepção de nossas palavras. Quando produzimos uma frase, partimos de nossas concepções
de vida, de nossas ideologias, de nossas sensibilidades momentâneas e de nossos
objetivos preconcebidos. Os receptores, por sua vez, utilizam suas próprias
concepções de mundo e suas singularidades na hora da recepção dos textos. Essa
pode ser uma das origens dos conflitos verbais...
No fundo, pode ser que ninguém esteja
errado, que ninguém tenha má intenção, mas uma confusão pode acabar de ter sido
criada.
Recentemente presenciei uma cena:
Uma pessoa disse que estava a preparar um grande evento e outra se propôs a ajudá-la:
“Não precisa. Você é branca e não quero gente branca por perto nesse evento”.A outra pessoa foi sábia ao silenciar. O silêncio
evitou um possível conflito verbal, mas possivelmente deixou uma chaga aberta. Será
que haverá a mesma disposição para ajudar na próxima vez? Sempre existe uma próxima
vez!
Acompanhando um congresso pela
internet, vi e ouvi as protocolares apresentações dos membros da mesa. Um
professor é apresentado e é mencionado o seu cargo de chefia. Minutos depois,
uma outra participante, ao fazer os cumprimentos aos membros da mesa, fixou o
olhar naquele professor e disse lamentar muito que aquele cargo estivesse sendo
ocupado por um homem e concluiu dizendo que depois iriam conversar sobre isso.
O detalhe é que a mesa discutia a necessidade de respeitar as diferenças... O ato
de flagrante incivilidade para com o colega acabou sendo eclipsado pelas
inteligentes falas das demais pessoas. Creio que algumas nem mesmo chegaram a
perceber a infeliz frase.
Em outro momento, durante uma
reunião, alguém se julgou preterido por não ter sido avisado sobre a hipotética
presença de uma autoridade. De maneira descortês e sem usar filtros, a pessoa
saiu vociferando palavrões e impropérios. Todos na sala baixaram a cabeça e
esperaram os ânimos serenarem. Dias depois, pediu desculpas a todos e lamentou
pelo ocorrido. Todos compactuaram em não mais tocar no assunto. E paz voltou a
reinar no ambiente! Mas será que as ofensas gratuitas não continuam ecoando na
memória das pessoas? Difícil dizer!
Em outro momento, um rapaz
bastante solícito se ofereceu para ajudar uma senhora que estava em dificuldade
com um aparato tecnológico. Ela, no lugar de agradecer, disse: "Esses homens se
aproveitam de todos os momentos para mostrar às pessoas que algumas mulheres
têm dificuldade com as tecnologias". E arrematou: "os homens dizem que são gentis
com as mulheres, mas basta ver os índices de feminicídio para se perceber a
falsidade". Comentários totalmente desnecessários. O rapaz saiu cabisbaixo e sem
silêncio. Mas antes resolveu o problema. Não sei se da próxima vez ele será tão
gentil e solícito.
Calar-se diante de uma situação
constrangedora será um ato de coragem ou de covardia? Acredito que cada pessoa
deva ter sua opinião formada e que todos os problemas podem ser discutidos de forma
civilizada, com base em uma boa conversa.
De minha parte, prefiro ver a
comunicação como ponte que liga duas ou mais pessoas. No entanto, conheço um
monte de gente que faz das palavras uma barreira às vezes intransponível. Tais pessoas
costumam acreditar que ouvir e calar são atitudes covardes.
ALGUMAS COISINHAS QUE TENHO APRENDIDO ULTIMAMENTE 😂
José Neres
Para mim, viver e aprender são duas situações necessárias e simultâneas. É importante aprender algo todos os dias. Um dia sem algum tipo de aprendizagem é um dia perdido.
Aprendemos com as ações e com as observações cotidianas. Tenho percebido, então, alguns detalhes aparentemente simples que compartilho abaixo com vocês, meus poucos, porém significativos leitores e leitoras.
As pessoas não gostam de textos longos
Tenho visto que as pessoas costumam “pular” os textos mais longos e/ou mais complexos.
Pode ser pressa, preguiça de pensar ou simplesmente falta de costume, mas os textos com mais do que tantas linhas costumam ser desprezados e abandonados no meio do caminho.
Ah, atualmente as pessoas fogem dos textos curtos também. Já é costume encontrar diversas pessoas silenciosamente mergulhadas na beleza das telas e ignorando plenamente quem estiver ao seu lado.
As pessoas têm dificuldade em interpretar textos
Talvez por falta de hábito de leitura ou por mera desatenção, várias pessoas não conseguem interpretar o que foi lido.
