Utilizando a Inteligência Artificial, já que a minha é naturalmente problemática para as questões musicais, transformei o poema "Firmina" em um reggae.
Vejam o resultado no link abaixo
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Laura Rosa
(Para Natan Campos)
Em um campo laureado de rosas
Uma violeta desabrochou.
Quando criança, um dia chorou
Falta de pai, de frases carinhosas.
Mãe afetiva pra escola a levou
Ali encheu cadernos de leve prosa
Construiu castelos no ar, airosa,
“Promessas” em ondas do mar gravou.
Boa prosa, refinados versos criou.
A ensinar, toda a vida dedicou.
Escreveu para adulto e pra crianças…
Ao partir, deixou rastros de esperanças
Plantados em nulo mar de esquecimento
Em versos de sal, cal e cimento.
(José Neres - 24.08.2024)
Instado pelo professor e poeta Natan Campos, escreverei uma série de "Sonetos" sobre escritores maranhenses que caíram no esquecimento. Temos acima o primeiro texto.
AS ÚLTIMAS LINHAS DE JOÃO UBALDO RIBEIRO
José Neres
(Professor, Membro da
AML, ALL, APB e da Sobrames-MA)
Acredito
que todas as pessoas apaixonadas pela literatura devam passar por inúmeros
momentos de infidelidade literária, ou seja, apaixonamo-nos hoje pela obra de
um escritor ou de uma escritora, pensamos que ali naquelas páginas está nosso
par perfeito. Porém, dias, semanas, meses ou mesmo horas depois, somos
apresentados a outros livros, a outros estilos, a outros escritores e
mergulhamos em uma nova paixão, muitas vezes avassaladora.
Ao
longo de minhas tantas décadas de leitura já me vi encantado por dezenas de
autores e autoras que acabaram fazendo parte de minha vida, já que, no caso das
infidelidades literárias, não é possível abandonar a paixão antiga só por
estarmos flertado com um novo alvo de atenções. Nada disso! Sempre é possível
dividir-se entre várias paixões sem prejuízo para nenhuma delas. Talvez apenas
nosso bolso sinta os impactos dessas visitinhas às muitas estantes de nossas
poucas livrarias.
Clarice
Lispector, Fernando Sabino, Assis Brasil, Ferreira Gullar, Carolina Maria de
Jesus, Mario Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Lygia Fagundes Telles, Laura
Esquivel, Umberto Eco, Ítalo Calvino, Antonio Buero Vallejo, Franz Kafka, Aluísio
Azevedo, Chimamanda Ngozi Adichie, Josué Montello, José Chagas, Pepetela,
Cecília Meireles, João Guimarães Rosa, Tolstoi, Bram Stoker, Lima Barreto,
Machado de Assis, Isabel Allende, Waldemiro Viana, Gonçalves Dias, Álvares de
Azevedo, Castro Alves, Patativa do Assaré, Mia Couto, Agatha Christie,
Graciliano Ramos, Jorge Luis Borges, Nelson Rodrigues, Rachel de Queirós, Humberto
de Campos, Murilo Rubião e Rubem Fonseca são algumas das inúmeras e silenciosas
testemunhas desses muitos momentos em que foi impossível aceitar ter apenas uma
companhia.
Nesse
rol posso adicionar o nome do baiano João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), escritor
que chamou minha atenção desde 1999, quando li A Casa dos Budas Ditosos, que à época fazia parte da Coleção Plenos Pecados. (Nota triste:
Uma antiga aluna pediu esse livro emprestado e nunca mais apareceu em sala de
aula. Dizem as más línguas que ela fugiu com o namorado para outro estado. O
amor é lindo, mas bem que poderia ter devolvido aquele belo livrinho de capa
vermelha e o nome luxúria em alto-relevo). Possivelmente como forma de me
livrar desses traumas, recentemente comprei esse livro em nova edição, mas não
tem o charme da edição original. Acho que o trauma continua.
