terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

TRÊS VITRINES DESPEDAÇADAS


 TRÊS VITRINES DESPEDAÇADAS

 

José Neres


 

               

                Educação, cultura e meio ambiente são três vitrines que constantemente são exploradas por todos os gestores públicos durante as campanhas eleitorais, mas que costumam ser esquecidas nos momentos seguintes. Os nefastos resultados desses abandonos tornam-se visíveis tanto nos indicadores sociais (quase sempre eclipsados pela ênfase na infinita reprodução de uma política de pão e circo) quanto no dia a dia, a partir de uma observação atenta do que ocorre na vida pública e na vida privada.

                Educação é algo essencial para o desenvolvimento de um povo. Contudo, fica difícil pensar em uma educação de qualidade  quando alunos, professores, familiares e demais atores sociais se veem imersos em problemas que envolvem estruturas deficientes, descaso para com a formação continuada dos docentes, desvalorização salarial, ausência quase total de um projeto político-pedagógico prático e eficiente e de algo que estimule o alunado a permanecer na sala de aula e o faça perceber que a educação é algo de vital importância para a realização de um projeto de vida, qualquer que seja ele.

                É também difícil esperar que o alunado se sinta motivado para ir à escola quando há faltas de professores de praticamente todas as disciplinas e a maioria desses profissionais da educação vive na amarga margem do não saber se seus contratos serão ou não renovados e se irão ou não trabalhar com as disciplinas para as quais se prepararam durante toda a vida acadêmica. É muito difícil esperar que nossos professores se sintam confortáveis diante da falta de uma sala de aula onde impera a sensação de insalubridade: temperatura elevada, água de qualidade duvidosa, pouca acessibilidade, turmas superlotadas e cobranças que ultrapassam os limites de suas forças...

                Outra vitrine abandonada é a cultura. Em momentos específicos, ela recebe uma espécie de maquiagem para parecer que é bem cuidada. Os gestores quase sempre se esquecem de que há inúmeros aspectos culturais em uma sociedade e se limitam a cuidar (parcamente) daquilo que poderá ser exposto para um público ávido de diversão imediata. Não são raros os casos em que aspectos culturais locais são preteridos em prol de expressões que pouquíssima relação têm com as singularidades do povo de determinada região, ou seja, aquilo que deveria ser valorizado e incentivado acaba sendo desprezado por quem tem as chaves do cofre.

                Dessa forma, o artista local, boquiaberto, vê verbas estratosféricas sendo destinadas a personalidades consagradas, enquanto ele – o artista local – precisa mendigar por um pouco de atenção do público e pelas sobras de um dinheiro mirrado que muitas vezes custa a sair e que, quando sai, pode ser à custa de muita humilhação. Será que é assim que se promove a cultura?

                Finalmente o meio ambiente. Essa deveria ser outra vitrine, assim como a cultura, preparada para servir ao bem-estar da população local e como forma de atrair turistas dos mais diversos espectros. No entanto, parece ser mais fácil passar uma demão imaginária de tinta verde em tudo e divulgar a ideia de que ali existe uma defesa racional do ambiente. Enquanto isso, a água servida continua escorrendo a céu aberto, os resíduos sólidos continuam sendo descartados de maneira irregular, os dejetos humanos continuam sendo despejados em rios e praias, as árvores continuam sendo devastadas e o ar continua carregado de substâncias nocivas à saúde.

                Essas três vitrines – e tantas outras – precisam ser tratadas com um cuidado que vá além das promessas eleitorais e eleitoreiras. Elas são, em sua essência, fundamentais para o planejamento de um futuro mais justo, sustentável e eficiente. Pena que depois do resultado das urnas, os vencedores se esqueçam das promessas firmadas nos palanques, e os derrotados passem a utilizá-las como escada para um novo palanque.

                No final, nada fica resolvido! E fica o dito pelo não dito.

UM CANTO PARA A LIBERDADE

 

UM CANTO PARA A LIBERDADE

José Neres

               BRASIL, Assis. O cantor prisioneiro. 11ª ed. São Paulo: Editora Moderna, 1987.


                Sem perceber que estava em perigo, um sabiá avista um pedaço de goiaba e se aproxima para saborear a fruta. Mal toca o alimento, porém, percebe que uma porta se fecha atrás de si. A partir desse momento, tudo o que resta ao sabiá é sonhar em recuperar sua liberdade, voltar para sua família e poder ajudar sua esposa a cuidar dos filhotes do casal. Esse é, de modo geral, o enredo do livro O cantor prisioneiro, um dos trabalhos do escritor piauiense Assis Brasil (1929-2021) destinado ao público infanto-juvenil, que começa a ter os primeiros contatos com narrativas mais longas e com articulação textual mais complexa.

                O livro tem menos de 40 páginas e recebeu ilustrações de Grace Waddington, que conseguiu captar a essência da narrativa e criar imagens que dialogam com o texto, deixando-o ainda mais interessante e envolvente.