Um dia desses, escrevi no enunciado de uma questão: “Escolha DUAS das cinco imagens abaixo para elaborar um texto descritivo”.
Imediatamente ouvi: “É para escolher quantas imagens mesmo?”, “É para fazer o que com as imagens”, posso escolher apenas uma imagem?”, “Que tipo de texto é para elaborar?”... Ou seja, as pessoas não compreenderam a frase. Uma pena!!!
Algumas pessoas odeiam livros físicos
Gosto de oferecer livros para pessoas queridas. Mas, nas últimas duas semanas, recebi diversos “nãos”. Uma pessoa disse que o livro era muito pesado e que não caberia em sua bolsa. Outra disse, ao receber o livro: “Vou dar para alguém que gosta de leitura, eu não gosto de ler.” Houve também quem dissesse que receber livros era coisa de gente rica. O bom mesmo, é uma rodinha de pagode.”
Cada coisa!!!
Postagens de amigos raramente são compartilhadas
Aquela informação “Mensagem compartilhada com frequência” quase sempre só aparece em uma publicação que tenha origem nas postagens dos chamados influenciadores. As dos colegas, por mais interessantes que sejam, caem no esquecimento. É sempre importante seguir essa regra estratégica: enviar o link/convite para umas mil pessoas na esperança de conseguir 10 ou 15 leitores. Nem sempre se alcança esse número!!!
Grupos
Os famosos grupos de aplicativos de mensagens instantâneas constituem uma forma bem moderna (nem tanto!) que as pessoas encontraram para terem certeza de que são ignoradas tanto no mundo físico quanto no virtual.
Lançamentos e shows
Conheço um monte de pessoas que, nas redes sociais, defendem a cultura local: “É importante valorizar os artistas locais!”, “Todos devem se unir pelo bem de nossa cultura!!!”...
Porém raramente vejo essas pessoas participando dos lançamentos dos escritores e/ou prestigiando as apresentações de nossos artistas.
Alguns, quando aparecem, é apenas para tirar uma selfie, postar nas redes e depois reclamar.
Convites
Há muito tempo não convido colegas, amigos e conhecidos para palestras e lançamentos de livros. Já descobri que justamente naquela data marcada e naquele horário agendado as pessoas têm algum compromisso inadiável.
Além de tudo, não importa o lugar do evento. Ele está sempre longe dos convidados e o acesso parece problemático.l
E as pessoas que garantem que irão comparecer são as que mais aumentam as probabilidades de esvaziamento dos eventos.
Não importa o preço
Geralmente, nos lançamentos de livros as pessoas reclamam (de modo quase sempre discreto) do preço cobrado. Algumas chegam para o/a autor(a) e vão logo perguntando: “Cadê o meu?”, Vou ter que pagar para ler teu livro?”, “Quando vai me mandar o PDF? Um total desrespeito com quem gastou seu tempo, investiu seu dinheiro e alimentou o sonho de publicar seu trabalho.
Ah, e tem também aqueles que só vão pelo buffet, que tem de ser de primeira, senão...
Interessante que… bem, deixa para lá. Não é da nossa conta…
Só espero que os itens acima não sirvam para você que está lendo agora este texto. Enviei o link para mais de mil pessoas, mas dificilmente chegarei aos quinze acessos.
Certa vez, Vinícius de Moraes afirmou que “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. É verdade, pelo menos em parte. No somatório geral entre encontros e desencontros dificilmente saberemos o resultado geral de nossa equação. Não importa! Recorrendo a outro grande artista brasileiro, podemos nos consolar dizendo, de forma adaptada, que se ganhei ou se perdi, “o importante é que emoções eu vivi.”
Escritora experiente e atenta observadora das realidades circundantes, a professora, pesquisadora, contista e cronista Ceres Costa Fernandes há muito tempo já vem percebendo que esses encontros e desencontros tão comuns no dia a dia podem dar margens à elaboração de boas histórias. Desse modo, após recolher diversos textos escritos em momentos variados, acaba de chegar às mãos dos leitores o livro “Contos de Desamor” (Edições AML, 2025, 168 páginas).
Dona de um estilo leve e que mescla observações da realidade com refinados e sutis toques de humor, Ceres Costa Fernandes demonstra com seus textos que é possível construir personagens que chamem a atenção do leitor sem a necessidade de recorrer a baixarias, aos exageros das diversas violências ou a desnecessários detalhes escatológicos. Os contos do livro podem ser lidos sem reservas por pessoas das mais variadas faixas etárias.