Alguns
anos depois, em um dos meus aniversários, a querida amiga Geusiléia Silveira me
presenteou com um exemplar de O
Conselheiro Come, um belo livro de crônicas de João Ubaldo Ribeiro e que
leva o leitor a refletir sobre como o intelectual é tratado em nossa sociedade.
Reli esse livro diversas vezes e sempre o recomendo para quem gosta de entrar
em contato com um estilo ágil, bem-humorado e carregado de ácidas ironias.
A
partir desse momento, esse escritor começou a ter lugar garantido em minha
sempre abarrotada mesa e em minhas estantes. Vez ou outra revisito, limpo e
folheio A arte e a ciência de roubar
galinha, O rei da noite (que
tenho, mas confesso que não li ainda), Setembro não tem sentido (livro de
estreia de Ubaldo), Viva o povo
brasileiro (um clássico!), O sorriso
do lagarto (que fez sucesso também em sua adaptação para a TV), Sargento Getúlio (sucesso também nos
cinemas), Miséria e grandeza do amor de
Benedita (esquecido e até mal falado, mas que é meu preferido), Diário
do Farol (gostei bastante!), Vencecavalo
e o outro povo (maravilhosa alegoria sobre os tempos e a política atual),
livros que dificilmente serão emprestados!
Recentemente,
fiquei sabendo que à época de seu falecimento, o escritor baiano preparava um
livro que traria diversos contos ambientados no Leblon, bairro onde o autor de O Feitiço da Ilha do Pavão morou por
cerca de duas décadas e que ele conhecia profundamente. Desses contos, apenas
dois haviam sido completados e foram publicados sob o título de Noites Lebroninas (Editora Objetiva,
2018, 103 páginas). Não pensei duas vezes, pedi o livro e quando o gentil rapaz
dos Correios tocou a campainha e entregou a encomenda, iniciei a leitura.
Claro
que não irei aqui contar detalhes dos dois contos que compõem o livro, não irei
fazer os chamados spoilers, como
dizem os jovens de hoje. Irei apenas contar alguns breves detalhes para
conduzir quem nunca leu esse autor pelas veredas de sua prosa bem articulada.
Mas posso afirmar que nesse livro João Ubaldo Ribeiro continuou fazendo o que
sempre fez de melhor: destacou em cores vivas tipos comuns que poderiam passar
despercebidos em uma saga, mas que mereceram a atenção de um escritor que
dominava a técnica da construção de personagens.
Nesse
livro infelizmente incompleto, o leitor irá encontrar, no conto que dá nome ao
livro, um porteiro que frequenta uma festa de pessoas ricas, um médico que
ganha dinheiro apostando sobre a sobrevivência ou não de seus pacientes, além
de muitas outras peripécias. No segundo texto – intitulado O Cachorro Falafina e seu Dono Dagoberto (um dos melhores contos
que li recentemente) – temos um cachorro que tem a capacidade de escolher os
parceiros de seu dono e que é capaz de tudo para proteger aquele que considera
como grande amigo. O enredo é interessante e a execução foi primorosa.
No
prefácio do livro, Geraldo Carneiro lembra que “João Ubaldo Ribeiro é sempre um
humorista” e que o escritor baiano “construía seus livros de forma peculiar.
Primeiro escolhia o título. Depois, a epígrafe. Por fim, começava a escrever o
primeiro parágrafo”, sem ter um plano exato de como chegaria à conclusão de
seus textos. Possivelmente ele nem precisasse mesmo desses planos, tinha
habilidade suficiente para conduzir suas personagens pelas muitas trilhas pelas
quais um escritor menos experiente poderia se perder.
No
final da leitura fica o desejo que jamais será realizado de saber como seriam
os demais contos desse livro que marca a despedida de um mestre da literatura
brasileira.
TEMPO
(José Neres)
O tempo é um rio em minhas veias.
