segunda-feira, 15 de setembro de 2025

SOBRE TEXTOS E LIVROS

 Novos artigos de segunda #49


Imagem criada com auxílio de Inteligência Artificial


SOBRE TEXTOS E LIVROS

José Neres

 

Quando te sentires só,
buscas um bom livro
e terás boa companhia.
(Abraão Teixeira)

  Por razões bastante óbvias, o aparecimento de textos precede em muito o surgimento do livro como o conhecemos hoje. Mas, tanto um como outro, são de vital importância para a transmissão dos conhecimentos acumulados ao logo de toda a história da Humanidade.

   O texto é sempre algo multifacetado e cheio de detalhes que nem mesmo um mergulho em suas entranhas seria capaz de destrinçar por completo. O texto é sempre um estranho composto que contém em sua fórmula uma quantidade limitada de informação explícita, mas que esconde sob suas diversas aparências, um universo inesgotável de informações implícitas. Desse modo, por mais que os leitores tentem chegar a uma conclusão definitiva um texto jamais se esgotará em suas múltiplas interpretações e reinterpretações.

  O texto é tão importante, que nem mesmo espera para ser escrito. Ele pode vir disfarçado das mais diversas formas. Pode ser um olhar, um filme, um sorriso, um poema, um romance, uma letra de música, um sinal de que a chuva não demora a chegar, um efusivo aperto de mão... tudo pode, e deve, ser lido como um grande texto. E todo o conhecimento que o homem adquire ao longo de sua vida deve ser visto como instrumentos para leitura da realidade que nos cerca. Não é por acaso que o grande educador Paulo Freire, em uma de suas frases mais conhecidas, diz que: “a leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele”[1].

 Mas como guardar tanta informação? Como transmitir os inúmeros conhecimentos adquiridos após séculos e mais séculos de experiências humana? Apenas com base em textos orais? Claro que não! Por melhor que seja a memória do homem, ela será sempre limitada. Para tentar preencher tal lacuna, surge a escrita e, muito tempo depois dela, uma das maiores invenções do homem: o livro.

    Embora hoje, ainda em princípios do século XXI, muitos preconizem a morte do livro em sua forma física, ele continua vivo e sendo (re)editado, mesmo com o surgimento de novas tecnologias, e não se pode negar a importância dele para todo o progresso da humanidade. Afinal de contas:

A presença do livro na nossa cultura deu-se, pois, de forma fundante e avassaladora: civilização pela escrita, ela seria – como se concebia até bem pouco – a chave com a qual abrimos as portas da História. Vivemos, em conseqüência, numa sociedade grafocêntrica, embora se saiba que essa posição conferida à palavra escrita não significa exclusividade, não só porque há culturas que dela prescindem como porque, na atualidade, confere-se à imagem uma nova dimensão. Tal postura não impede, no entanto, que nos aproximemos do livro, um dos objeto-simbolo da modernidade, com certa reverência. [2]

 

            Com o aparecimento do livro, os textos, que antes podiam perder-se facilmente nas encruzilhadas do tempo e do espaço, ganharam um elemento norteador, um meio de perpetuação que ia muito além da memória humana e das incertezas das transmissões orais. A mesma história poderia agora ser contada dezenas, centenas, milhares de vezes, sem que uma vírgula sequer fosse alterada. Afinal de contas verba volant, scripta manent[3]. Um autor poderia finalmente grafar, quando quisesse e lhe fosse útil, seu nome na portada de uma obra e dizer bem alto que ele havia criado aquela história. Não haveria mais dúvidas sobre que realmente era o autor de uma obra. Os grandes heróis, as grandes aventuras finalmente poderiam ser compartilhadas com pessoas das mais diversas partes do mundo, sem que alguém precisasse perder a vida no interminável trabalho de transcrever manualmente o conteúdo de uma obra.

            Mas o mundo não é tão arrumadinho assim. Passada a euforia da impressão dos muitos exemplares, diversas polêmicas surgiram. Será que o nome que estava na capa do livro correspondia exatamente a quem criou a história? Será que a mesma história era lida da mesma forma incontáveis vezes? Até onde vai a noção de originalidade e de criatividade? Quais os limites que separam plágio e intertexto... Tantas perguntas... Mínimas respostas...

