Novos artigos de segunda #28
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Fonte da imagem: o autor deste artigo |
MONTELLO, UM FRAGMENTO DE MINHA TRAJETÓRIA
José Neres
Josué Montello entrou definitivamente em minha vida no primeiro semestre de 1994, quando cursei a disciplina Literatura Maranhense, magistralmente ministrada pela professora Sônia Baptista Ferreira, na Universidade Federal do Maranhão.
Mas, antes disso, em 1992, eu já havia iniciado os primeiros contatos com a obra desse autor tão importante para as nossas letras.
Explico.
Depois de deixar a área de exatas, mergulhei no mundo da literatura, da gramática e da linguística. Trabalhava, então, no antigo Colégio Brasil - no Anil, pela tarde, e na Cruz Vermelha, pela noite, e estudava Letras Português/Espanhol na UFMA. Como era praticamente impossível fazer algo no intervalo entre a Universidade e o serviço, eu me refugiava - depois do almoço - na Biblioteca Pública Benedito Leite. Ali, sempre fui muito bem recebido. Agradecimentos eternos a toda a equipe!
Ao chegar à BPBL, dirigia-me logo ao setor de Literatura Maranhense - que, na época, funcionava em uma sala pequena e abarrotada de livros, e lá ficava por horas. Cheguei a ler cerca de 80% do acervo. Foi nessa época que iniciei o contato com a obra montelliana. Um dia, a estagiária do Setor - que havia sido minha colega na Universidade - percebendo que eu sempre lia textos de Montello, me disse que ali perto havia uma Casa inteiramente dedicada àquele escritor.
Chegou a vez de cursar a disciplina de Literatura Maranhense. A professora pediu que lêssemos algumas obras: quatro sermões de Antônio Vieira, Inês e Pedro e A Paixão de Thomas More (de João Mohana), Cazuza (de Viriato Corrêa), Poema Sujo (de Ferreira Gilmar) e Os Tambores de São Luís (de Josué Montello). Comprei os dois livros de Mohana, tirei uma cópia de Cazuza - tinha já uma edição do Poema Sujo - e tive dificuldade de encontrar Os Tambores de São Luís, que, naquele tempo, além de ser uma obra cara para meus padrões, era também rara de encontrar.
Foi então que lembrei das palavras de minha colega Conceição sobre a Casa de Cultura Josué Montello. Cheguei lá desconfiado, suado, cansado e cheio de esperança. Pedi o livro. E comecei a lê-lo. Era uma obra volumosa. Aquela edição tinha pouco mais de 500 páginas. O debate sobre o livro estava marcado para dali a um mês. Daria tempo de vencer aquele calhamaço. Projetei. Iria ler cerca de 50 páginas por dia. Foi o que fiz.
Foi nessa época que descobrir que ser organizado e cumprir com um cronograma de leitura proposto por mim mesmo era algo difícil. O livro era empolgante e dava vontade de passar a tarde ali, acompanhando a saga de Damião. Mas o dever me chamava e eu precisava ir para o serviço. Durante duas semanas, cumpri meu compromisso vespertino com aquelas personagens. Muitas vezes, tive que deixar a leitura no meio de um clímax narrativo. Muitas vezes tive que esperar o final de semana passar, para voltar para aquela história tão envolvente.
Terminei o livro, apresentei o trabalho e virei assíduo frequentador da Instituição. Certa tarde, vi sobre uma das mesas da Casa, um caderno cheio de recortes de reportagens sobre Montello. Fiquei curioso, folheei o caderno e mergulhei em vários detalhes da vida e da obra daquele escritor. Confesso que pensei até em fazer minha monografia sobre algum livro dele. Mas desisti.
Dias depois, quando voltei, pedi para ler aqueles recortes, o álbum me foi negado - era algo reservado e nem devia ter tido acesso antes. Ainda. Em que hoje não é mais assim!
Graças à generosidade de uma amiga que na época ali estagiava, e cujo nome não posso revelar, pude ler quase todos aqueles recortes.
Anotava tudo em blocos e, quando voltava para casa, datilografava - isso mesmo, datilografava - minhas anotações. Anos depois, essas observações se transformaram no livro Montello: O Benjamim da Academia, no qual narro a trajetória do autor de Cais da Sagração rumo a uma vaga na Academia Brasileira de Letras.