Silencia a dor das próprias entranhas
E não se perde nas curvas das teias.
E comemora cada meu suspiro
Com grito silencioso e duro.
Assim, sem ser verde, fico maduro
Chorando para dentro em vão retiro.
O tempo me deu tudo o que não tenho
Por ele só passo, não me detenho…
Ele lembra tudo, de nada olvida,
Para agradá-lo vivo em pleno empenho,
Sendo sabedor de que de onde venho
Brota um rio a devastar minha e vida.
FIRMINA
Em uma das mãos, triste flor suspensa;
Na outra suspende solitário livro;
A seus pés, toda uma obra imensa
Lembra o tempo usando um eterno crivo.
A praça guarda história intensa:
Dor, olvido, gritos de compaixão…
Uma negra que todo dia pensa
Em perder seus filhos pra escravidão.
Úrsula e Tancredo bem ali estão
Eternizados em suave história
De dor, morte, desespero e paixão.
Gupeva ali vive em cada memória,
E aves lá cantam todas as manhãs
Louvando a Firmina de Guimarães.
(José Neres)
ARTIGO DE SEGUNDA #1
UM TRAÇO PECULIAR DE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE
José Neres
Filho
do casal formado por Amâncio José da Paixão da Silva, que depois retirou o
Silva e adicionou sua alcunha Cearense ao nome, e da senhora Maria Celestina
Braga da Paixão, Catulo da Paixão Cearense veio à luz, segundo seu biógrafo
mais recente – Luiz Américo Lisboa Junior - em 31 de janeiro de 1866. Sobre sua
data de nascimento, é importante lembrar que há informações diversas espalhadas
em livros, jornais e em páginas da internet. O poeta do Luar do Sertão, ao falecer em 10 de maio de 1946 – em um domingo de
Dia das Mães – era reconhecido, amado pelo público e aclamado pela crítica.
Autor
de obras memoráveis, como Meu Sertão,
Sertão em Flor, O Evangelho das Aves, O Sol e
a Lua e Um Boêmio no Céu, Catulo
da Paixão Cearense, seja com seus poemas em livros, jornais e revista, seja com
suas composições musicais, encantou diversas gerações de amantes das letras e
até hoje é visto como exemplo de poeta que sabia utilizar com perfeição tanto a
escrita gramaticalmente escorreita quanto as variantes sertanejas. Composições
suas, como Luar do Sertão, A Flor do Maracujá e Flor Amorosa já foram diversas vezes
regravadas por intérpretes dos mais variados estilos musicais.
Embora
tenha sido recorrentemente instado a candidatar-se a uma vaga na Academia
Brasileira de Letras, o poeta-compositor por diversas vezes deixou claro que
não tinha disposição para pedir votos. No entanto, em 1946, ao ser sondando
pelo escritor José Nascimento Morais, que à época estava à frente da Academia
Maranhense de Letras, o autor de O Boêmio
no Céu aceitou fazer parte da Casa de Antônio Lobo, sendo eleito para a
Cadeira nº 9, em sucessão ao poeta Inácio Xavier de Carvalho, mas não chegou a tomar
posse fisicamente, pois, mesmo tendo elaborado um singelo discurso, faleceu
antes da cerimônia, sendo reconhecido postumamente como membro da AML.
Em
homenagem a toda a trajetória artística de Catulo, a revista A Noite Ilustrada dedicou-lhe uma edição
especial com 38 páginas nas quais praticamente todas as facetas da vida e da
obra do grande poeta maranhense foram analisadas.
Porém,
mesmo cercado de glórias, admirado por uma multidão e reconhecido como um dos
grandes artistas brasileiros, há uma particularidade de Catulo da Paixão
Cearense que chamava a atenção de alguns de seus contemporâneos: um narcisismo
que beirava a megalomania com relação à sua obra. Até mesmo alguns de seus
maiores admiradores se sentiam incomodados com essa característica do autor de
Marrueiro, como é o caso do crítico literário Agrippino Grieco e do polígrafo
Josué Montello.