            Dúvidas e mais dúvidas se multiplicam até hoje. Será que Homero realmente existiu ou tudo não passou de mais uma invenção dos criativos gregos? E se ele não existiu realmente, quem seria o verdadeiro autor (ou autores) da Ilíada e da Odisséia? O grande bardo inglês William Shakespeare criou Romeu e Julieta ou apenas transformou em peça teatral uma lenda tantas vezes contada e recontada pelas gerações anteriores? Até onde Eça de Queirós, ao escrever sobre o amor adúltero de Luísa em O Primo Basílio, se inspira na magistral obra de Gustave Flaubert, Madame Bovary? E Adolfo Caminha, nos momentos finais de A Normalista, não estaria também revivendo os momentos finais de O Crime do Padre Amaro, do acima citado Eça de Queirós?

             Para provocar mais discussões ainda, o escritor argentino Jorge Luis Borges ainda escreveu Pierre Menard, el autor del Quijote, no qual discute a questão da autoria. Pierre Menard é um escritor cuja “ambição era produzir algumas páginas que coincidissem  - palavra por palavra e linha por linha – com as de Miguel de Cervantes”[4], mesmo assim, o hipotético autor da “nova” obra a considera original, pois são construídas em momentos históricos distinto e com diferentes motivações. No final do conto, o narrador comenta que:

 

Menard (talvez sem querê-lo) enriqueceu, mediante uma técnica nova, a arte fixa e rudimentar da leitura: a técnica do anacronismo deliberado das atribuições errôneas. Essa técnica de aplicação nos leva a percorrer a Odisséia como se fosse posterior à Eneida e o livro Le Jardin du Centaure de Madame Henri Bachelier como se fosse de Madame Henri Bachelier. Essa técnica povoa de aventura livros mais pacíficos. Atribuir a Louis Ferdinand Céline ou a James Joyce a Imitação de Cristo não é suficiente renovação dessas tênues advertências espirituais?[5]

 

             Os questionamentos levantados no conto borgeano levam a diversos outros concernentes à natureza da recepção das obras ao longo dos tempos. Por que será que A Arte de Amar de Ovídio foi chamada de obscena na Roma antiga e hoje é tida como obra de bom gosto artístico? Por que razão livros como O Sofá (de Clébillon Fils), Teresa Filósofa (autor desconhecido ) e Fanny Hill (de John Cleland) foram tidos como verdadeiros lixos literários na época e hoje são encontrados em livraria se bancas de revista de todo o Brasil e tratados como obras de inovação literária? Como serão vistos daqui há vinte, trinta ou cem anos livros como O Doce Veneno do Escorpião, de Bruna Sufistinha? São perguntas praticamente sem resposta. Mas que trazem dentro de si pelo menos uma informação inconteste: os textos não mudaram, mas os leitores de hoje são bem diferentes daqueles que liam essas mesmas obras antigamente. E o contexto histórico-geográfico é capaz de alterar a recepção de uma obra e/ou de um autor.

      Uma outra dúvida levantada foi com relação à autenticidade do texto. De um modo ou de outro, todo escritor tem que primeiro ser um grande leitor. Então é natural que durante a confecção de seu texto ele remeta (de modo consciente ou não) a várias de suas leituras. É impossível, por exemplo, para um amante da literatura, ler Bocage e não pensar nos poemas de Camões; é difícil ler A Eneida, de Virgílio, e não pensar nas epopéias homéricas; assim também, somente uma pessoa muito desatenta, lerá o badalado best seller Código da Vinci e não perceberá as referências à Bíblia e à História da Arte.

      Mas, ao longo da História, o livro também teve seus momentos de aparente insegurança. Por diversas vezes, o boato de que o livro já estava com seus dias contados ganhou as ruas. Alguns inventos foram tidos como inimigos da obra impressa: o rádio, o cinema, a televisão, a internet... Contudo, de uma forma ou de outra, todas essas invenções acabaram contribuindo para a difusão de textos que antes eram exclusivos dos livros. As novelas de rádio fizeram com que nossos avós entrassem em contato com tantos textos clássicos. A televisão e o cinema até hoje bebem nas páginas dos livros, buscando sempre entreter um público cada vez mais ansioso de aventuras, de mistérios e de histórias de amor. A internet, a aparentemente o mais temível inimigo dos livros na atualidade, vem aos pouco se tornando uma espécie de biblioteca virtual, um verdadeiro repositório de textos de todos os tipos e de todos os estilos, criando novas alternativas tanto para o leitor comum quanto para o pesquisador, conforma nos diz o professor José Luís Jobim:

