segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

SOBRE A GPTIZAÇÃO DO PSEUDO CONHECIMENTO

 Artigo de segunda #13


SOBRE A GPTIZAÇÃO DO (PSEUDO)CONHECIMENTO 

Imagem criada por Inteligência Artificial - só para provocar 


José Neres 


Nossos pais e avós geralmente nos diziam: “Estude, meu filho, que o conhecimento é a única coisa que ninguém irá tirar de você.” Eram verdadeiros sábios…

No entanto, hoje, quando muitas pessoas acalentam a ilusão de que todo o conhecimento do universo esteja nas pontas dos dedos ou na palma de uma das mãos, torna-se uma tarefa bastante complexa convencer alguém alimentar o cérebro a partir de leituras e de outras atividades mentais.

Deseja “escrever” um projeto para concorrer a uma vaga em um curso de pós-graduação? Aparentemente você nem precisa mais estudar. Basta digitar os comandos corretos e esperar que o texto venha prontinho para colar e copiar, com todas as referências necessárias, claro!

O professor pediu para ler um livro? Nada de perder tempo. Basta jogar o PDF em um aplicativo e extrair um resumo, quem sabe até com os slides que serão usados durante a apresentação do trabalho que não fiz sobre o texto que não li. 

Deseja “criar” um poema, um conto, um livro de auto-ajuda ou mesmo um romance para impressionar as pessoas com seu vasto “conhecimento”? Nada de ser criativo ou de gastar horas e mais horas diante de um teclado. Basta pedir com jeitinho que a Inteligência artificial lhe entregará tudo devidamente organizado e formatado, com capa e tudo, conforme prometem os anúncios propalados nas redes sociais.

Se o objetivo for impressionar alguém durante uma conversa informal, basta - disfarçadamente (ou não) - acionar um dos motores de busca e lá está a informação necessária.

O professor passou aquela atividade, mas você acha que tem coisa mais importante a fazer? Basta apontar seu aparelho para o problema e, rapidamente, a resposta estará diante de seus olhos. Na hora da prova, basta esperar a distração de quem estiver fiscalizando e… zaz… eis a resposta prontinha. Basta copiar.

Até parece mágica… Mas é a tecnologia pronta para poupar seu tempo e seu cérebro, que, por sinal, parece que só tem espaço para decorar a coreografia de algumas dancinhas de poucos segundos e para mandar uma ordem automática para seus dedos correrem sobre a tela de seu dispositivo móvel.

Mas - pelo menos acredito - a culpa não é das inovações tecnologias ou da avalanche de aplicativos e sites que disponibilizam acesso às chamadas Inteligências Artificiais. As tecnologias deveriam ser vistas como elementos facilitadores de execução de algumas algumas tarefas, mas estão sendo utilizadas como substitutas até mesmo das questões mais simples. Mais do que nunca, as máquinas deixaram de ser apenas uma extensão de nossos corpos e passaram a ser os substitutos ideais de nosso cérebro e até de nosso comportamento.

Temos hoje a impressão de que não precisamos mais aprender as tarefas corriqueiras. A convivência diária está sendo substituída pelas curtidas e compartilhamentos daquilo que nos interessa. Mesmo que nem sempre o que postamos esteja pautado no que realmente vivemos. Vendemos para nossos “seguidores” uma imagem que não corresponde ao que realmente somos. Curtimos uma vida que queríamos ter. Aplaudidos e somos influenciados por pessoas que veremos pelo brilho de uma tela.

Há um aplicativo para todas as nossas necessidades, informa a chamada que passa rapidamente por nossos olhos e ouvidos. Criamos ídolos que - depois de mil edições - falam perfeitamente, sabem de tudo, dão as melhores respostas para nossos problemas, pensam por nós, tiram nossas dúvidas, pedem curtidas, compartilhamento, dinheiro e até nossa vida.

Olhamos mais para as coloridas telas dos aparelhos do que para as cores da natureza. Sorrimos mais para uma placa de led ou de plasma do que para as pessoas que cruzam nossos caminhos diariamente. Ouvimos mais os conselhos de nossos “influenciadores” do que a voz de nossos pais, de nossas mães. Nós nos comunicamos mais e melhor com quem está fisicamente distante do que com quem está ao nosso lado, às vezes esperando um sorriso ou uma palavra - que dificilmente virão, já que estamos sempre ocupados e nem temos tempo para nós mesmos. Imagine para os outros. 

Hoje, quando tanta informação está a um clique, parece que as pessoas não sabem o que fazer com os dados que recebem. Difícil guardar tudo em um cérebro já cansado de ser bombardeado com tanto conteúdo. Então, para muitas pessoas, é mais fácil e cômodo poupar as energias e pedir ajuda até para as tarefas mais simples e usuais. 

Possivelmente, daqui a pouco, os pais aconselharão seus filhos da seguinte maneira: “Não estude, meu filho. Não perca seu precioso tempo. Tudo está em suas mãos. Mas cuidado para não perder seu celular, seu tablet ou seu computador. Alguém pode roubar todo esse vasto conhecimento que você (não) tem, mas que é seu”.

Ao desligar o aparelho e tentar olhar para dentro de nós mesmos, iremos conhecer a vastidão do nosso próprio vazio. Mas parece que nem saberemos o que é isso… possivelmente, seremos o próprio vazio sem uma conexão.

Tomara que eu esteja errado!

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