                A narrativa é composta basicamente por três personagens – o sabiá, o caçador e a mãe do caçador, todos funcionando como elementos tipificados, ou seja, como personagens representantes de determinado grupo social. Dessa forma, o sabiá remete ao ser oprimido, àquele indivíduo que está preso nas malhas de uma estrutura social que exige um trabalho (no caso, cantar bem) em troca de água e de alimento, a quem só resta o direito de sonhar com a liberdade e com um futuro melhor. O caçador é a representação do opressor, daquele que usa seu poderio físico e econômico para poder manter os menos privilegiados em um cativeiro com rações controladas de água e alimento, como se isso fosse um favor prestado a quem perdeu sua liberdade. A mãe do caçador simboliza a rebeldia e ao mesmo tempo uma atávica dependência emocional. Ela não concorda com o engaiolamento dos pássaros, preza pela liberdade, mas não deseja contrariar o filho, já que este lhe deu o sabiá de presente.

                O que aparentemente pode ser uma história simples, pode também ser lido como denúncia sobre diversas fraturas pessoais e sociais que podem passar despercebidas em uma primeira leitura. Um exemplo disso é quando o autor concentra seus esforços em descrever a tristeza do sabiá por causa de sua privação de liberdade e o consequente afastamento de sua família. Em alguns momentos, é ressaltado o trauma sofrido pelo protagonista a partir do momento em que o sabiá, ao ser alimentado, recusa as goiabas servidas, pois essa fruta traz para ele a lembrança do momento de sua prisão. Em diversas passagens do livro, a narrativa se concentra na angústia do sabiá ao imaginar as dificuldades de sua companheira na luta diária para alimentar os filhotes.

                Algumas questões sociais são também abordadas no livro. As mais evidentes delas são a da escravização e do trabalho forçado. O caçador deixa bem claro, e o prisioneiro acaba percebendo isso, que a oferta de alimento está diretamente relacionada com sua capacidade de cantar bem por um maior intervalo de tempo, ou seja, quanto mais o passarinho cantar, melhor será o seu “salário”, em uma clara analogia com a exploração sofrida pelo proletariado. Ao mesmo tempo, paira no texto a ideia de que um ser vivo pode ser afastado de seus familiares para trabalhar de modo forçado para quem detenha o poder de decisão. ou seja, o livro pode ser um bom exemplo metafórico da histórica exploração sofrida pelos seres menos favorecidos.

                As questões ecológicas e ambientais também são exploradas no livro. Utilizando o caso dos pássaros como exemplo, Assis Brasil acabou denunciando o uso irregular de armadilhas para prender e até comercializar animais silvestres. Os efeitos nocivos dessa ação aparecem sutilmente no decorrer da obra.

                O cantor prisioneiro é um livro que tem que tem como leitor preferencial o público infanto-juvenil, mas que também pode ser muito bem aproveitado por pais, professores e demais adultos. Claro que cada uma das leituras tem suas especificidades e graus de profundidade, mas, de qualquer modo, o leitor terá em suas mãos um livro bem escrito e que pode servir para levantar muitos pontos para discussão e reflexão. O canto do sabiá no livro às vezes pode ser interpretado como de tristeza ou de alegria, mas sempre será um canto pela liberdade, não apenas dele, mas de todos os seres vivos.

                Vale a pena mergulhar nessa singela e bem elaborada alegoria escrita pelo saudoso Assis Brasil.

 

BRASIL, Assis. O cantor prisioneiro. 11ª ed. São Paulo: Editora Moderna, 1987.

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

LOGO DEPOIS

 Quase finalizado o maior carnaval da história, vejo pais e alunos reclamando da falta de professores nas escolas, salas sem estrutura, ruas esburacadas, trânsito em estado de caos, lixo pelas ruas, pessoas pedindo esmola, falta de leitos nos hospitais, pouca acessibilidade, menores abandonados, idosos sem assistência etc etc etc.



quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Vidas...

 Chega um tempo de nossa vida em que as despedidas começam a fazer parte de nosso cotidiano.

As notícias chegam de todos os lados e agora, com o advento das redes sociais, as notícias voam. Voam tanto que muitas vezes apenas passamos os olhos pelas inúmeras telas e não nos damos conta das informações que lemos.

Mas o laço preto que indica luto costuma chamar a a atenção. Quem morreu? Nossa, tão jovem! Mas ele (ela) estava tão bem na última vez que vi...

A cada pessoas que perdemos, fica um vazio imenso. Um vazio que jamais será preenchido, mas que precisa ser contornado. 

Interessante em que cruzamos com as pessoas pelas ruas, pelos shoppings, pela praia e em tantos outros lugares e nunca nos damos conta de que aquele pode ser nosso último encontro, de que aquele abraço, aquele aperto de mão, aquele sorriso pode ser o ultimo que trocamos.

Então, devemos aproveitar cada momento que passamos com os amigos. Ele pode ser o último!


Inspirado em uma conversa filosófica que tive com o amigo Gutemberg um dia desses...


25 - FERREIRA GULLAR

 Fim de ano e também fim de projeto. Ao longo de vários meses, homenageamos duas dezenas e meia de escritores maranhenses.  Tudo começou qua...