domingo, 17 de novembro de 2024

UM CORDEL PARA ARLETE

Faz um bom tempo que conheço a professora e escritora Arlete Nogueira da Cruz e tenho muita admiração por ela como pessoa e como intelectual.

Segue abaixo uma tentativa de texto que fiz em homenagem a essa grande dama de nossa literatura.

O autor do texto, com Nauro Machado e Arlete Nogueira da Cruz. Fonte: Arquivo pessoal do autor


ARLETE - DAMA DA LITERATURA 

José Neres


Vou puxar o meu banquinho,
Temperar minha garganta,
Vestir meu terno de linho,
Deixar pra depois a janta,
Pedir com todo carinho
Um favor a minha Santa.

Pois preciso de talento,
De muito talento essa hora,
Para falar a contento
De uma nobre senhora
De um olhar sempre atento
Ontem, amanhã e agora.

Como eu não sou um poeta
Cada verso meu é um parto
Minha rima é sempre incerta
Cada estrofe, um sobressalto
Mas uma coisa é bem certa:
Nossa língua não maltrato.

Essa senhora merece 
Toda consideração,
Pois de ninguém ela esquece
Dá a todos muita atenção.
Sua presença enobrece 
Qualquer festa, ato ou salão.

O nome dela é Arlete
Nogueira da Cruz Machado,
Nome que o povo repete
Quase sempre admirado
E de quem a nós compete
Lembrar presente e passado.

Foi numa estação de trem
Que ela ao mundo chegou.
Em Cantanhede também 
Ela jovem estudou,
Nas igrejas disse amém,
Nas ruas,ela brincou.

Sua mãe - dona Enói - tinha
Muita poesia na veia.
Ela nunca se continha
E tecia uma grande teia
De versos que leu sozinha
Em noites de lua cheia.

Raimundo Nogueira Cruz,
Seu bom pai muito estimado,
Era homem que fazia jus
A seu honesto ordenado
De agente cheio de luz
Com estrada a seu cuidado.

Estudou Filosofia 
Em um centro federal
Estudava a noite e dia
Os autores em geral
De tudo ela conhecia
Tinha talento anormal.

Foi uma professora 
Muito bem conceituada,
Jamais ela foi opressora,
Sempre foi tão dedicada,
Que houve turma transgressora
Por ela sempre encantada.

Sobre Walter Benjamin 
Defendeu dissertação 
Na PUC do Rio e assim
Obteve mestrado então 
Com todo louvor, enfim,
Voltou a seu Maranhão.

Sempre foi tão estudiosa,
Sempre foi tão exemplar
Que mesmo sendo graciosa
Evitava namorar.
Recebia tanta rosa,
Mas sem se impressionar.

Um dia, ela conheceu 
Belo príncipe encantado…
Coração amoleceu…
E foi marcado o noivado
O casamento ocorreu…
Foi festa pra todo lado!

O marido era poeta.
Era por todos respeitado.
Dono de obra correta,
Entendia do riscado
Dizia de forma aberta:
“Sou Nauro Diniz Machado”

Um belo casal formava,
Viviam de namorico
Quando a lua se deitava,
O sol ficava mais rico
Logo, logo ali chegava
O pequeno Frederico.

Logo o menino cresceu
Bom artista se tornou
Para o cinema verteu
Muitas obras que assinou
Da mãe, litania leu,
Do pai, poemas filmou.

Litania, por sinal,
É um poema maior.
Uma velha passa mal
A cidade vira pó.
Tudo parece normal
De nada o mundo tem dó.

A obra de Arlete é bem vasta
Tem começo e bom final
Não é prosa que se arrasta 
De um modo tão banal
Para sabê-la ler basta
O “Trabalho Manual”.

Esse livro é composto 
De três obras em prosa:
“As cartas” - livro com gosto
De uma mastigada rosa,
Tem um mundo de desgosto,
Também vida gloriosa.

Já no “Compasso Binário”,
Um romance magistral,
O tema nada ordinário 
É um abuso sexual
Que teve como cenário 
Esta nossa capital.

Nosso mundo interior
Tem a estrutura abalada
Quando “A parede” o leitor
Pega na mão espalmada 
E percebe tanto primor
Numa história bem narrada.

Esse livro encantou 
Nosso Josué Montello 
Que logo se encarregou
De mandá-lo para o prelo.
Bem assim Cínzia ganhou
A vida sem paralelo.

Também para a criançada
Dona Arlete escreveu.
Essa obra foi lançada
E muita gente já a leu.
Nova edição é esperada,
Já que não empresto o meu.

Eram “contos inocentes”
Buscando novos ouvidos.
Eram histórias dolentes
De tempos tão bem vividos.
Eram segredos urgentes
De nossos povos sofridos.