As trinta narrativas que compõem o livro dialogam entre si pelo aspecto da temática que remete à incompletude das relações amorosas, mas não à ausência do Amor. Afinal só podemos falar em desamor se antes houver pelo menos a insinuação de um amor, mesmo que incerto ou mal compreendido. É o que ocorre, por exemplo, no conto “Amigo”, no qual os gostos e desejos das personagens vão se modificando e mostrando quão complexas podem ser as diversas facetas de uma relação amorosa.
As desconfianças, frutos dos desamores que um dia se travestiram de amor, estão presentes em todo o livro, mostrando que as chamadas normalidades dependem muito da situação em que os casais e possíveis desafetos estão inseridos. Voltando literariamente no tempo, é possível divertir-se com a tentativa frustrada de duas damas da alta sociedade em imiscuir-se fantasiadas em um baile carnavalesco onde tudo poderia acontecer.
Por falar em carnaval, é nesse momento momesco que Candinho, personagem de “Amor no Carnaval” vive uma marcante, rápida e quase sobrenatural aventura amorosa e que o icônico Cardosinho se vê em maus lençois ao ser flagrado pela feroz esposa fantasiado de fofão em plena folia Ludovicense.
Além de narrar histórias, Ceres Costa Fernandes também aproveita seus textos para levar o leitor para diversos passeios no tempo e na paisagem histórica da cidade, promovendo um resgate literário de um tempo que já se foi, mas que pode voltar diversas vezes nas páginas de uma ficção fluida e agradável.
No meio de tantos desencontros, marcar um encontro com a límpida prosa de Ceres Costa Fernandes pode ser um alento para enfrentar esses tempos modernos e difíceis. E, depois de alguns minutos mergulhado nos contos de desamor, certamente o amor pela literatura tenderá a se tornar eterno.
Os escritores Ceres Costa Fernandes e José Ewerton Neto, na noite do lançamento do livro
Sempre que vou a uma cidade, tenho a mania de escrever algum texto sobre o lugar que me acolheu.
Desta vez, convidado pelo poeta e professor Paulo Rodrigues, fui fazer uma breve palestra sobre literatura para os alunos do Campus da Universidade Estadual do Maranhão, em Santa Inês, na XIII Semana de Letras e Encontro Nacional de Línguas e Literaturas no Pindaré.
Pela noite, voltei a Pindaré Mirim para um breve passeio sem compromisso previamente agendado.
Além da carinhosa companhia de Paulo Rodrigues e de sua esposa Larissa, também tive bons momentos de confraternização poética com Luiza Cantanhêde, Evilásio Júnior, Carlos Vinhort, Linda Barros, Maura Luza, Antônio Coelho, Rilnete Melo e seu esposo Pedro.
São momentos que fazem a diferença em nossa vida.
Abaixo temos os textos que escrevemos sobre as cidades
Imagem criada com auxílio de Inteligência Artificial
20HAI-CAIS
(Quase) ao estilo de Guilherme de Almeida
Gosto das formas fixas, sejam elas sonetos, trioletos, rondós, trovas ou hai-cais.
Para mim, é sempre um desafio colocar ideias dentro de um espaço previamente determinado por alguém que nem conheço. No final, fica sempre a sensação de haver tentado sem ter conseguido atingir os objetivos. Mas a teimosia fala mais alto...
Os livros didáticos de minha juventude contribuiram para moldar um pouco meu gosto literário. Foi nesses compêndios que tive os primeiros contatos com Quintana, Drummond, Gullar, Coralina, Fernando Sabino, Lourenço Diaféria, Stanislaw Ponte Preta, Adélia e tantos outros nomes de nossa literatura. Como era bom explorar o conteúdo daqueles livros!
Foi neles também que conheci Guilherme de Almeida, o poeta e tradutor modernista que transpirava todos os estilos clássicos.
No meu livro da antiga quinta série estavam reproduzidos dois poemas dele: "Você", quase uma ode romântica, e "A rua das Rimas", um belo experimento com as palavras. Milhares de vezes passei os olhos por aqueles textos. Até cheguei a decorar alguns trechos...
Mais tarde, em plena adolescência, entrei em contato também com seus hai-cais, pequenas obras de ourivesaria literária, às vezes subestimada e relegadas a um plano inferior. Nunca entenderei isso!
Guilherme de Almeida praticamente reinventou o formato do hai-cai no Brasil. Ele manteve a ideia dos três versos e acrescentou um rígido esquema rímico no qual o primeiro verso rima com o terceiro (ambos com cinco sílabas poéticas) e, no segundo, a segunda sílaba rima internamente com a sétima, mantendo também uma analogia com a natureza e um diálogo como um modo filosófico e reflexivo de ver a vida. Transcrevo o exemplo abaixo, para situar quem achou complicado:
INFÂNCIA
Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".