Em
um capítulo de seu livro Poetas e
Prosadores do Brasil (Conquista, 1968, 288 páginas), Grieco comentou que,
quando cantava ou recitava na residência de algum amigo, Catulo exigia silêncio
absoluto e não permitia que outro poeta ou cantor fizesse uso da palavra. Exigia
exclusividade. O famoso crítico chegou a afirmar que Catulo “colocou seu
talento acima da formosura das mulheres, proclamava que neste país nunca viu
bardo superior, nem mesmo Castro Alves, que não lhe possuía senso filosófico,
e, na língua portuguesa em geral, achava-se superior ao próprio Guerra
Junqueiro, dizendo que os Simples
deste não valiam o seu Evangelho das Aves”
(pág. 57). Agrippino Grieco credita esse narcisismo de Catulo a uma espécie de
inocência e de uma cândida vaidade, mas não deixa de lembrar que, caso tivesse
poder, Catulo “arranjaria uma nova Inquisição, um auto-de-fé implacável para os
demais autores” (pág. 57).
Um
episódio ocorrido em 1937 envolvendo Catulo da Paixão Cearense e Agrippino
Grieco é comentado por Josué Montello no livro Baú de Juventude (Edições AML, 1997, 78 páginas). Em seu artigo,
que foi inicialmente publicado logo após o passamento do vate maranhense, o
autor de Cais da Sagração descreve
Catulo como sendo “um velho baixo, de cabeça completamente raspada, metido numa
roupa branca malamanhada, [com] o nariz recurvo, aparando o aro de tartaruga
dos óculos avantajados” (pág. 35). Segundo Montello, naquele dia, em plena
livraria, o autor de A vaquejada
tentava convencer o crítico de que ele – Catulo – era o maior poeta do mundo.
Como Grieco relutava em aceitar essa imposição, o poeta começou a declamar em
voz alta seus versos. Baldadas suas investidas, saiu dali contrariado.
O
narcisismo literário de Catulo era tão visível que tanto Josué Montello quanto
Agrippino Grieco recorrem a alegorias semelhantes para demonstrá-la. O primeiro
diz que chegando ao céu, o bardo maranhense irá tentar apresentar-se como o
maior poeta de todos os tempos. Caso São Pedro não se convença disso, “o poeta
recitará seus versos. Se São Pedro mesmo assim contrariar-lhe o julgamento,
Catulo apelará para o violão” (Pág. 37).
Já Grieco, de modo mais ácido e irônico, escreveu o seguinte em seu artigo: “E
estou a vê-lo à entrada do Paraíso, dizendo com a máxima naturalidade ao Padre
Eterno: ‘Bom dia, caro colega!’”. Interessante notar que o embate entre o poeta
e São Pedro é o mote da excelente peça Um
Boêmio no Céu, uma das obras-primas da dramaturgia brasileira, mas que há
tempos se tornou uma obra rara e sem reedições.
Apesar
de suas extremadas catulices
megalomaníacas, poucos foram o que negaram o talento desse bardo maranhense que
fez muito sucesso em vida, mas que, conforme vaticinou Humberto de Campos,
acabou caindo no esquecimento, infelizmente. Talento nunca lhe faltou. Quanto à
modéstia... deixemos para lá!
Escrevi esse texto há três anos, em plena pandemia. Infelizmente, parece que ele continua atual.
O Professor-Mendigo
Quase sempre, quando se fala em ser (ou às vezes estar) professor, vem à mente de muitas pessoas a ideia de um profissional humilde, com baixíssimo salário, pouca perspectiva de melhorar de vida, etc. Talvez um mendigo graduado com curso superior.
Mas não é desse tipo de mendicância de que trato aqui nestas linhas que possivelmente serão lidas por uma quantidade mínima de bons e de boas amigas.