É possível também que, por parte dos usuários, haja no futuro a questão da escolha de por qual meio acessar qual texto. A biblioteca de Stanford oferece on-line e em papel os periódicos acadêmicos que considera mais relevantes a biblioteca do Centre Pompidou, na França, oferece o jornal Lê Monde em papel, em CD-ROM e on-line. Dependendo das condições financeiras de cada instituição, pode-se ter de fazer escolhas entre essas opções. A discussão sobre custo/benefício do meio escolhido será inevitável, até porque as verbas são finitas, o que sempre implicará alguma forma de escolha por parte de quem decidirá para onde elas irão. Aliás, no caso das bibliotecas que planejam entrar no mundo digital, uma das primeiras decisões será, provavelmente, sobre quais serão os softwares a serem usados, talvez começando por optar entre “proprietários” ou “não-proprietários”.[6]

            De qualquer forma, não se pode negar que o espaço do livro como objeto físico ainda perdurará por muito tempo, mesmo porque “não se pode negligenciar ainda o desconforto da leitura em tela de computador: se, para os textos curtos, não parece haver tanto problema, para textos longos a leitura continuada é bastante exaustiva”[7].

      Além disso, um livro pode também ser visto como um fetiche incompreendido por muitos, mas disputado por indivíduos de diversas esferas sociais. Livro pode ser companhia, poder ser passado, futuro ou presente, como metaforiza o poeta Abraão Teixeira:

Dê de presente ao seu filho
um bom livro.
Melhor ainda,
seja você mesmo o conteúdo
vivo de um livro.
Seja um exemplar.[8]

            O professor Gabriel Perissé, em um volume inteiramente dedicado aos livros e à leitura faz a seguinte declaração de amor:

Abro um livro, e para mim se abrem portas e comportas. Sou convidado a entrar em mim mesmo, percorrendo as linhas e entrelinhas do texto. O texto é um mapa cujo destino estou para descobrir. O livro me leva às portas do indecifrável, que se torna indecifrável no exato momento em que começo a decifrá-lo. E o que devo fazer? Que destino escolher, eu que já nasci com o destino de não ser fatalista?[9]

        Para finalizar este breve trabalho, que é apenas um embrião a se desenvolver em outros estudos mais aprofundados, nada mais pertinente que as palavras do escritor Gaúcho Moacyr Scliar, que, pela hipotética voz do sábio Salomão antevê o futuro dos livros.

Claro, o livro como objeto também é perecível. Mas o conteúdo do livro, não. É uma mensagem que passa de geração em geração, que fica na cabeça das pessoas. E que se espalha pelo mundo. O livro é dinâmico. O livro se dissemina como a semente que o vento leva. [10]

 

REFERÊNCIAS CITADAS

 

BORGES, Jorge Luis. Obras Completas I. São Paulo: Globo, 1998

CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins Fonte, 2005.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. 43 ed. São Paulo: Cortez, 2002. 

JOBIM, José Luís (org.) Literatura e informática. Rio de Janeiro: Eduerj, 2005

PERISSÉ, Gabriel. Elogio da Leitura. Barueri: Manolé, 2005.

SCLIAR, Moacyr. A mulher que escreveu a Bíblia. São Paulo: Companhia das Letras, 2007

TEIXEIRA, Abraão. Pensando em você. São Luís, Lithograf. 2005.

WALTY, Ivete Lara Camargo et all. Palavra e imagem: leituras cruzadas. 2ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.



[1] FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler em três artigos que se completam. 43 ed. São Paulo: Cortez, 2002.  pág. 11.

[2] WALTY, Ivete Lara Camargo et all. Palavra e imagem: leituras cruzadas. 2ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. pág. 21.

[3] TRADUÇÃO: As palavras voam, mas permanecem quando são escritas.

[4] BORGES, Jorge Luis. Obras Completas I. São Paulo: Globo, 1998. Pág.  493.

[5] Idem, pág. 498.

[6] JOBIM, José Luís. Autoria, leitura e bibliotecas no mundo digital. In; JOBIM, José Luís (org.) Literatura e informática. Rio de Janeiro: Eduerj, 2005. pág. 129-130.

[7] CAMBRAIA, César Nardelli. Introdução à crítica textual. São Paulo: Martins Fonte, 2005. Pág. 186.

