segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

UM POEMA DE LAURA ROSA

 Novos artigos de segunda #16


VAPOROSA: UM POEMA DE LAURA ROSA

(José Neres)

Reprodução de foto que estava em reposição na VXII Feira do Livro de São Luís 


Uma das características mais recorrentes na produção poética da escritora e professora Maranhense Laura Rosa (1884-1976) é a sua capacidade de, utilizando-se de estruturas e de vocabulário simples, representar a complexidade humana em poemas singelos e que, à primeira vista, parecem superficiais.

É o que ocorre, por exemplo, em Vaporosa, poema composto por apenas cinco estrofes e que foi publicado no jornal A Folha do Povo, em 26 de outubro de 1926, há quase um século, mas que ainda pode ser lido com certo grau de atualidade, conforme reprodução abaixo.


VAPOROSA

(Laura Rosa - Violeta do Campo)

Nuvem branca, pequenina,
Um pedacinho de véu 
Que Deus tirou da neblina
E pendurou lá no céu:

         Dize, dize, nuvem leve,
         Na tua linguagem pura
Como é que no céu se escreve
Esta palavra - Ventura?

Eu quisera ter a dita,
Ó, nuvenzinha discreta,
De vê-la na terra escrita,
Mas… a Ventura completa.

… Vai a nuvem vaporosa,
Que passava e que fugia,
Lá do alto respondeu:

          Quem na terra a escreveria,
          Se a Ventura é como a rosa,
          A Ventura é como eu?

É a palavra que eu conheço 
         (Inda a nuvem diz assim)
Está na terra o começo 
No céu é que está o… fim.

Sem descuidar dos aspectos estruturais e fônicos - enfatizando as rimas alternadas e a métrica em redondilha maior - a autora estabeleceu um imaginário diálogo entre um eu lírico feminino e uma nuvem que vaga pelo céu. O centro da discussão é a possibilidade ou não de haver ventura, em sua totalidade, na terra.

Interpretando-se a palavra “ventura” com o seu sentido mais literal e imediato - o de boa sorte, sucesso ou felicidade - o eu lírico deseja encontrar fora do mundo terreno a resposta para seus anseios. Assim como ocorria nas cantigas trovadorescas de amigo, no poema de Laura Rosa, a mulher, talvez na impossibilidade de manter um diálogos com as pessoas que a cercam, recorre aos elementos da natureza para desabafar e fazer suas confidências.

No entanto, em pleno início de século XX, a autora não mais recorria a elementos que estivessem presos ao rés do chão, pois, aparentemente, suas dúvidas estavam acima das possibilidades de respostas terrenas. A escolha lexical por “véu” e “neblina”, apesar de estar ancorada na necessidade de combinar palavras que rimassem com os demais versos da estrofe, remetem também o leitor a uma atmosfera de mistério e de opacidade. E, diante desse fato, somente as forças divinas poderiam trazer alguma possibilidade de interpretação.

A opção de personalizar a palavra Ventura a partir do uso de iniciais em letras maiúsculas, em uma atitude que remete à estética simbolista, envolve também a necessidade de utilização de fonemas fricativos que evocam a passagem do ar e o deslocamento das nuvens pelo céu. Dessa forma, é possível notar a presença de palavras que trazem fonemas representados pelas letras S, F, V, C e Ç. Esses detalhes aparentemente fortuitos podem contribuir para a interpretação e intelecção do poema, já que não temos ali apenas um amontoado de palavras, mas uma cuidadosa escolha vocabular a partir do anseio da construção de uma imagem poética a ser destrinçada tanto pelos aspectos sonoros, quanto pela estrutura gráfica do texto.

Outro detalhe significativo é o fato de o eu lírico saber como se escreve Ventura na terra, mas indagar como essa mesma palavra é escrita no céu. Ou seja, não é que ela não conheça o que seja Ventura, mas sim o desejo de conhecer a “Ventura completa”, o que demonstra uma espécie de descontentamento para com o que já tem ou conheceu e uma busca de fatores desconhecidos que possam completar uma equação para a qual possivelmente não se tem uma resposta completa.

A resposta da nuvem - que vem quase em forma de charada - demonstra que parte das respostas para se chegar a conhecer a Ventura em totalidade não pode ser encontrada facilmente, já que parte dela está na terra (representando o lado material da vida) e a outra parte só pode ser encontrada no céu (uma simbologia da morte e dos mistérios indevassáveis).

Creio que Laura Rosa seja uma escritora que apresenta margens para diversos estudos. Sua obra ainda não está totalmente conhecida e há diversas facetas que precisam ser exploradas. Vale a pena conhecer o trabalho dessa escritora que passou tanto tempo no limbo de um injusto esquecimento.

2 comentários:

  1. Uma escritora/poeta com poemas simples, porém magníficos. Muito bom essas buscas realizadas pelo poeta José Neres.

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