(Guilherme de Almeida)
Claro que jamais consegui ou conseguirei imprimir em três versos a beleza imagética perpetrada por Guilherme de Almeida, contudo, como disse antes, sempre fica o desfio de tentar.
Hoje, nesta última sexta-feira de setembro, enquanto me desvencilhar a de algumas tarefas burocráticas, resolvi brincar com as palavras e ao mesmo tempo homenagear algumas pessoas que sempre me incentivaram a continuar produzindo textos (qualidade já é outra história!)
Seguem os textos e a desculpas por associar pessoas tão talentosas a versos tão simplórios. Mil perdões!
I - INSPIRAÇÃO (Para Marcos Fábio Belo Matos)
Do aroma da rosa Um dia algo principia Daí nasce a prosa.
II - DISFAGIA (Para Silvana Meneses)
O sabor da menta Dessabe na boca que abre… Mas não alimenta…
III - DESCUIDO (Para Antonio Ailton)
Só sobrou um retalho Da maçã.. pela manhã, Tudo é ato falho.
IV - COLHEITA (Para Laura Amélia Damous)
Minha primavera Se constrói só no que dói Sou fruto da espera…
V - NATUREZA MORTA (Para Natan Campos)
Na mesa, um limão… Nas crianças, a esperança… Eu, sem solução…
VI - CARPE DIEM (Para Dino Cavalcante)
A flor do alecrim Nessa idade traz saudade Só falta eu em mim.
VII - PAISAGEM (Para Linda Barros)
Um jardim sem flor Me mina e me contamina É cura com dor…
VIII - INFINITUDE (Para Bioque Mesito e Nara)
Paixão se escancara Se na vida está envolvida Uma doce Nara.
IX - PARADOXO (Para Ceres Costa Fernandes)
Que situação! Em um mundo tão imundo Bate bom coração!
X - TREINAMENTO (Para Luiza Cantanhêde)
No seio da terra A saúva traça a curva Onde a dor enterra.
XI - AMPULHETA (Para Paulo Rodrigues)
Todo rio corre Para no mar desaguar… Nosso tempo escorre…
XII - PASSAGEM (A Viriato Gaspar, em memória)
A vida foi ato Pelo ir e pelo vir… É mais que retrato…
Há cerca de um ano, postei aqui neste blog um artigo comentando sobre aquelas músicas que teimam em invadir nossa mente (leia aqui o artigo) e que nos acompanham por todos os lugares, mesmo contra a nossa vontade.
Volto, então, para um passado muito mais distante que alguns meses. De repente, vejo-me criança, com uns oito anos de idade, em Brasília, esperando o retorno de meu padrinho e pai de criação, que, pelo uma vez por mês trazia para nossa casa um LP (os leitores mais jovens talvez tenham dificuldade para compreender isso) e algum livro.
Mesmo distante de minha terra natal, sempre estive ligado a ela pela música de nossos artistas e pelas palavras de nossos escritores.
Devia ser 1978 ou 1979 quando meu Padrinho chegou com o disco de um cantor e compositor maranhense. Com apenas quatro faixas, o compact disc saltou da embalagem e começou a rodar no aparelho de som. Algumas músicas eram mais românticas e uma delas era mais ritmada, com uma letra bastante interessante e que desde aquela época vez ou outra sai do subconsciente e passa a me acompanhar em alguns momentos de reflexão. Na capa do disco estava estampada uma foto do autor e seu nome Ely Carlos.
As Buscas
Confesso que desde que voltei para minha terra tenho procurado alguma informação sobre esse cantor, mas parece que até mesmo as pessoas que trabalham com música (pelo menos as com quem conversei) haviam esquecido dele. Cheguei mesmo a acreditar que aquelas músicas que martelavam minhas memórias de infância eram fruto de minha imaginação.
Hoje pela manhã, aquela letra voltou à minha mente:
Mamãe, eu quero, eu quero
Viver meu sonho infantil
Cantar com a juventude
O progresso do Brasil…
Logo depois, outros versos pediram passagem e começaram a ecoar:
Meu bem, minha linda flor,
Vives à espera de alguém
Que não gosta de ti
E nem te quer bem
Enquanto esperas por ele
Eu vou caminhando
À procura de alguém…
Não sei o que pensar de mim
Porque me maltratas assim
Se o meu coração é só teu
E de mais ninguém…
Claro que a letra pode estar incorreta, pois saltou das memórias de criança para a consciência de um adulto já cansado de tantos anos de trabalho. Mas fica assim mesmo.