Mesmo merecendo bem mais do que recebe, o professor tem peregrinado constantemente por outro tipo de mendicância tão incômoda quanto a de esticar a mão em uma esquina na esperança de receber uns trocados, com a garantia de muitos "nãos".
Em muitos casos, o professor, em plena consciência de seu ofício tem pedido, clamado e até mesmo implorado para que seus alunos estudem, prestem atenção para as aulas, peguem um livro, faça suas anotações, exponham suas dúvidas... etc... etc... etc...
Seja em aulas presenciais, seja em aulas por mediação de computadores, tablets, celulares e demais aparatos tecnológicos, o professor tem vivido em uma espécie de solilóquio na qual muitas vezes nem mesmo o eco rouco e soturno das paredes tem chegado até ele.
Diante de microfones silenciados, câmeras desativadas, ouvidos e olhos vedados, cadernos quase virgens, livros sem marcas de uso e cobranças de todas as partes possíveis,
Quando será que esse encontro ocorrerá? Será que tem ocorrido e não temos notado? Ou será que tudo não passa de uma quimera?
Enquanto isso, na dúvida, o professor tenta curar suas necessidades mergulhando na ilusão de que tudo está bem neste tal de "novo normal", em que é tão normal um rico mendigo oferecer seu bem mais preciso e notar que conhecimento é um produto aparentemente descartável e fora de moda. Os valores são outros. As necessidades parece que são outras.
E a sociedade empobrece a cada dia. Mas o bom professor continuará mendigando por ouvidos e olhos que queiram ver além das aparências.
José Neres
Educação,
cultura e meio ambiente são três vitrines que constantemente são exploradas por
todos os gestores públicos durante as campanhas eleitorais, mas que costumam
ser esquecidas nos momentos seguintes. Os nefastos resultados desses abandonos
tornam-se visíveis tanto nos indicadores sociais (quase sempre eclipsados pela
ênfase na infinita reprodução de uma política de pão e circo) quanto no dia a
dia, a partir de uma observação atenta do que ocorre na vida pública e na vida
privada.
Educação
é algo essencial para o desenvolvimento de um povo. Contudo, fica difícil
pensar em uma educação de qualidade
quando alunos, professores, familiares e demais atores sociais se veem
imersos em problemas que envolvem estruturas deficientes, descaso para com a
formação continuada dos docentes, desvalorização salarial, ausência quase total
de um projeto político-pedagógico prático e eficiente e de algo que estimule o
alunado a permanecer na sala de aula e o faça perceber que a educação é algo de
vital importância para a realização de um projeto de vida, qualquer que seja
ele.
É
também difícil esperar que o alunado se sinta motivado para ir à escola quando
há faltas de professores de praticamente todas as disciplinas e a maioria
desses profissionais da educação vive na amarga margem do não saber se seus
contratos serão ou não renovados e se irão ou não trabalhar com as disciplinas
para as quais se prepararam durante toda a vida acadêmica. É muito difícil
esperar que nossos professores se sintam confortáveis diante da falta de uma
sala de aula onde impera a sensação de insalubridade: temperatura elevada, água
de qualidade duvidosa, pouca acessibilidade, turmas superlotadas e cobranças
que ultrapassam os limites de suas forças...
Outra
vitrine abandonada é a cultura. Em momentos específicos, ela recebe uma espécie
de maquiagem para parecer que é bem cuidada. Os gestores quase sempre se
esquecem de que há inúmeros aspectos culturais em uma sociedade e se limitam a
cuidar (parcamente) daquilo que poderá ser exposto para um público ávido de
diversão imediata. Não são raros os casos em que aspectos culturais locais são
preteridos em prol de expressões que pouquíssima relação têm com as
singularidades do povo de determinada região, ou seja, aquilo que deveria ser
valorizado e incentivado acaba sendo desprezado por quem tem as chaves do
cofre.
