Novos artigos de segunda # 26
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CADA DIA É O DIA
(José Neres)
Venho de tempos antigos.
Venho de tempos em que um “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”, “com licença”, “muito obrigado” e “Desculpe-me” eram frases que corriam soltas em todos os lugares onde as pessoas pudessem conviver harmonicamente. Hoje, essas expressões e palavras parecem obsoletas e estão caindo em total desuso. Os “sai da frente”, “não amola”, “vai tomar no **, “c@###lho” fazem parte até do vocabulário das crianças aparentemente inocentes.
Venho de um tempo em que os professores eram ouvidos com atenção e, em alguns casos, até aplaudidos após uma aula. Hoje, acesso a internet e me deparo com casos de professores agredidos por alunos, por familiares de alunos, por outros profissionais e até mesmo por colegas de profissão. Profissão de extremo risco, por sinal!
Venho de tempos em que bem cedo ou ao final de tarde, tomávamos bênção aos mais velhos, não importando se eram idosos da família ou não. Naquela época, as crianças não se metiam nas conversas de adultos e respeitavam até mesmo os mais simples olhares de reprovação. Atualmente, nada de pedir bênção ou de pelo menos parar para ouvir os idosos. “velho é tudo inútil…”, “não sei o que ainda quer por aqui. Já viveu o suficiente e agora só atrapalha a juventude…”, “se morrer, já vai tarde”...
Venho de um tempo em que até os besteirois que tocavam nas rádios tinham uma letra bem elaborada e pelo menos tinham algum tipo de harmonia que não feriam os ouvidos. Naquela época, os locutores tinham a voz bonita e pareciam saber um pouco de tudo. Hoje, sintonizar uma rádio é algo sofrível. As letras das músicas (?) são monocórdicas e muitas vezes têm apenas três ou quatro palavras que se repetem em um looping infinito. Os locutores muitas vezes se engasgam diante de palavras simples e muitos vivem em greve contra as concordâncias gramaticais. Uma pena!
Venho de um tempo em que os supermercados fechavam suas portas às 18 horas do sábado e só voltavam a abrir depois do meio-dia de segunda-feira. Procurávamos nos informar quais seriam as farmácias de plantão e os carros eram abastecidos até a noite de sábado, pois encontrar um posto aberto aos domingos era uma raridade. Atualmente, quase tudo funciona 24 horas e parece que não temos tempo para nada. Para ninguém. Nem para nós mesmos…
Venho de um tempo em que as notícias chegavam devagar. Perder os gols do domingo no bloco final do Fantástico era algo dolorido. Era preciso esperar o programa de esporte do dia seguinte e torcer para os gols serem reproduzidos. Nem sempre dávamos sorte. Hoje, temos quase tudo nas palmas das mãos e nas pontas dos dedos. E o tempo se esvai pelas frestas dos nossos dedos. Inexoravelmente. Nada podemos fazer…
Venho de um tempo em que tentávamos copiar as músicas que tocavam nas rádios ou que eram reproduzidas em um toca-fitas. Era uma bela oportunidade de aproveitar os acordes, aprender novas palavras e de beber um pouco do sorriso da pessoa amada, que, nem sempre estava ao nosso lado nos outros momentos. Hoje, com apenas poucos cliques, temos letras, músicas e cifras disponíveis. Muitas vezes, cada um de nós com seu fone de ouvido, só não temos o prazer de ouvir a voz da pessoa amada a ecoar em nossos corações repletos de espaços vazios.
Nostalgia? Talvez. Mas o dia de hoje também tem tantas coisas boas que não posso esquecer que também sou um ser de agora e, como escreveu o poeta venezuelano Arturo Uslar Pietri sempre me lembro que
es la única hora de la vida,
todo el ayer se fue en reminiscencia
y el mañana no existe todavía.
(Cada dia é o dia e cada hora
é a única hora da vida,
todo o ontem se perdeu em reminiscência
e o amanhã não existe ainda)
- tradução livre nossa -
Importante aproveitar o agora. Amanhã? Quem sabe? Quem sabe…
Eu juro que não sei.