[8] TEIXEIRA, Abraão. Pensando em você. São Luís, Lithograf. 2005. Quarta capa.

[9] PERISSÉ, Gabriel. Elogio da Leitura. Barueri: Manolé, 2005. Pág. 09.

[10] SCLIAR, Moacyr. A mulher que escreveu a Bíblia. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. Pág. 88.


sábado, 13 de setembro de 2025

POLÍTICA DE BOA VIZINHANÇA

 

Imagem criada com auxílio de Inteligência Artificial 


POLÍTICA DA BOA VIZINHANÇA 

José Neres 


 - Bom diiiiiaaaa, vizinho!

 - Bom dia, bom dia.

 - Que bom encontrar o senhor por aqui hoje.

 - É… estou sempre por aqui…

 - Quero lhe fazer um convite especial, vizinho.

 - Convite?

 - Sim, um convite. Mas um convite especial mesmo…

 - Não estou entendendo, vizinho.

 - Vou explicar. No próximo sábado, haverá um jantar em minha casa e o senhor e sua família estão convidados!

 - Convidado? Eu? Minha família?

 - Sim. Convidado. E é um convidado mais que especial.

 - Hummm.

 - Sabe como é, vizinho, sou pré-candidato a deputado federal e gostaria de contar com sua ajuda e de toda a sua família.

 - Ah, sim. Que susto!

 - Então, posso contar com sua presença?

 - Não sei, não… tenho receio de ficar deslocado em sua casa. Deve ter muita gente importante por lá e eu sou um homem simples…

 - Não se preocupe com isso. Todos lá são amigos e apoiadores de minha futura campanha. E já estou convidando outros vizinhos como o senhor…

 - Obrigado, vizinho. Mas acontece que me mudei para cá faz apenas uns dez anos e até hoje não fomos apresentados. Na verdade, nem sei o seu nome.

 - Mas que gafe essa minha. É que sempre estou tão apressado que nem dá tempo de parar para falar com os amigos…

 - E nem para responder ao bom dia que sempre lhe dou, vizinho…

 - Bem, como ia dizendo… eu sou o doutor Mauro Thyago (com h e y) Borges e Silva, seu amigo para todas as horas… pode me chamar de Doutor Mauro ou de Doutor Thyago, tanto faz…E como é mesmo seu nome?

 - Sou Izedino Alcântara, seu criado.

 - Então, seu Izedino - bonito nome! Posso contar com sua presença?

 - Oh, Doutor Mauro Thyago (com h e y). Vou pensar e depois lhe digo. É que é difícil para mim ficar no meio de tanta gente importante, ainda mais em uma casa tão rica, com segurança por todo lado. Inclusive alguns já pediram para eu não ficar olhando muito para lá. Será que serei bem recebido em um lugar onde nunca me responderam a um comprimento feito?

 - Será, sim, seu Izedino. E para o senhor não esquecer meu nome, vou deixar com o senhor o meu cartão. Precisando de alguma coisa, é só ligar. Minha secretária atende e me repassa a demanda. Assim que eu tiver o número oficial da candidatura, chamo o senhor para entregar. Não esqueça meu nome: Doutor Mauro Thyago (com h e y) Borges e Silva. Juntos, iremos melhorar o nosso país. Espero o senhor lá.

 - Não se preocupe, vizinho. No dia da eleição prometo não esquecer seu nome e seu número. Não se preocupe. Nunca esquecerei! 

 - Até logo, vizinho. E não esqueça: Doutor Mauro Thyago Borges e Silva para um Brasil melhor!

 - Não esquecerei, vizinho. Não esquecerei!

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

SÃO LUIS POR SEUS POETAS

 Novos Artigos de Segunda #48


Fonte da Imagem: Arquivo do autor


SÃO LUÍS POR SEUS POETAS

José Neres

 

Ilha que transpira poesia, São Luís, em seus 413 anos de existência, já recebeu inúmeras declarações poéticas. Algumas exalam o mais puro lirismo ufanista, outras trazem marcas de uma saudade infrene, outras ainda trazem uma visão clínica dos males sociais da musa urbana. Todas elas, no entanto, são marcadas por pelo menos um ponto em comum: um amor atávico pela Cidade.

