segunda-feira, 21 de outubro de 2024

A ÚLTIMA VIAGEM...

 NOVOS ARTIGOS DE SEGUNDA #08

A ÚLTIMA VIAGEM...

José Neres 



Faz um bom tempo que não comento algum livro por aqui. Não é por falta de vontade, de interesse ou por extremo cansaço. Na verdade, nem imagino a razão. Simplesmente outros temas e assuntos atravessaram meu caminho e foram priorizados.

Porém há momentos em que um livro nos puxa pelo braço e praticamente exige que registremos algo sobre ele. Esse é o caso de A última viagem de Gonçalves Dias e outros contos ( Edições AML, 2024, 152 páginas), o mais recente lançamento do experiente e talentoso José Ewerton Neto, escritor que há muitos anos vem brindando seu público com bons poemas, excelentes crônicas, criativos contos e bem elaborados romances.

O livro é composto de quatro contos - três deles já publicados em outros trabalhos e um inédito. Em cada um dos contos, José Ewerton deixa para os leitores uma sutil lição de escrita e de vida.

No primeiro texto - A última viagem de Gonçalves Dias - fica claro que a construção do texto (muitas vezes) é mais importante que seu desfecho. De modo bastante lírico, mas sem apelar para as facilidades e armadilhas da pieguice, ele traz à tona um hipotético diário no qual um dos marinheiros do navio Ville de Boulogne narra os momentos finais da vida do poeta Gonçalves Dias.

Em uma narrativa ágil, comovente e cheia de detalhes, o contista recorre à busca da verossimilhança para fazer o leitor acreditar que aquele diário realmente existe e que ali há um depoimento histórico. Mas é possível perceber que por trás da narrativa ficcional existe uma grande e minuciosa pesquisa sobre a época em que se passa a história, sobre a linguagem marítima e sobre a vida e a obra Gonçalves Dias. No final, o desfecho é o esperado e já conhecido do público, pois o autor não deseja alterar a história, mas sim preencher as lacunas com sua imaginação e sensibilidade.

No segundo texto do livro - Pequeno dicionário das paixões cruzadas - José Ewerton Neto dá lições de como um acontecimento pode ser narrado de forma criativa. Um caso passional aparentemente corriqueiro e que poderia ilustrar as páginas policiais de um jornal é narrado não apenas a partir de uma ordem cronológica que serve para elucidar a questão, mas também seguindo uma ordem alfabética. O resultado é um envolvente trabalho com a linguagem e com a tessitura de uma trama repleta de peripécias e reviravoltas.

Em Viagem tão longa, o escritor investiu na construção de um impactante desfecho capaz de levar os leitores a uma reflexão acerca das relações parentais e suas fraturas sociais e emocionais, muitas vezes relegadas ao plano de um esquecimento que pode acabar favorecendo a todos os envolvidos. 

Partindo da narração de um passeio de moto entre um filho e um pai, e da conversa que se estabelece entre eles, o conto descamba para uma experiência fantástica na qual as queixas e descasos perdem o sentido diante da inefabilidade das inevitáveis despedidas. É um conto para ler liberando sorrisos e segurando lágrimas.

Finalmente, temos o conto intitulado Volte ao meu romance, um texto escrito em forma de jogo de encaixes no qual histórias paralelas se entrecruzam formando um todo orgânico e muito bem estruturado, com disputas intelectuais, amorosas e um complexo entremear de narrativas que se completam. 

Esse novo livro vem comprovar que José Ewerton Neto é um dos mais criativos prosadores da literatura brasileira contemporânea. Mas é importante também que, no que se relaciona com a literatura, essa criatividade venha sempre acompanhada de um exaustivo trabalho estético na busca da melhor solução possível para cada desafio apresentado pelas personagens e pela história em si. E Ewerton sabe vencer cada um desses desafios.


José Ewerton Neto, Gabriela Lages Veloso e José Neres, na noite do lançamento do livro.


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