Dessa
forma, o artista local, boquiaberto, vê verbas estratosféricas sendo destinadas
a personalidades consagradas, enquanto ele – o artista local – precisa mendigar
por um pouco de atenção do público e pelas sobras de um dinheiro mirrado que
muitas vezes custa a sair e que, quando sai, pode ser à custa de muita
humilhação. Será que é assim que se promove a cultura?
Finalmente
o meio ambiente. Essa deveria ser outra vitrine, assim como a cultura,
preparada para servir ao bem-estar da população local e como forma de atrair
turistas dos mais diversos espectros. No entanto, parece ser mais fácil passar
uma demão imaginária de tinta verde em tudo e divulgar a ideia de que ali
existe uma defesa racional do ambiente. Enquanto isso, a água servida continua
escorrendo a céu aberto, os resíduos sólidos continuam sendo descartados de
maneira irregular, os dejetos humanos continuam sendo despejados em rios e
praias, as árvores continuam sendo devastadas e o ar continua carregado de
substâncias nocivas à saúde.
Essas
três vitrines – e tantas outras – precisam ser tratadas com um cuidado que vá
além das promessas eleitorais e eleitoreiras. Elas são, em sua essência,
fundamentais para o planejamento de um futuro mais justo, sustentável e
eficiente. Pena que depois do resultado das urnas, os vencedores se esqueçam
das promessas firmadas nos palanques, e os derrotados passem a utilizá-las como
escada para um novo palanque.
UM CANTO PARA A LIBERDADE
José Neres
Sem perceber que estava em perigo, um
sabiá avista um pedaço de goiaba e se aproxima para saborear a fruta. Mal toca
o alimento, porém, percebe que uma porta se fecha atrás de si. A partir desse
momento, tudo o que resta ao sabiá é sonhar em recuperar sua liberdade, voltar
para sua família e poder ajudar sua esposa a cuidar dos filhotes do casal. Esse
é, de modo geral, o enredo do livro O cantor prisioneiro, um dos
trabalhos do escritor piauiense Assis Brasil (1929-2021) destinado ao público
infanto-juvenil, que começa a ter os primeiros contatos com narrativas mais
longas e com articulação textual mais complexa.
O livro tem
menos de 40 páginas e recebeu ilustrações de Grace Waddington, que conseguiu
captar a essência da narrativa e criar imagens que dialogam com o texto,
deixando-o ainda mais interessante e envolvente.
A
narrativa é composta basicamente por três personagens – o sabiá, o caçador e a
mãe do caçador, todos funcionando como elementos tipificados, ou seja, como
personagens representantes de determinado grupo social. Dessa forma, o sabiá
remete ao ser oprimido, àquele indivíduo que está preso nas malhas de uma
estrutura social que exige um trabalho (no caso, cantar bem) em troca de água e
de alimento, a quem só resta o direito de sonhar com a liberdade e com um
futuro melhor. O caçador é a representação do opressor, daquele que usa seu
poderio físico e econômico para poder manter os menos privilegiados em um
cativeiro com rações controladas de água e alimento, como se isso fosse um
favor prestado a quem perdeu sua liberdade. A mãe do caçador simboliza a
rebeldia e ao mesmo tempo uma atávica dependência emocional. Ela não concorda
com o engaiolamento dos pássaros, preza pela liberdade, mas não deseja
contrariar o filho, já que este lhe deu o sabiá de presente.
O que
aparentemente pode ser uma história simples, pode também ser lido como denúncia
sobre diversas fraturas pessoais e sociais que podem passar despercebidas em
uma primeira leitura. Um exemplo disso é quando o autor concentra seus esforços
em descrever a tristeza do sabiá por causa de sua privação de liberdade e o
consequente afastamento de sua família. Em alguns momentos, é ressaltado o
trauma sofrido pelo protagonista a partir do momento em que o sabiá, ao ser
alimentado, recusa as goiabas servidas, pois essa fruta traz para ele a
lembrança do momento de sua prisão. Em diversas passagens do livro, a narrativa
se concentra na angústia do sabiá ao imaginar as dificuldades de sua
companheira na luta diária para alimentar os filhotes.