Mas há um livro esquecido
Sobre a poesia atual
Do Maranhão oprimido 
Que só sorria em jornal.
Livro que anda sumido,
Mas aqui isso é normal.

Memórias brotam do sal
E do sol brotam também…
É esse livro magistral 
Que tanto artigo contém 
Sobre um tempo sem igual
Que já foi e não mais vem.

E que dizer d’O Quintal
Pleno de recordações?
Uma obra sentimental 
Recheada de emoções 
Em cada verso um sinal
Vários mundos, mil lições.

Arlete é tão generosa,
Pessoa quase perfeita
Seu nome não é de rosa
Mas começa a virar seita
De forma tão glamourosa
Me citou em sua “Colheita”.

Esse livro nos condensa
Toda a obra de uma vida,
Foi uma batalha imensa
Jamais antes resolvida.
É livro para quem pensa
Que a alma pode ser ferida.

Da crítica tem o dom,
Embora seja discreta.
Reconhece pelo som
A verve de um bom poeta.
Nada diz fora do tom,
Mas ao falar sempre acerta.

A palestra com mil Nomes 
E nuvens livro virou
Lá, de Assis a Gomes
Dona Arlete analisou.
Peço que esse livro tomes
Pra saber o que passou.

No caminho tinha um Rio
Rio de prosa e poesia
Um Rio cheio e vazio
Rio de dor e alegria
Rio de leito macio
Rio que não esvazia.

Além de muito escrever,
De publicar sua obra,
Arlete soube viver
Tudo o que a vida nos cobra.
Cumpre com cada dever,
Não comunga com manobra.

Sua obra já foi estudada
Até em vestibulares,
Teve tese dedicada
Para ela em vários lugares.
Sua leitura é indicada
Pra escolas e vários lares.

Depois que Nauro partiu 
Para a sua eternidade,
Outra missão ela assumiu:
Levar pra posteridade
Tudo o que ele produziu 
E hoje é grande novidade.

Desde então já publicou
Muitos livros do marido
Também sempre divulgou
Para o leitor tão querido
Tudo o que já encontrou
Sobre o bom Nauro perdido.

Caso queiras mais saber,
Sobre a vida dessa dama
E seu jeito de escrever,
Não carece tanto drama,
Recomendo logo ler:
Aquele livro te chama.

De dona Arlete eu sou fã,
Eu tenho até carteirinha.
Hoje mesmo, de manhã,
Rezando, só, na igrejinha
Pedi a Deus com todo afã:
“Proteja nossa amiguinha!”

Eu tinha muito a dizer,
Mas meu tempo chega ao fim.
Só me resta agradecer 
Por ter paciência assim
De ouvir este pobre ser
Todo cheio de conversinha.

Para essa mulher tão calma
E de tão bom coração 
Com toda a nobreza da alma,
Peço-lhes muita atenção 
E cinco salvas de palma
Vamos lá, caro irmão!

Muitas palmas ela merece.
De tudo é merecedora.
Sua voz é uma prece,
Na vida, é vencedora.
Todo o mundo ela conhece,
Tem nobre alma sonhadora.

Agora saio de fininho.
Já terminei meu trabalho.
Daqui levo meu banquinho,
O caminho não atrapalho.
Meu verso é bem fraquinho,
Mas é meu, embora falho
.


São Luís, 17 de novembro de 2024.

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A PRIMEIRA VEZ A GENTE NUNCA ESQUECE

Novos artigos de segunda #10

A PRIMEIRA VEZ A GENTE NUNCA ESQUECE

José Neres 

Quase que eu não conseguia escrever o texto de hoje. Depois de um dia cansativo, com aulas, palestras, e muitas outras atividades, o tempo foi escasseando, esvaindo-se pela ampulheta diária e me restou apenas um pouquinho de areia antes de virar esse mecanismo chamado corpo para aproveitar um novo dia que se aproxima (pelo menos espero)...

Como disse antes, quase que eu não conseguia escrever hoje. Mas Fátima saiu das sombras da memória e me fez lembrar que tudo passa. Tudo sempre passará… Foi ela que, sem querer, me ensinou que a primeira vez nós nunca esquecemos.

Mas você deve estar se perguntando: quem é Fátima? Que negócio é esse de primeira vez?... Fátima, ou Maria de Fátima, já não é - e faz muito tempo que já foi… que já se foi. Passou por minha vida, deixou suas marcas e partiu. Partiu sem que nem mesmo seu sobrenome eu soubesse.

Volto no tempo e revisito Maria de Fátima - possivelmente a menina mais bonita da escola. Devia ter uns treze anos. Justamente a minha idade na época. Estudávamos no mesmo colégio, mas não na mesma sala. Era muito bonita e trazia sempre um encantador sorriso como forma de recepcionar as pessoas.

