Artigo de segunda #21
ERA UMA VEZ NO PANTANAL…
(José Neres)
Gilberto Luiz Alves é um renomado professor e pesquisador que tem seu nome constantemente atrelado a estudos sobre educação, cultura e história. Livros de sua autoria como “A produção da escola pública contemporânea”, “O trabalho didático na escola moderna: formas históricas”, “O pensamento burguês no Seminário de Olinda: 1800-1836” e “Educação e história em Mato Grosso: 1719-1864” são essenciais para a compreensão dos diversos momentos que marcaram a história da educação no Brasil.
É relevante também a importância desse professor nos estudos relativos à arte indígena, ao meio ambiente e à ocupação e desenvolvimento dos espaços regionais, como pode ser visto em publicações como “A casa comercial e o capital financeiro em Mato Grosso: 1870-1929”, “Pantanal da Nhecolândia e a modernização tecnológica”, “Cultura e singularidades culturais”, “Águas que educam: O Pantanal e sua história na pintura sul-mato-grossense” e “Cerâmica indígena contemporânea em Mato Grosso do Sul”, sem contar os diversos livros organizados e e os inúmeros artigos publicados em revistas acadêmicas.
Nos últimos anos, porém, o professor Gilberto, sem deixar de lado seu tino de pesquisador, tem dedicado parte de seu tempo à poesia e à elaboração de textos ficcionais. Fruto desse trabalho artístico, acaba de chegar às mãos dos leitores seu romance intitulado “Era uma vez no Pantanal - uma saga transfronteiriça” (Biografary, 2024, 123 páginas).
Dividido em 18 breves e bem articulados capítulos, o livro traz a história de Juanito Balbuena, um trabalhador sério e honesto que tem o dom de dialogar com os animais e que bem cedo deixa sua família - pai, mãe e irmã - em busca de melhores condições de vida. Ao longo de sua trajetória, o protagonista se depara com inúmeras adversidades, mas também consegue conquistar diversos amigos e admiradores.
Partindo da intrincada relação entre as singularidades locais e a universalidade que emana da própria condição humana, o autor constrói suas personagens de forma meticulosa e consegue fazer o necessário liame entre o capítulo inicial e o final. Tudo isso de modo coerente, ácido e poético ao mesmo tempo.
Após sair de casa, Juanito Balbuena se vê imerso em um redemoinho de acontecimentos e de emoções. De modo bastante sútil, mas explorando os efeitos com certa dose de contundência social, o autor aproveita a trajetória do protagonista para elaborar uma série de denúncias, que vão desde a exploração do trabalho humano até a violência que ameaça a todos, passando pelas relações de poder e pelas fraturas familiares. No livro, cada personagem aparece de forma estratégica e tem sua importância no decorrer da narrativa, inclusive o menino Ambrósio, que a princípio aparenta ser apenas mais um componente em uma estrutura social já defendia, mas acaba se tornando um dia eixos norteadores da grande interrogação que atravessa o livro.
Em “Era uma vez no Pantanal” não sobra espaço para fórmulas mágicas e para soluções simples. Ali, o homem, a história, a natureza e os aspectos sociais se encontram imbricados de tal forma que torna muito difícil separar esses elementos sem prejudicar toda uma estrutura narrativa.
Cientes da ideia de que “o Pantanal é lindo de se ver, mas difícil de se viver” (Pág. 77), as personagens do romance acabam adaptando-se ao meio em que vivem e, a partir das experiências vividas, passam a perceber que no mundo existem pessoas boas, mas que também está repleto de gente má. O conjunto dessas descobertas leva as personagens a uma convivência com as desilusões com relação ao ser humano. Não é à toa que uma das frases capitais do livro perde seu valor positivo e assume a forma negativa no final da narrativa.
Livro de viés regionalista, com pitadas de realismo mágico, “Era uma vez no Pantanal” é uma narrativa ficcional, mas que remete a casos que realmente podem ter acontecido. Poderia ser um relatório de pesquisa. Poderia ser uma biografia… Enfim, é um livro essencial para quem deseja conhecer um pouco da saga de tantos homens e mulheres que compõem a história do Brasil como um todo.
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