Algumas
questões sociais são também abordadas no livro. As mais evidentes delas são a
da escravização e do trabalho forçado. O caçador deixa bem claro, e o
prisioneiro acaba percebendo isso, que a oferta de alimento está diretamente
relacionada com sua capacidade de cantar bem por um maior intervalo de tempo,
ou seja, quanto mais o passarinho cantar, melhor será o seu “salário”, em uma
clara analogia com a exploração sofrida pelo proletariado. Ao mesmo tempo,
paira no texto a ideia de que um ser vivo pode ser afastado de seus familiares
para trabalhar de modo forçado para quem detenha o poder de decisão. ou seja, o
livro pode ser um bom exemplo metafórico da histórica exploração sofrida pelos
seres menos favorecidos.
As
questões ecológicas e ambientais também são exploradas no livro. Utilizando o
caso dos pássaros como exemplo, Assis Brasil acabou denunciando o uso irregular
de armadilhas para prender e até comercializar animais silvestres. Os efeitos
nocivos dessa ação aparecem sutilmente no decorrer da obra.
O
cantor prisioneiro é um livro que tem que tem como leitor preferencial o
público infanto-juvenil, mas que também pode ser muito bem aproveitado por
pais, professores e demais adultos. Claro que cada uma das leituras tem suas
especificidades e graus de profundidade, mas, de qualquer modo, o leitor terá
em suas mãos um livro bem escrito e que pode servir para levantar muitos pontos
para discussão e reflexão. O canto do sabiá no livro às vezes pode ser
interpretado como de tristeza ou de alegria, mas sempre será um canto pela
liberdade, não apenas dele, mas de todos os seres vivos.
Vale
a pena mergulhar nessa singela e bem elaborada alegoria escrita pelo saudoso
Assis Brasil.
BRASIL, Assis. O cantor prisioneiro. 11ª ed. São
Paulo: Editora Moderna, 1987.
Chega um tempo de nossa vida em que as despedidas começam a fazer parte de nosso cotidiano.
As notícias chegam de todos os lados e agora, com o advento das redes sociais, as notícias voam. Voam tanto que muitas vezes apenas passamos os olhos pelas inúmeras telas e não nos damos conta das informações que lemos.
Mas o laço preto que indica luto costuma chamar a a atenção. Quem morreu? Nossa, tão jovem! Mas ele (ela) estava tão bem na última vez que vi...
A cada pessoas que perdemos, fica um vazio imenso. Um vazio que jamais será preenchido, mas que precisa ser contornado.
Interessante em que cruzamos com as pessoas pelas ruas, pelos shoppings, pela praia e em tantos outros lugares e nunca nos damos conta de que aquele pode ser nosso último encontro, de que aquele abraço, aquele aperto de mão, aquele sorriso pode ser o ultimo que trocamos.
Então, devemos aproveitar cada momento que passamos com os amigos. Ele pode ser o último!
Inspirado em uma conversa filosófica que tive com o amigo Gutemberg um dia desses...
Ao substituir metas de aprendizagem por metas de aprovação, corremos o risco de criar uma geração que não saberá ler o que está escrito no próprio diploma.
Vez ou outra, levante um um pouco sua cabeça e desvie seus olhos da tela de seu celular...
Então você verá que há pessoas a seus redor e que elas estão vivas e não on-line, como querem alguns...
Então você verá que, para existir, uma árvore não depende de pixels ou de megapixels. Ela está ali e você pode até se aproximar dela, sem precisar usar os dedos em pinça para ampliá-la na tela do aparelho. Pode aproveitar sua sombra e seus frutos.