Fátima, apesar da pouca idade, sabia conversar e tratar as pessoas com a cordialidade necessária para conquistar a confiança. Era bela, meiga e doce. Um dia, ela chegou a me oferecer um desses sorrisos e me chamar pelo nome. Logo eu, o garoto mais tímido, mais feio e mais sem graça da escola!!!...

Nesse mesmo dia - dizendo melhor - nessa mesma tarde -, Fátima também ofereceu a mim a primeira grande experiência que um garoto poderia ter ao entrar em contato com uma moça bonita. E que experiência!

Estávamos à porta da escola. Era final de tarde. Um calor abafado pronunciava uma noite fria. Foi quando ela passou e me dirigiu a palavra. Deu-me um sorriso, cumprimentou meu colega João Batista e se dirigiu a nossa professora.

Seu sorriso era encantador! Sua beleza era singular. A escola estava situada à beira de uma rodovia estadual e o dia corria normalmente. Tudo normal. Nunca imaginava que aquele final de tarde marcaria minha primeira vez na vida. Minha primeira experiência marcante. A mais definitiva…

Não ouvi o que Fátima disse à professora, mas ambas sorriram alto, bem alto, gargalharam saborosamente. Carinhosa, a professora chamou meu nome e o de João. Pediu um breve favor: deveríamos ir correndo à escola pegar uma pasta que ela havia esquecido na sala. Era preciso ir rápido. A escola estava para fechar.

A juventude nos dá velocidade nas pernas e bom fôlego nos pulmões. Gastamos menos de quatro minutos para realizar a tarefa. Tempo suficiente para que minha vida mudasse. Antes de eu sair correndo, registrei o majestoso sorriso de Fátima em minhas retinas. 

Mas, ao voltarmos, ela já não estava ali. Ou, melhor, ela estava ali eternamente fixada em uma poça de sangue. Eternamente fixada nos gritos dos demais alunos e alunas que, em lágrimas, tentavam proteger seu corpo dos olhares curiosos.

Um caminhão parado a alguns metros dali era a prova que faltava. Um motorista com as mãos na cabeça chorava em desespero diante do que restou de Fátima depois daquele acidente, depois do choque daquele caminhão abarrotado de tijolos contra aquele jovem corpo agora sem vida.

Fátima, sem querer, acabou me ensinando que nossa primeira vez diante da morte não se esquece.



quinta-feira, 7 de novembro de 2024

18 - CARLOS CUNHA

 A homenagem de hoje é para o professor, crítico literário, poeta, prosador e acadêmico Carlos Cunha, que muito contribuiu para o engrandecimento de nossas letras


Fonte da imagem: internet 

CARLOS CUNHA
José Neres 
(Para Wanda Cristina Cunha)

Ele acendeu as lâmpadas do sol,
Para iluminar apagada história 
Perdida em um moinho de memória,
Sem canto de Sabiá ou Rouxinol.

Ele das artes não quis ser farol,
Mas tantos caminhos iluminou,
Mas a tantas histórias transformou
Com suas aulas, com versos de escol!

Ele a arte da crítica dominava,
Várias obras dos jovens resenhava
E escrevia com intensa paixão.

No fim, lutando contra ingratidão 
E, chamando o tempo por testemunha,
Gravou um nome no ar: Luís Carlos Cunha

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

MAS... QUEM É LAURA ROSA?

 Novos artigos de segunda #09



MAS… QUEM É LAURA ROSA?

(José Neres)

Ontem, dia 03 de novembro, a convite dos organizadores da 17ª Feira do Livro de São Luís, tive o prazer de mediar uma mesa de conversa literária formada pela professora doutora Diomar das Graças Motta e pelo poeta Wybson Carvalho. O assunto era a vida e obra da escritora e educadora maranhense Laura Rosa, uma das homenageadas desta edição da Feira.

Hoje, é muito difícil alguém iniciar um estudo sobre a produção intelectual de Laura Rosa sem pelo menos citar os trabalhos da professora Diomar Motta, que é a principal responsável pela divulgação da obra da autora de As Promessas. Em sua fala, de modo bastante didático, a professora falou sobre a gênese de suas pesquisas e das dificuldades encontradas para localizar textos e documentos que ilustrassem suas descobertas.

Como incansável pesquisadora, a professora Diomar Motta também anunciou o lançamento de um livro contendo trinta e uma crônicas da Laura Rosa - textos garimpados em jornais e revistas com as quais a nossa Violeta do Campo colaborou desde tenra idade. Claro que essa notícia foi bem recebida e merece aplausos. 

