Novos artigos de segunda #42
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Fonte da Imagem: Arquivo do autor |
NHOZINHO: O POETA DA ESCULTURA
José Neres
Geralmente ficamos tão maravilhados com a aparente grandeza das coisas que não
percebemos que há beleza também em detalhes às vezes imperceptíveis para os
olhos de quem se acostumou a fixar-se apenas no que parece gigantescamente
deslumbrante. Da mesma forma, servimos como caixa de ressonância a nomes
nacional ou mundialmente conhecidos e silenciamos (ou nem mesmo conhecemos) os
valores artísticos e culturais de nossa própria terra.
Talvez por conta desse incômodo silêncio a respeito dos talentos locais, o nome
de Antônio Bruno Pinto Nogueira, mais conhecido como Nhozinho, seja pouco
lembrado, embora figure entre os mais originais e importantes escultores da
arte brasileira do século XX.
Nascido em Cururupu, no dia 17 de maio de 1904, Nhozinho, desde a infância, demonstrou
inclinação para as artes que exigiam atenção, perícia, precisão e habilidade
manuais. Mal começava a entrar na adolescência, porém, começou a lutar
contra uma doença degenerativa que deixaria seus membros superiores e
inferiores deformados e que, posteriormente, após a amputação de ambas as
pernas, iria condená-lo a locomover-se em um carrinho de madeira por ele mesmo
projetado e construído, mas que atendia às suas necessidades. Para completar
seu rol de provações, o artista ainda perdeu a visão do olho direito.
Mas essas tantas dificuldades não impediram Antônio Bruno de produzir uma obra
ímpar na história do artesanato brasileiro. Na verdade, parece que as extremas
dificuldades serviram como impulso para que o artista maranhense se superasse e
evoluísse em seus trabalhos, deixando de ser apenas mais um artesão habilidoso
e impregnando suas obras de motivos e temas da vida social e folclórica
maranhense; saindo também do estaticismo das peças para imprimir ideia de
movimento a suas criações.
Dono de um estilo em que o minimalismo na escolha do tamanho das peças
contrastava com a profusão de detalhes, Nhozinho notabilizou-se também por
registrar os tipos regionais, em uma busca de reproduzir elementos
representativos de seu povo e de sua época. Observando-se atentamente as obras
desse artista, muitas vezes com a necessidade de uma lente de aumento, é
possível perceber a riqueza de detalhes e o desejo dele em eternizar em suas
peças detalhes que passavam despercebidos. De alguma forma, guardadas as
proporções e respeitados os estilos, pode-se dizer que Nhozinho registrou e
esculpiu em buriti e outros suportes o dia a dia da gente de sua época, tal
qual o poeta latino Catullo imortalizou em palavras o próprio cotidiano e as
inquietações dos seus contemporâneos romanos. Em Roma, o poeta Catullo decidiu desenhar
sua época com palavras em suas famosas “nugaes”. Séculos depois, no
Maranhão, Nhozinho optou por narrar em mínimas esculturas as grandezas
esquecidas de seu povo.
O artista faleceu em São Luís poucos dias depois de completar seu septuagésimo
aniversário, no dia 23 de maio de 1974. Como a maioria dos artistas populares,
Nhozinho também teve seu trabalho relegado ao olvido, mas aos poucos vem sido
resgatado graças aos esforços de pesquisadores como Zelinda Lima, que muito
lutou pelo reconhecimento desse artista, e de Roldão Lima, autor do livro
"Vida e Arte de Nhozinho", publicado cinco anos após o passamento do
escultor.
Mais recentemente o trabalho desse fantástico artista tem despertado o
interesse de intelectuais como, por exemplo, Paulo Herkenhoff, Lélia Coelho
Frota e Luciana Carvalho, todos reconhecidos nacionalmente como alguns dos mais
representativos estudiosos das artes brasileiras.
Atualmente, boa parte da produção do mestre maranhense pode ser visitada na
casa-museu que leva seu nome (Rua Portugal, 185, Centro Histórico). Sua
vida e sua obra também já renderam alguns artigos, exposições e livros, como
"Nhozinho: Imensas Miudezas" (vários autores), que reúne trabalho de
diversos pesquisadores. Mas ainda há muito a ser descoberto e (re)avaliado na
obra desse artista que transformou deficiência em eficiência soube colocar o
máximo de seu talento no mínimo espaço necessário à realização de seus sonhos
artísticos.