Naquela Casa, li tantos outros livros, de diversos autores. Comecei também a adquirir obras montelliana. Devo ter hoje uns cinquenta ou sessenta livros escritos por ele ou sobre esse notável escritor.
O tempo foi passando e os horários livres foram escasseando. Mas não abandonei a CCJM e sempre que podia estava lá, discreto e silencioso, sentado em minha mesinha próxima à janela. Uma vez, tive a sorte de ver o romancista pessoalmente. Ele aparentemente chegava de viagem. Cumprimentou amavelmente as poucas pessoas que ali estavam, me fez um breve acento e se recolheu. Valeu a pena!
Minha saga de admirador de Montello continuou. Assisti a diversas palestras sobre ele, li dezenas de seus livros, escrevi alguns artigos, prefácios, análises, ministrei palestras, orientei trabalhos em graduação e pós-graduação, participei de mesas-redondas, bancas acadêmicas… Lembro que, em março de 2006, quando o escritor partiu rumo à eternidade, escrevi um breve artigo para o jornal O Estado do Maranhão, do qual fui colaborador por mais de duas décadas. O artigo era bem simples e nele eu tecia a trajetória de Montello recorrendo aos títulos de seus livros. Uma singela, mas verdadeira homenagem a um escritor que acabou, involuntariamente, contribuindo para minha formação cultural.
Lembro-me que, em Brasília encontrei um exemplar de A formiguinha que aprendeu a dançar e, em Campo Grande, encontrei A indesejada aposentadoria. Infelizmente, nas duas livrarias, nenhum dos atendentes sabia quem era Josué Montello. Mas não estranho isso. Isso já aconteceu aqui também... Nossos autores são desconhecidos até mesmo em nossa terra, que dirá em terras alheias.
Devo muito tanto à Biblioteca Pública Benedito Leite quanto à Casa de Cultura Josué Montello. Posso dizer que ali tenho duas extensões de meu lar.
Tudo isso me vem à memória hoje, quando acabei de reler a versão em quadrinhos do romance Os Tambores de São Luís realizada - e muito bem - pelo operoso pesquisador, escritor e roteirista Iramir Araújo e pelos talentosíssimos Rom Freire e Ronilson Freire.
Trata-se de um trabalho de fôlego que merece reconhecimento, pois servirá como referência tanto para os novos quanto para os antigos leitores da obra de Josué Montello.
Caso queira ler nosso soneto em homenagem a Montello, clique aqui.
Excelente texto! O meu primeiro contato com a obra montelliana de deu através de Tambores de São Luís. Fui fisgado logo pelo primeiro parágrafo. Uma narrativa emocionante e sedutora. Até agora já li 7 romances, dos 26. E pensar que cheguei a ouvir de amigo, antes de ler Os Tambores de São Luís: "esse livro é chato, massante, com muita descrição ". Ainda bem que não levei a sério kk.
ResponderExcluirNão à toa, o amigo é considerado uma autoridade quando o assunto é Josué Montello e sua obra. Sou grato por você ter escrito a apresentação da minha versão em quadrinhos d'Os tambores de São Luís.
ResponderExcluirOla! Cm e onde posso conseguir essa obra em quadrinhos ?
ExcluirPode entrar em contato?
Faço questão de adquirir.
98 984748969
Um bom roteiro para inspirar os que desejam conhecer a obra do grande escritor.
ResponderExcluirObrigado. Importante ler com atenção esse nosso escritor.
ExcluirExcelente artigo! Já li 4 textos de Josué Montello: Noite sobre Alcântara, Os Tambores de São Luís, Cais da Sagração ( duas vezes, uma delas com meus alunos do Ensino Médio) e Janelas Fechadas. A sensação que tenho é de que ao ler seus textos, estou o escutando contar histórias. E seu artigo me pareceu tão genuíno, ao nos contar suas experiências, à semelhança da literatura Monteliana. Obrigada!
ResponderExcluirTenho a mesma sensação, Montello é sempre uma boa pedida.
ExcluirTexto maravilhoso
ResponderExcluirObrigado pela gentileza!
ExcluirUma trajetória inspiradora e um excelente texto.A leitura deste artigo, realmente, despertará o desejo de ler Os Tambores de São Luís e muitas outras obras de Josué Montello.
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