Já o poeta caxiense Wybson Carvalho se dedicou a comentar sobre suas experiências juvenis, quando visitava a professora Laura Rosa na casa onde ela residia em Caxias e falou nos ensinamentos que recebeu durante esses contatos. Foi um momento carregado de emoção e de reminiscências, pois a memória afetiva é algo sempre importante na construção daquilo que somos.

O palestrante deixou bem claro que na época era ainda muito jovem para perceber a importância daquela mulher tão respeitada pelas pessoas da cidade. Contudo, parece que essa experiência deixou marcas profundas na vida desse poeta. E essas marcas produziram bons frutos.

Porém, fora do espaço destinado às palestras, uma outra situação chamava atenção: algumas pessoas faziam a seguinte indagação: “Que é Laura Rosa?”, “O que ela faz para merecer tal homenagem?”, “O que ela escreveu?”

Confesso que essas questões me incomodavam (e ainda me incomodam), mas o encontro serviu para comprovar que não estou solitário nesse fosso de incômodos. Os dois convidados da tarde também demonstraram que muitas vezes também são alvos de perguntas semelhantes.

Em breves palavras, podemos dizer que Laura Rosa nasceu há 140 anos, em 1⁰ de outubro de 1884, na capital maranhense, e faleceu na cidade de Caxias, em 14 de novembro de 1976, aos 92 anos. Foi professora, conferencista, poetisa, contista, cronista e inspetora de ensino. Publicou textos em jornais desde sua adolescência e é autora do livro As Crianças - uma pesquisa sobre educação no Maranhão, no Brasil e em alguns outros países; As Promessas, livro de contos que recentemente foi reeditado e que está disponível na internet, além do livro intitulado Castelos no Ar, que infelizmente até o presente momento não foi localizado. 

Laura Rosa foi também a primeira mulher a tomar posse na Academia Maranhense de Letras e fundadora da Cadeira 26 daquela Instituição. Mesmo mantendo intensa atividade intelectual em revistas e jornais, a obra dessa escritora acabou caindo no esquecimento e somente nas últimas décadas vem sendo resgatada e divulgada.

Não defendo a ideia de que Laura Rosa tenha ficado esquecida por ser mulher e por ser afrodescendente. Há tantos homens e mulheres brancos, mestiços, negros, indígenas… que também foram invisibilizados pelo tempo. Acredito que a principal causa do ostracismo desses escritores e dessas escritoras é que eles e elas ousaram escrever em uma sociedade que não valoriza seus autores. Isso parece ser imperdoável. Como assim ? Como alguém ousa desafiar a lógica e publicar livros que raramente serão lidos?

Ah, quando cheguei à Feira, para mediar as palestras, estranhei: “Nossa! Nenhuma das vagas está ocupada pelos carros!” Avancei uns metros e vi inúmeros veículos disputando vagas sobre as calçadas e uma multidão aos gritos. Era a transmissão do primeiro jogo da final de um campeonato. Ah, sim! Faz sentido! Dois times em campo sempre atraem mais público do que uma Violeta do Campo.

Difícil vencer essa batalha!

CLIQUE AQUI e leia outro texto sobre Laura Rosa 


sábado, 2 de novembro de 2024

17 - DAGMAR DESTÊRRO

 Nossa homenageada de hoje é a professora, prosadora e poetisa Dagmar Destêrro, (1925-2004), dona de uma vasta obra e que merece ser revisitada.



DAGMAR DESTÊRRO

José Neres 

(Para Joaquim de Oliveira Gomes)


Tinha olhos que espelhavam o céu 
Com limpidez de encantada manhã 
Pintou versos dispersos a pincel 
Em doce alegria sempre louçã.

A Vida desfilava num tropel,
Em conflito com a Morte - a irmã 
Com quem divide quarto de hotel
Com quem aprende a ser tecelã.

No desterro dessa vida de fel
Na qual só uma será campeã 
Sua obra guarda o gosto do mel…

De mel puro em torta de avelã 
Hoje, cada livro seu é um troféu 
A abençoar nosso eterno amanhã.

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

A MARATONA

 Novos artigos de segunda #09


A MARATONA 

José Neres 

Todo início de ano letivo digo a meus alunos da última série do ensino médio que a preparação para a prova do Exame Nacional do Ensino Médio equivale ao treinamento para uma maratona. É preciso muito esforço próprio e treinamento para se chegar ao momento da decisão com boas chances de atravessar a linha de chegada ainda com fôlego. Nem precisamos pensar em ser o primeiro colocado. Chegar bem já é uma grande vitória.

Mas, infelizmente, nem todo mundo se prepara adequadamente para essa exaustiva prova de conhecimento e de resistência física e emocional. Há quem pense que basta estudar nas últimas semanas, fazer uma boa revisão em um dos inúmeros cursos preparatórios ou perder algumas noites de sono para alcançar a vitória. Em alguns casos até que essa estratégia dá certo, mas esses são casos raros, raríssimos.

