Artigo de segunda #36
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Fonte da imagem: Arquivo do autor |
Hoje, 15 de junho de 2025, é a data do centenário de
nascimento do padre e escritor João Mohana, um dos melhores escritores da prosa
maranhense. Para não deixar a data passar em branco, antecipo nosso artigo de
segunda e reproduzo o texto abaixo, no qual tecemos breves comentários sobre os
dois romances do autor.
OS ROMANCES DE JOÃO MOHANA
José Neres
(Reprodução
de um artigo publicado em 02 de agosto de 1999, no Jornal O Estado do Maranhão)
Há pessoas que têm o poder da multiplicação do próprio tempo.
Envolvendo-se nas mais diversas atividades, elas conseguem desenvolver seus
projetos a contento e ainda lhes sobra fôlego para voos mais audaciosos. Foi o
que aconteceu com o bacabalense João Mohana, uma mistura equilibrada de sacerdote,
médico, psicólogo, professor, teatrólogo, ensaísta, pesquisador, musicólogo e
romancista.
Hoje, passados alguns anos do falecimento do escritor, já se
pode ter uma visão mais crítica e racional sobre sua produção literária,
principalmente sobre seus dois romances: Maria da Tempestade e O
Outro Caminho, duas das melhores obras da prosa maranhense contemporânea. O
primeiro traz a dramática história de Bárbara, narrada em um clima de suspense
e expectativa, prendendo o leitor da primeira à última página, quando recebe o
choque de um desfecho inesperado.
Ao mesmo tempo em que a história é contada, uma série de
análises paralelas podem ser feitas: o comportamento humano é esmiuçado,
mostrando as personagens sob vários ângulos. Cora Mendes, Guilherme, Ribamar,
Padre Tarjet e a família da protagonista simbolizam mais que meros elementos de
ficção, retratam, sim, uma boa parte da sociedade maranhense do início do
século XX.
O Outro Caminho, premiado pela Academia Brasileira de Letras, conta a história
de Eyder, um padre dividido entre as imposições sacerdotais e os desejos da
carne. Narrada de forma envolvente, a saga de Eyder desenvolve-se em tom de drama
psicológico.
Cada página lida traz uma nova faceta dos sofrimentos do
jovem padre, que tem a sociedade maranhense de sua época, mesquinha e
preconceituosa, como a grande antagonista. Novamente, os personagens não
aparecem na obra por acaso, todos são essenciais para o desenrolar da história,
que já apresenta seu desfecho nas primeiras páginas do livro.
Embora as narrativas sejam diferentes (ambas encantadoras),
pode-se perceber claramente as semelhanças estilísticos-semânticas que enlaçam
os dois romances. Em alguns casos, uma situação de um livro apresenta
correspondência no outro. É o caso, por exemplo, da desestruturação familiar e
das descrições da morte. Algumas personagens também parecem uma imagem
especular de outras, como Padre Tarjet e Padre Francisco, que parecem a mesma
pessoa em livros diferentes.
No entanto, essas recorrências não empobrecem os romances de
João Mohana, e sim provam sua capacidade de manusear as características de
certos grupos de forma coerente, já que os dois padres e as duas famílias, nos
livros, são representações de dois sistemas complementares, porém antagônicos. Quanto
à morte, presença marcante nos dois livros, é em suas descrições que o escritor
atinge a plenitude de sua força narrativa. A agonia do pai de Bárbara, da
criança natimorta, a morte da mãe de Eyder e o falecimento do protagonista de O
Outro Caminho são páginas antológicas em que temos a junção perfeita do
padre, do médico e do escritor João Mohana, cada um dando sua contribuição para
que as cenas fossem narradas de maneira exemplar.
Outro ponto bastante denso da obra de Mohana é a sua busca de
verossimilhança, chegando ao ponto de o leitor menos acostumado com seu estilo questionar-se
sobre a existência ou não de Bárbara Sena, bem como o leva a acreditar que
Eyder e João Mohana sejam a mesma pessoa, esquecendo-se de que tudo não passa
de ficção.
Em verdade, os dois livros trazem lições de vida. No final,
todos estão entregues às mãos do Criador e é Ele quem decide o futuro. Ao leitor
resta a sensação de vazio e a certeza de que todos nós vivemos numa eterna
tempestade, sempre com a angústia de querer saber como seria a vida, caso tivéssemos
seguido por outro caminho, eis a lição do padre, do médico e do humanista João Mohana, seguramente um
dos maiores analistas da alma humana no século XX,
Mais um artigo maravilhoso que nos faz voltar ao passado das nossas leituras. Tenho vontade de ler os dois livros, talvez novamente para marcar todas as ricas considerações que você fez. Parabéns Prof. Neres.
ResponderExcluirMuito bom! O comentário Neres,
ExcluirA análise das semelhanças estilísticas e semânticas entre os dois romances. A recorrência de temas como a desestruturação familiar e as descrições da morte, bem como a similaridade entre personagens, mostra a coesão da obra de Mohana e sua maestria em lidar com representações de grupos sociais. A menção de que as descrições da morte atingem a "plenitude de sua força narrativa" e a junção das personas do padre, médico e escritor em Mohana para narrar essas cenas de forma exemplar é um insight poderoso.
A ideia de que Mohana busca a verossimilhança ao ponto de confundir o leitor sobre a ficção e a realidade, e que seus livros trazem lições de vida sobre a condição humana e a busca por outros caminhos, foi coroa da sua análise como escrito, José Neres. Ressaltando a capacidade de Mohana de ser um "analista da alma humana", o que o posiciona como um autor de grande relevância.
Em suma, seu artigo, já considero um artigo, é um convite instigante à leitura e à reflexão sobre a obra de João Mohana, um autor que, pelo visto, merece ser redescoberto e estudado.
Abraços!