A Inquietude
Chegando a minha casa comecei a vasculhar a internet em busca de informações sobre o autor. Nada. Convoquei as diversas Inteligências Artificiais que agora povoam nosso cotidiano e elas declararam que eu poderia ter-me equivocado quanto ao nome ou quanto à letra da música procurada, pois se tratava de um tema muito revisitado ao longo do tempo.
Não desisti. Refinei a busca consegui localizar a capa do livro, algumas músicas do cantor, um canal de vídeos do próprio artista, outro da esposa do cantor, uma homenagem feita para ele em uma emissora de rádio em 2014 e algumas informações biográficas.
Não era minha imaginação. Aquele cantor e aquela música agora estavam ali diante de mim.
Quem é Ely Carlos?
Filho do casal Serapião Marcelo Santos e Helena Machado Santos, Elisabeto Machado dos Santos nasceu em São Luís, em 04 de julho de 1947, estudou na Escola Luiz Viana e desde a juventude demonstrou muito interesse pela música. Ainda bastante Jovem, adotou o nome artístico de Ely Carlos e participou da Banda M Som 7, com a qual viajou por praticamente todos os municípios maranhenses, principalmente durante o período carnavalesco. Fez parte também da Banda Os Intocáveis e depois investiu na carreira solo, percorrendo diversos estados do Brasil. Casou-se com Maria do Espirito Santo Reis dos Santos, com quem teve dois filhos: Diego e Dayse. Gravou diversos discos e fez bastante sucesso se apresentando nos principais clubes da capital maranhense e em muitas cidades interioranas.
Seu trabalho de maior sucesso foi possivelmente a canção “Progresso do Brasil”, (composição de Ely Carlos, Carlos Endrigo e Nelson Coelho) na qual - em uma mescla de forró, carimbó e Soul Music - faz um périplo musical por vários estados, desmistificando poeticamente alguns estereótipos sobre a população dos lugares citados e mostrando a riqueza cultural do País.
Os Múltiplos estilos do Cantor
Dono de uma voz tranquila, melodiosa e potente ao mesmo tempo, Ely Carlos, além de bom intérprete é também um criativo compositor. Ao longo de sua carreira, ele passeou por diversos ritmos e estilos musicais. É possível encontrá-lo cantando toadas de bumba-meu-boi, como é o caso de “Aconteceu”, uma composição feita em parceria com o mestre Francisco Naiva, o grande nome do Boi de Axixá. Mas ele fez também incursões pelo reggae, marchinhas de carnaval, MPB, brega e muitos outros estilos.
Em seus vídeos postados na internet, é possível vê-lo acompanhado de sua banda cantando forró e outros ritmos populares em diversas apresentações. Contudo ele também já interpretou músicas românticas, ao estilo da Jovem Guarda, como é o caso de “à Procura de Alguém” (composição de Geraldo Gonçalves e Lima do Norte) e “O Tesouro perdido” (composta por Ely Carlos, José Branco e Valtinho), abaixo transcrita:
Eu estava sentado e uma estrela caiu
Senti no meu corpo e pra cima eu olhei
E aí desejei fazer o pedido
E aí desejei fazer o pedido
Achar um tesouro foi o meu pedido
Eu fiz o pedido e não fui atendido
Eu preciso encontrar o tesouro que eu pedi
Pra matar a saudade que invade o meu coração
Eu preciso encontrar, encontrar, encontrar
eu preciso encontrar, encontrar, encontrar
Últimas notas…
Em uma pesquisa rápida como esta, realizada em pouco mais de duas horas de mergulhos nas páginas da internet e nos labirintos da memória, não foi possível fazer uma atualização sobre como está hoje esse talentoso intérprete e compositor maranhense que fez sua voz ecoar por todo o Brasil. As postagens mais recentes de seus vídeos datam de um a dois anos atrás (2023/2024), geralmente em festas populares onde ele e sua banda se apresentaram. Percebe-se que não são filmagens profissionais, mas elas trazem a seus fãs a imagem de um senhor com seus setenta e tantos anos cantando, tocando e animando o ambiente com a voz que lhe é característica.
De qualquer forma, espero que o cantor esteja bem e que continue levando sua voz a todos os seus admiradores. Este singelo texto é muito mais que uma homenagem ao cantor. É também um agradecimento por ele fazer parte da minha infância.
Quase fechando o texto, localizei o CD “Hei de te encontrar”, com dezenove composições que mostram a variedade musical desse talentoso cantor. Vale a pena ouvir!!!
Afinal, um tesouro musical como esse não pode ser perdido ou cair no esquecimento.
Tomara que alguém possa trazer novas notícias sobre ele!