Certa vez, tive uma aluna que foi considerada um fenômeno - foi antes do advento do ENEM, mas serve para exemplificar. Ela praticamente não tinha vida social, vivia com o rosto enfurnado em livros e apostilas, escrevia duas redações por semana, não faltava às aulas, anotava tudo e não perdia um plantão de tira-dúvidas. Resultado: foi aprovada em primeiro lugar em diversas universidades, alcançando inclusive nota máxima em redação. 

Porém, para minha surpresa, durante uma entrevista a um canal de televisão, ela afirmou à repórter que levava uma vida normal e sem estresse, que não perdia a oportunidade de interagir com os colegas e que o vestibular não deveria interferir nas relações pessoais. Como as pessoas mentem para receberem elogios! Não vou dizer que assim há muitos, pois estaria mentindo… a dedicação daquela jovem à concretização de seus objetivos é louvável. Mas a vaidade de querer esconder as marcas de seus sacrifícios talvez tenha desvalorizado muitas de suas vitórias.

Há também o caso de dois outros alunos - um casal - que superaram diversos obstáculos e conseguiram excelentes notas e alcançaram seus objetivos. Lembro-me de que eles não perdiam aula e que, na hora dos intervalos, tomavam todo o tempo dos professores que encontravam diante de si para solucionarem suas dúvidas. Muitos colegas ficaram sem lanche e sem descanso para que tudo desse certo. Eles até que mereciam. 

Mas…

Mas, logo depois do resultado final - parece combinado - os dois disseram que estudaram sozinhos o tempo todo e que não tiveram apoio da família, da escola, dos colegas e nem dos professores. “Essa vitória eu devo a mim mesma” disse a garota em uma de suas redes sociais. O rapaz, por sua vez, declarou que “é possível passar no vestibular usando apenas a própria inteligência e o esforço próprio”. Lindo! Lindo mesmo! Pena que não é verdade.

 Ninguém chega ao final de uma maratona como o ENEM sem os cuidados de uma família, o apoio de amigos, o financiamento de alguém e sem as lições ministradas pelos professores. 

Está chegando a hora de mais uma maratona do conhecimento. Espero que você tenha se preparado bem. Quem sabe assim você conquiste o direito de ser aplaudido por suas mentiras e bravatas! 

Torço por seu sucesso! Nem precisa agradecer!





sábado, 26 de outubro de 2024

16 - INÁCIO XAVIER DE CARVALHO

 Chegamos a mais uma homenagem aos escritores maranhenses que mereciam melhor acolhida por parte do público leitor. O poeta de hoje é Inácio Xavier de Carvalho (1871-1944), um dos fundadores da AML e autor do belo livro Missas Negras 



INÁCIO XAVIER DE CARVALHO

José Neres 

(Para Hilmar Hortegal)


Foi aquele gordo cão tão ingrato

Que chamou minha atenção para ti,

Ó poeta tão descrente de si,

Mas tão galante em teu próprio retrato.


Foste nobre poeta de bom trato

Teus “frutos selvagens” li e reli…

Em tuas “missas negras”, me perdi 

E só de ruínas enchi meu prato.


Ao jogador, ao coveiro, ao devasso

E a um ladrão bem fora de compasso

Dedicaste sempre um belo soneto…


Em cada quarteto, em cada terceto

Que de tua ácida pena brotou

Há mil lágrimas que alguém derramou.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

SERIA BOM SE FOSSE APENAS FICÇÃO...

 Esta semana, meu amigo Mhario Lincoln trouxe de volta em seu portal Facetubes este texto que foi publicado inicialmente em 2009.

Mesmo que os suportes tecnológicos citados estejam hoje obsoletos, em sala de aula pouca coisa mudou. Infelizmente. 

Adoraria que quem viesse a ler texto hoje, uma década e meia depois, considerasse  autor um louco que apenas tivesse inventado as situações, não é bem assim. 



SERIA BOM SE FOSSE APENAS FICÇÃO...

José Neres

É totalmente visível o depauperamento da educação em nossa sociedade. Isso permite ao professor imaginar o que todos gostaríamos que fosse somente ficção. Desse modo, temos abaixo a angústia de um profissional da educação diante de uma sala que quer tudo, menos estudar.

 A aula começa. 

O professor ensaia as primeiras palavras relativas ao assunto a ser trabalhado. Desatenção quase que total. Toca um celular. Uma revista da Avon passa de mão em mão. As conversas são postas em dia. Um rapazinho conecta o fone de ouvido a seu mp4 e relaxa ao som de sua música preferida. Uma senhorita retoca a maquiagem diante do espelhinho. O rapaz metido a conquistador derrama seu olhar para a colega do lado... Tudo é tão importante! Tudo é tão mais importante que o assunto da aula!... Tudo é tão mais importante que o conhecimento!... 