Vista antanhamente apenas como uma “terra das palmeiras, onde canta o Sabiá”, Ilha do Amor, Cidade dos azulejos, Porcelana Brasileira e Presépio de Porcelana, São Luís recebe atualmente outros apodos bem menos poéticos. Mas, no estro de seus vates, continua merecendo valorosas e criativas homenagens. Nonato Pires tem a Urbe como “a serpente mais formosa”; para Ivan Sarney, “a cidade são as lendas e a memória das pessoas”; Bandeira Tribuzi, além de pedir “Oh, minha cidade, deixa-me viver, diz que ela “parece um presépio levantado por mãos puras”; Luiz Alfredo Neto Guterres diz que a capital maranhense é “um paraíso perdido por entre os braços do mar”.

Sandra Regina Alves Ramos diz que a cidade é “uma ilha, estremecida, calada, silenciosa. É uma ilha, mas ao longe, avista-se um poeta tentando rimar, uma palmeira... e um sabiá”. Outra poetisa, Dagmar Destêrro, acreditando que sua cidade “é sala antiga, é retrato da saudade, desafio da esperança transformado em realidade”. Odylo Costa, filho declara seu amor através de gotas nostálgicas ao dizer: “Eras, minha São Luís, estranho pássaro, com as asas amarradas pelas cordas movediças prata de teus rios”. E tantos outros poetas já brindaram sua musa urbana dos mais diversos modos.

Assim como são diversas as metaforizações com relação à cidade, múltiplas também são as visões do poeta na hora de retratá-la em versos. Uns agem de forma lírica, ressaltando a essência poética da Ilha Verde, vendo “a Cidade vestida a rigor, vestida à colonial, meu mundo, meu porta-joias, meu cartão postal, como escreveu Manuel Lopes. Ou ainda, como no poetar de Clóvis Ramos, para quem “São Luís é a cidade da ternura... em cada canto um sonho meu perdura. Outros, no entanto, preferem pôr seus versos pisando firmemente as pedras de cantaria e fazendo um périplo por ruas, becos e escadarias da Atenas Brasileira. É o caso de Ferreira Gullar, que transformou sua saudade de exilado político em canto de dor e lamento coletivo em seu famosíssimo Poema Sujo, no qual a cidade se desnuda para o leitor, mostrando tanto suas curvas sinuosas/sensuais e seu ventre de mãe como suas marcas dos quase quatro séculos de sevícias, pois “a noite não é a mesma em todos os pontos da cidade”,

Seguindo os passos de Gullar, temos também a acidez cortante dos versos de Luís Augusto Cassas que, em sua Ópera Barroca, afirmou que “as ruas de São Luís têm cada de munição, pesados pombos-sem-asa arrebentam a solidão”, uma vez que “a cidade acorda cedo, despida de segredos”. José Maria Nascimento, outro poeta bastante ligado a sua terra, deixa claro que, em seu ponto de vista, “esta cidade é a sombra de um deserto” e ao mesmo tempo parabeniza a “amada Ilha, pelas tuas maravilhosas e doces primaveras”. Ainda na vertente crítico-social, temos os livros de Alex Brasil, que não vê a cidade apenas como uma esplendorosa Ilha Verde, mas também como um “cemitério de crianças apodrecidas” e um lixeiro que cresce “plantando miséria sobre o verde”.

No eterno flanar sobre a cidade, alguns poetas optam por destacar seu valor histórico-artístico-social, como sói acontecer com José Chagas, poeta que prega que os poemas estão espalhados pela cidade, bastando que sejam apanhados do chão, já que o “chão de São Luís [é] poeira de história, pedra que é raiz fincada em memória”. Ou ainda como José Sarney, que, além de sua Meditação sobre o Bacanga, faz um longo passeio pela cidade e conclui que as Carrancas do Ribeirão “são pedras, são desnavios que choram na eternidade”.

Os poetas acima (e muitos outros que não foram citados), em seus poemas, não importando a abordagem feita, acabam, nos ecos de suas palavras poéticas, coadunando com os famosos versos do compositor César Nascimento em sua Ilha Magnética, quando diz que “se um dia eu for embora, pra bem longe desse chão, eu jamais te esquecerei, São Luís do Maranhão”. Afinal é preciso aproveitar cada minuto dentro da Ilha, antes que, como alerta ironicamente Luís Augusto Cassas, “antes que a Unesco tombe o último camarão seco”.

(Artigo inicialmente publicado no Jornal O Estado do Maranhão, em 29 de agosto de 1998, com pequenas adaptações)

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