Você descobrirá que a natureza tem seus sons próprios: o canto de um pássaro, o farfalhar de uma folha, o choro de uma criança... Basta tirar o fone de seus ouvidos e sentir, sentir, sentir...
Você sentirá que a fruta, que você mastiga sem perceber enquanto assiste a um filme, tem gosto e até pode não ter a mesma aparência dos anúncios, mas são mais belas e saborosas...
Levante a cabeça e perceba que a vida é formada também de perigos, de afetos e que existem problemas bem maiores que a velocidade da conexão ou o desgaste da bateria de seus celular.
Abra os olhos e veja que as pessoas passam, os cães latem, os carros buzinam, o sol queima a pele, a maré sobe, a inflação galopa, pessoas nascem e morrem muitas vezes sem seu conhecimento. Algumas precisavam tanto de você!!!
Respire fundo descubra que é possível preparar sua própria refeição sem depender dos aplicativos... Que você pode caminhar e dar bom dia para os transeuntes. Nem importa que alguns não respondam, pois também estão imersos em seus universos particulares.
Tire os olhos do celular e descubra que - talvez - você ainda tenha uma família e que ela precisa de você, de sua voz de seu afeto, de seu cheiro e até de suas chatices e de suas piadas sem graça.
E se todos estiverem com os olhos grudados no celular? Bem... Nesse caso, tente pelo menos salvar alguns deles. Abra a janela e descubra que o mundo é bem maior que a tela de seus celular.
Existe um admirável mundo novo esperando por você.
Tem dúvida?
Pegue seu aparelho celular, aponte a câmera para a equação que seu professor deixou no quadro. Vale Nota! Espere alguns segundos e... eis o resultado e todas as etapas do processo.
E se for para traduzir? para que perder seu precioso tempinho aprendendo regrinhas gramaticais de outro idioma?
Basta apontar a câmera do celular e, com pouquíssimo esforço, você terá um texto traduzido nas mais variadas línguas... Basta agora copiar...
E o bom é que isso pode servir para qualquer disciplina, qualquer assunto!!!
Parabéns!
Você tirará boas notas nas atividades, passará de ano, poderá até mesmo ganhar um diploma de melhor aluno das escola.
Mas, com certeza, aprenderá quase nada ou nada... talvez!
Aula de literatura... A maioria dos alunos está com seus fones de ouvido ou simplesmente cochila.
O professor, exausto, divaga:
"... Então, em 17, o talento de Anita foi posto em dúvida, causando grande polêmica..."
Imediatamente, olhares de ódio preencheram a atmosfera até então insípida.
"O quê? Quem ousou duvidar do talento de nossa deusa?"
"Absurdo! Vamos cancelar esse miserável que fez isso!"
"Vamos invadir as redes sociais dele e detonar..."
Qual é mesmo o nome desse idiota, professor?
O mestre olha com tristeza. Finalmente uma frase sua chamou a atenção da turma. Responde com calma:
"Monteiro Lobato."
No meio da sala uma voz se levanta:
"Nunca ouvi falar."
Outra pessoa diz, aos gritos:
"Deve ser um desses criticozinhos sem seguidores que querem fazer nome usando nossa deusa!"
O professor arruma os óculos e diz em voz alta, para abafar os ruídos de revolta da turma.
"Estou falando da Anita Malfatti, pintora que recebeu severas críticas de Monteiro Lobato, autor do Sítio do Pica-Pau Amarelo, em 1917".
Os alunos se acalmam, voltam a conectar os fones de ouvido ou a dormir. No fundo da sala ainda ressoa uma voz:
"Se ele tivesse falando de nossa deusa, ia se entender comigo. Mas quem será essa tal de Anita Malfatti? Quem será esse Monteiro Lobato?"
A aula continua, sem mais interrupções.
Fim de ano e também fim de projeto. Ao longo de vários meses, homenageamos duas dezenas e meia de escritores maranhenses. Tudo começou qua...