Diante da turma apática para o saber, o professor, num monólogo sem interlocutores derrama seu tão suado conhecimento para dois ou três Seres Estranhos que teimam em aprender. Já foi feita a chamada? Dezenas de olhos seguem atentamente os ponteiros do relógio. Uma mensagem é enviada para o namorado: “Vou dar um jeito de sair mais cedo. Vem me buscar. Te amo”.

 O professor eleva o volume da voz, na vã tentativa de abafar os murmúrios das conversas paralelas. Para prazer do mestre, as duas ou três Figuras Estranhas fazem algumas perguntas pertinentes ao assunto. Algumas questões são bem inteligentes, outras nem tanto, mas pelo menos serviram para tirar do ar aquele ranço de monólogo. O ônibus vai passar... A chamada ainda não foi feita... Acho que minha namorada já está lá embaixo me esperando... Bateu uma fome... E essa aula que nunca acaba!

 O pobre professor, com o olhar perdido, busca o brilho do entendimento nos olhos dos alunos, mas só encontra o opaco cinza da indiferença. O professor respira fundo. Olha para o relógio e vê que o tempo passou. Olha para a turma e sente que seu tempo passou. Olha para o mundo e vê que os tempos mudaram... Uma pergunta invade a consciência do já combalido professor: “O que eu estou fazendo aqui?” Ele respira fundo e tenta sintetizar o assunto do modo mais prático possível. “Alguma dúvida?” O ar de indiferença é a mais pungente resposta. 

De repente, um aluno sonolento levanta a mão. O mestre acredita que finalmente conseguiu atrair a atenção da turma. Será que virá uma pergunta que inoculará naqueles jovens o interesse pelo conhecimento? Posso ir ao banheiro? Decepção total. Aquelas duas ou três Figuras Estranhas acenam levemente com a cabeça. Eis a recompensa.

 É hora da chamada. Todos querem ser chamados em primeiro lugar. Alguns respondem com um “presente”, outros se limitam a levantar a mão. A maioria nem isso faz. Prefere sobraçar os livros e os cadernos quase virgens e se retiram de modo barulhento.

 Fim de horário. Metade da turma já está longe. A outra metade se prepara para não utilizar aquilo que não quis aprender. Todos nadam contra a correnteza do saber, buscando como tábua de salvação um diploma inflado com a certeza do nada ser.

 Na sala agora quase vazia, resta o que sobrou do mestre. Olhar vazio perdido em si mesmo. A consciência tranquila por ter ensinado trava uma feroz luta com a certeza de que quase nada foi aprendido. 

É hora de tomar um copo d’água e preparar-se para enfrentar outra turma apática. 

Uma nova aula começa...


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*Este artigo de foi publicado, em sua primeira versão no Jornal Pequeno, em 30 de abril de 2009. Após reformulações e acréscimos foi publicado na revista Conhecimento Prático Língua Portuguesa, nº 22, em março de 2010.

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

A ÚLTIMA VIAGEM...

 NOVOS ARTIGOS DE SEGUNDA #08

A ÚLTIMA VIAGEM...

José Neres 



Faz um bom tempo que não comento algum livro por aqui. Não é por falta de vontade, de interesse ou por extremo cansaço. Na verdade, nem imagino a razão. Simplesmente outros temas e assuntos atravessaram meu caminho e foram priorizados.

Porém há momentos em que um livro nos puxa pelo braço e praticamente exige que registremos algo sobre ele. Esse é o caso de A última viagem de Gonçalves Dias e outros contos ( Edições AML, 2024, 152 páginas), o mais recente lançamento do experiente e talentoso José Ewerton Neto, escritor que há muitos anos vem brindando seu público com bons poemas, excelentes crônicas, criativos contos e bem elaborados romances.

O livro é composto de quatro contos - três deles já publicados em outros trabalhos e um inédito. Em cada um dos contos, José Ewerton deixa para os leitores uma sutil lição de escrita e de vida.

No primeiro texto - A última viagem de Gonçalves Dias - fica claro que a construção do texto (muitas vezes) é mais importante que seu desfecho. De modo bastante lírico, mas sem apelar para as facilidades e armadilhas da pieguice, ele traz à tona um hipotético diário no qual um dos marinheiros do navio Ville de Boulogne narra os momentos finais da vida do poeta Gonçalves Dias.

Em uma narrativa ágil, comovente e cheia de detalhes, o contista recorre à busca da verossimilhança para fazer o leitor acreditar que aquele diário realmente existe e que ali há um depoimento histórico. Mas é possível perceber que por trás da narrativa ficcional existe uma grande e minuciosa pesquisa sobre a época em que se passa a história, sobre a linguagem marítima e sobre a vida e a obra Gonçalves Dias. No final, o desfecho é o esperado e já conhecido do público, pois o autor não deseja alterar a história, mas sim preencher as lacunas com sua imaginação e sensibilidade.

