domingo, 24 de agosto de 2025

UM CORDEL PARA GULLAR

Novos artigos de segunda #45

Fonte da imagem: arquivo do autor



Em 10 de setembro de 2025, o poeta Ferreira Gullar completaria seus 95 anos de vida. 
Adianto aqui minhas homenagens a esse grande escritor brasileiro com o singelo texto em versos que apresento abaixo.



FERREIRA GULLAR
José Neres 

Amigo, pare um pouco,
Quero com você falar…
Não. Não se faça de mouco
Para o que vou lhe contar.
Mesmo estando eu muito rouco,
Ainda posso narrar

A história de um poeta 
Nascido em nossa São Luís,
Terra boa e bem discreta,
Com gente boa e feliz,
Mas dita, à boca secreta,
Como grande meretriz.

 
Numa bela quarta-feira,
Um vagido de verdade,
Cancelou a gafieira…
O nome da novidade?
José Ribamar Ferreira…

Era setembro de trinta
Do século que engrenava
Sob pouco pão, muita cinta
Que do governo chegava.
Com uma demão de tinta,
Todo povo se enVargava.

Foi garoto bem franzino 
Dono de boa memória,
Que carregava um destino
Prenhe de tão bela história 
E que desde pequenino
Sonhava já com a glória.

José Ribamar Ferreira
Virou Ferreira Gullar,
Enfrentou tanta barreira
E teve que se mudar
De sua terra primeira 
Para no Rio morar.

E no Rio de Janeiro 
Logo ele se destacou.
Com texto leve e certeiro, 
Em uns jornais trabalhou.
Não ganhou muito dinheiro,
Muitos textos publicou…

Porém, antes de partir
Do seu grande Maranhão,
Começou a produzir 
Seus versos em profusão,
Conseguindo imprimir 
“Um pouco acima do chão”.

Foi esse livro primeiro
Por bom tempo renegado,
Mas hoje está por inteiro
Como parte do legado
Do poeta brasileiro
De cabelo prateado.

Com “A luta corporal”
Ganhou notoriedade
Em nível nacional,
Tornando-se autoridade
Em verso experimental
Com enorme densidade.

Perseguido no País,
O Poeta foi exilado.
Não podia ser feliz
Sem a família a seu lado.
Não fez tudo o que ele quis
E se via abandonado.

Se escondeu em meio mundo
Do Regime de Terror,
Foi com um pesar profundo
Que ele encarou o pavor
Estampado no olhar fundo
Da senhora e do senhor.

Em tempos de ditadura 
Poetar é perigoso
Mas, paciente, ele atura
O perigo tenebroso.
Teve uma vida tão dura
Por não ter sido medroso.

Na Argentina exilado,
Triste qual um caramujo,
Pela dor foi assaltado
Numa noite de escabujo,
Sendo ali logo gestado
O nosso “Poema Sujo”...

O poema genial
Pelo mundo viajou
E serviu como canal
Por onde logo passou
Pra liberdade formal
De quem o idealizou.

De volta ao país amado
Não deixou de produzir,
Sendo muito procurado 
Por quem queria ouvir
Sobre o regime nublado
Que começava a ruir.

Dentro da noite veloz 
Mora nossa solidão 
Que, como chicote atroz,
Levanta o pó do chão ,
Ecoando nossa voz
Para além da escuridão.

Gullar jamais se calava.
Se podia protestar,
Logo um verso rabiscava
Pra poder denunciar
O crime que ameaçava 
Seu povo aprisionar.

Em seu versos de cordel
Muitas coisas criticou.
Não aceitava o bordel
Que o Brasil se tornou.
Seus versos eram tropel
Que o marasmo atropelou.

Foi poeta de vanguarda,
E foi com todo otimismo
Que ajudou na salvaguarda
Das ideias do Concretismo, 
Que não quis vestir a farda
De caro e mero modismo.

Gullar, poeta de luta,
De Poesia verdadeira,
Tecia arte com labuta,
Lutava contra a bandeira
Que tratava como puta
“A miséria brasileira”.

Mesmo sabedor de que
Dois e dois são sempre quatro
Nunca admitiu o porquê 
De faltar feijão no prato
E do pobre pertencer
Sempre ao mais cruel estrato.

Homem de muito talento,
Gullar foi compositor.
Rimou dor e sofrimento,
Seja do jeito que for,
A traduzir sentimento
Numa borbulha de amor.

Fez cantiga “Bela, Bela”,
Onde sempre se respira
Um cheiro de barco à vela
Em tanta nota que inspira 
Viajar de caravela
No “Trenzinho do Caipira”.

Foi pensando na criança,
Que já não lê mais como antes,
Que tão pleno de esperança 
adaptou nosso Cervantes -
Quixote com sua andança,
Tornando perto o distante.

Carregado de carinho,
Transformou seu companheiro -
Gato chamado Gatinho -
Em personagem inteiro.
Em tão formoso livrinho.
Eternizou seu parceiro.

As crônicas de Gullar
Sempre foram apreciadas.
Permitem perambular 
Por épocas variadas 
Deixam-nos deambular
Sem atravessar calçadas.

Também às biografias
Seu Gullar se dedicou.
Antônio Gonçalves Dias 
Ele já biografou,
Vida, obra e poesias
Com precisão analisou.

Sobre Nise da Silveira 
Um belo texto escreveu.
A médica brasileira 
Todo aplausos recebeu 
Por ser uma pioneira
Na ciência que escolheu.

Para não virar joguete
Em bocas impiedosas,
Em um “Rabo de foguete”,
Bem descoberto de rosas,
Ofereceu em banquete
Mil histórias gloriosas.

Numa prosa criativa
Inventou cidades mil.
Em mágica narrativa,
Ele relata o que viu
De forma figurativa 
Dentro e fora do Brasil.

Lírica ou social
A poesia de Gullar
Tem um tom universal.
Está em todo lugar.
É bem viva, seminal,
Rica, bem peculiar.

À ABL pertenceu
Um pouco antes de partir.
Seu fardão mereceu
Para sempre possuir
Pelas obras que escreveu 
Por seu jeito de existir.

Foi grande crítico de arte,
Ensaísta de primeira,
Escreveu por toda parte,
Até quando a fiandeira
O corpo da alma comparte
Naquela hora derradeira.

Em dois mil e dezesseis 
Nosso Gullar se encantou,
Deixando pra nós, talvez,
A bela arte que criou
Onde está mais de uma vez
Dito quem somos… quem sou.

Sua humana poesia
Mostra que dentro de nós 
Crescem dor e alegria 
Cada qual com sua voz,
Que viver é agonia
Atada em dúvida atroz.

Quase a voz eu perdi
Tentando lhe contar
Tudo aquilo que já li
Dele, Ferreira Gullar,
Poeta daqui e dali,
Poeta espetacular.

Gratidão, meu bom amigo,
Uma história lhe contei.
Lamento se não consigo
Lhe contar tudo que sei.
Agora ouça o que lhe digo:
Reler Gullar eu irei.

São Luís, 23 de agosto de 2025.

Leia outra homenagem para GULLAR clicando aqui









Um comentário:

  1. Ler o cordel de Ferreira Gullar é como ouvir a alma do povo cantado em versos. Cada rima parece conversar conosco, trazendo a força da nossa cultura, a beleza da simplicidade e um olhar crítico que faz pensar. É poesia que abraça, provoca e nos lembra de onde viemos e quem somos.
    Adriana de Jesus Silva.

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