No segundo texto do livro - Pequeno dicionário das paixões cruzadas - José Ewerton Neto dá lições de como um acontecimento pode ser narrado de forma criativa. Um caso passional aparentemente corriqueiro e que poderia ilustrar as páginas policiais de um jornal é narrado não apenas a partir de uma ordem cronológica que serve para elucidar a questão, mas também seguindo uma ordem alfabética. O resultado é um envolvente trabalho com a linguagem e com a tessitura de uma trama repleta de peripécias e reviravoltas.

Em Viagem tão longa, o escritor investiu na construção de um impactante desfecho capaz de levar os leitores a uma reflexão acerca das relações parentais e suas fraturas sociais e emocionais, muitas vezes relegadas ao plano de um esquecimento que pode acabar favorecendo a todos os envolvidos. 

Partindo da narração de um passeio de moto entre um filho e um pai, e da conversa que se estabelece entre eles, o conto descamba para uma experiência fantástica na qual as queixas e descasos perdem o sentido diante da inefabilidade das inevitáveis despedidas. É um conto para ler liberando sorrisos e segurando lágrimas.

Finalmente, temos o conto intitulado Volte ao meu romance, um texto escrito em forma de jogo de encaixes no qual histórias paralelas se entrecruzam formando um todo orgânico e muito bem estruturado, com disputas intelectuais, amorosas e um complexo entremear de narrativas que se completam. 

Esse novo livro vem comprovar que José Ewerton Neto é um dos mais criativos prosadores da literatura brasileira contemporânea. Mas é importante também que, no que se relaciona com a literatura, essa criatividade venha sempre acompanhada de um exaustivo trabalho estético na busca da melhor solução possível para cada desafio apresentado pelas personagens e pela história em si. E Ewerton sabe vencer cada um desses desafios.


José Ewerton Neto, Gabriela Lages Veloso e José Neres, na noite do lançamento do livro.


domingo, 20 de outubro de 2024

15. SOUSÂNDRADE

 Neste Dia do Poeta, homenageamos um dos ícones de nossa poesia, o escritor Joaquim de Souza Andrade, qua assinava seus textos como Sousândrade, autor do clássico poema épico Guesa.
Fonte da imagem: Internet 


SOUSÂNDRADE

José Neres 

(Para Sebastião Moreira Duarte)


Sua vida foi um trânsito errante…
Foi ao triste som de selvagens harpas
Que releu Shakespeare, Göethe e Dante,
Em verso digladiou, trocou farpas…

Fez de todo o mundo sua morada
E, em cada viagem, teve rompante
De gênio em busca da frase sagrada
Que eternizasse o tempo num instante.

Sabia de seu lugar no futuro, 
Sabia que o presente é inconstante
Ácido, cruel, estranho e bem duro,

Capaz de fazer Vate delirante 
Comer as pedras de seu próprio muro,
Na condição de mero mendicante.

sábado, 12 de outubro de 2024

14. CONCEIÇÃO NEVES ABOUD

Mais uma homenagem a uma escritora que muito contribuiu para nossa cultura, mas que agora está meio esquecida.


CONCEIÇÃO NEVES ABOUD

José Neres 

(para Inaldo Lisboa)


Por entre seus dedos, um rio fluía…

O “rio vivo” da imaginação.

Ela todos os dias coloria

O mundo com a tinta da ficção.


Belo dia, na Ilha, soprou um vento

E ela, brincando em “ciranda da vida”

Criou as linhas que tecem o tempo

Em obra muito bem desenvolvida.


“Galhos de cedro”, “grades e azulejos

São outros romances seus publicados,

Mas, por falta de verba e de desejos,


Livros como “o preço” foram deixados

À espera de outros melhores ensejos,

Seguindo até esta hora ignorados.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

13 - HUMBERTO DE CAMPOS

 Não me canso de homenagear os grandes escritores de nossa terra. Desta vez, trago o cronista, poeta, jornalista e contista Humberto de Campos, um escritor que marcou uma geração com a força de seus escritos.





HUMBERTO DE CAMPOS

José Neres 

(Para Rinaldo de Fernandes)


As memórias não cabem num diário.

Elas são múltiplas e inacabadas,

São poeiras de vidas relembradas,

São crônicas em busca de um salário.


Tais memórias são lutas reprisadas,

É monstro esperando único sinal

Do tímido garoto Catimbau,

A esperar beijo em faces degoladas.


As memórias são frutos de cajueiro 

Rodando o mundo em latas de conserva,

Revivendo de janeiro a janeiro


Tudo o que vivi em extrema reserva.

Mas eis que tive um sonho derradeiro:

Morrer tendo a verdade como serva.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

12 - CATULO DA PAIXÃO CEARENSE

 Hoje, no dia das comemorações do 161⁰ ano do nascimento de Catulo da Paixão Cearense, deixamos aqui nossa homenagem a esse incrível escritor. 



CATULO DA PAIXÃO CEARENSE 

José Neres 

(Para Vavá Melo)


Da cidade, ele cantou o sertão,

Dormiu e acordou ao som do luar,

Disse às moças as belezas do amar,

Usando apenas a voz e um violão.


Era Catulo da Paixão Cearense 

Grande poeta de imenso talento 

Para criar versos era um portento -

Grande orgulho do povo maranhense…


Catulo foi só poesia e paixão,

Sua obra hoje é livro, peça e canção,

É bom exemplo de boa poesia


Catulo - caso lido todo dia -

Mostra que o mundo é uma explosão

Que toca fundo mente e coração.

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

ESCORAS

Novos artigos de segunda #06

ESCORAS

José Neres 


Chegamos ao fim de mais um período eleitoral. Depois das comemorações, os municípios talvez voltem ao estágio de normalidade. Talvez!

Neste exato momento, todos nós já sabemos o nome de cada um dos eleitos. Não sei se algum dos vencedores voltou às ruas para agradecer pelos votos. Muitos já descobriram que as promessas recebidas nada mais eram do que palavras jogadas ao vento da enrolação. Mas enrolão que enrola enrolão, merece cem anos de perdão. Ou mais! Às vezes, alguém pensa que irá buscar lã e sai de seu hipotético curral eleitoral todo tosquiado. Sem dinheiro, sem votos e como motivo de chacotas. Muitas vezes nem mesmo é convidado para tomar um copo daquela cerveja que ele mesmo pagou.

Não foi nada bonito ver nossas ruas coloridas com os milhares de “santinhos” que foram jogados durante a madrugada. Contudo toda essa sujeira pode dar ao eleitor a agradável sensação de poder pisar na cara daqueles inoportunos sujões que só voltarão a caminhar entre nós no decurso do próximo período eleitoral.

Outro caso interessante é observar como diversos candidatos se escoravam (em alguns casos deu certo!) em pomposos sobrenomes já clássicos nos cenários políticos. Outros se escoravam no poder econômico e na certeza de que aquele voto comprado não seria motivo de veto a seu já encardido nome. 

Houve também quem se escorasse nas sombras de pessoas de renome local, regional, nacional ou até internacional. Os eleitores mais ingênuos chegaram até mesmo a acreditar que aquela personalidade tão conhecida tenha parado por alguns momentos para posar para aquela foto notadamente modificada por algum programa de computador ou, como ocorre hoje, pela Inteligência Artificial. Há quem acredite em tudo!

Claro que houve quem se escorasse em um certo sucesso midiático. “Todo mundo me conhece…”, pensava o inocente candidato (existe essa categoria?) que descobriu, ao ler o relatório final, que não passa de um mero desconhecido com certa mania de grandeza. Megalomania pura ou impura.

Alguns candidatos se escoraram em (in)certas pesquisas sem o menor critério científico e que escondiam a falta de conteúdo com alguns nomes bonitos e palavreado cheio de indecifráveis termos técnicos. “Vi. Não entendi, mas, para não parecer burro, finjo que entendi”.

Principalmente houve quem se escorasse em polpudos fundos partidários, dinheiro coletado em impostos e que virou fumaça ou bens materiais. Já imaginaram se todos esses recursos fossem alocados de forma eficiente para combater a fome, a pobreza, o analfabetismo, as arboviroses, a mortalidade infantil, o abandono dos idosos, a falta de segurança?... Mas isso é um sonho… 

Mas ontem, com a divulgação dos resultados, muitas escoras caíram. E, quando as frágeis escoras caem, surge uma breve oportunidade de o povo observar as escórias que se escondiam por trás delas. 

Agora é respirar fundo e esperar. Daqui a dois anos, muitos desses grandes descobridores de solução para tudo estarão de volta. Beijarão crianças sujas, abraçarão idosos, beberão em copos de plástico, comerão em locais populares e estamparão aquele belo e ensaiado sorriso.

E nós - talvez - estaremos aqui, observando tudo com um sorriso cínico e vendo novas e velhas escoras ruírem ao som de irritantes musiquinhas de gosto duvidoso .

Só esperar!




25 - FERREIRA GULLAR

 Fim de ano e também fim de projeto. Ao longo de vários meses, homenageamos duas dezenas e meia de escritores maranhenses.  Tudo começou qua...