segunda-feira, 16 de setembro de 2024

ELAS INVADEM MINHA MENTE

 Novos artigos de segunda #03

ELAS INVADEM MINHA MENTE 

José Neres 


Não sei se acontece com vocês, mas comigo é muito comum.

Às vezes eu estou quietinho no meu canto procurando um pouco de paz ou executando alguma tarefa cotidiana, quando, de repente, algumas delas saltam do passado e invadem minha mente. Quase sempre fico atônito, sem ter o que fazer. Quase sempre me rendo a elas. Dou uma pausa no que estou fazendo e obedeço as ordens que vêm não sei de onde.

Tudo que sei é que elas quase nunca fazem parte do meu presente. Geralmente vêm de um passado distante do qual nem eu mesmo me lembrava. Mas como são belas! Mas como são boas companhias!

Mas quem são elas. Antigas namoradas que ainda povoam meus pensamentos? Dívidas a pagar? Dúvidas não sanadas? Nada disso… são algumas músicas que não respeitam hora nem lugar e teimam em tocar nos pontos mais recônditos de meu cérebro.

Um dia desses, mal acordei e uma delas veio implorar por um pouco de atenção. Era “Too late for goodbye”, que fez muito sucesso na bela voz de Julian Lennon. Confesso que me senti agradecido por ela ter se lembrado de me visitar. Uma delícia de composição! Se você ainda não a conhece, vale a pena fazer uma busca em um desses aplicativos de música.

Outra que vez ou outra dá as caras é “What a wonderful Word”, imortalizada na voz rouca de Louis Armstrong. Um verdadeiro bálsamo no meio deste mundo caótico.

“Rua Ramalhete”, de Tavito, quase todos os dias aparece em minha mente e fica a me provocar. O interessante é que, quando ela chega, não quer mais sair. Fica dando voltas e mais voltas em meu já cansado cérebro. Quando ela decide partir, deixa um ramalhete de saudades em meu coração, e jura que voltará no dia seguinte. E cumpre a promessa.

Quando meus filhotes eram crianças, eu os colocava para dormir ao som de “Carinhoso”, de Pixinguinha e Braguinha, um verdadeiro hino dedicado ao amor incondicional. Não sei se eles se lembram. Mas não consigo ouvir essa música sem rever a imagem daqueles dois anjinhos sob meu olhar de pai. Imagem sagrada!

Por falar em pai, como não tive a sorte e a graça de conviver com os meus (tive a honra de ter um pai biológico e um de criação - e amo os dois com grande intensidade), sempre recebo a emocionante visita de “Naquela Mesa”, de Sérgio Bittencourt, um clássico na voz de Nelson Gonçalves. Impossível não se emocionar com essa visita. 

Um dia desses, assistindo a um telejornal pelo qual desfilavam problemas sociais, exemplos de corrupção, crimes de todos os tipos e uma série de infelicidades, minha mente foi praticamente invadida pelos inteligentes versos de “A cara do Brasil”, divinamente interpretado pelo magistral Ney Matogrosso. E não é que logo que essa música se despediu, recebi a visita de “ Alvorada Voraz”, estrondoso sucesso do conjunto RPM, capitaneado pela voz de Paulo Ricardo…. Pareceu algo combinado para me mostrar nossa conturbada sociedade contemporânea… mas acho que foi apenas coincidência…

Uma noite dessas, exausto depois de um dia intenso de trabalho, tudo o que eu queria era um pouco de descanso. Eis, que, sem a menor cerimônia, os arranjos de “Capitão de indústria”, dos Paralamas do Sucesso, na voz de Herbert Viana, invadiram minha mente, para fazer com que eu não me esquecesse da minha condição de proletário. Entendi o recado…

E assim, diariamente, essas e outras músicas aparecem para dar um pouco de alento ou para me lembrar de minha finitude humana. Elas são ruidosas companhias das quais não abro mão. E você, caro (e raro) leitor ou leitora, também de vez em quando também tem sua mente invadida por alguns acordes que fazem você perceber que a vida vale a pena


Tomara que sim!

sábado, 14 de setembro de 2024

6 - CELSO MAGALHÃES

 Mais uma vez estamos aqui em homenagem a um escritor maranhense que nem sempre é lembrado. Desta vez, trazemos Celso Magalhães, esse paladino da justiça que enfrentou os poderosos e levou Ana Rosa Ribeiro às barras dia tribunais 

Celso Magalhães foi também um grande pesquisador do folclore brasileiro e deixou, diversos textos em prosa e em versos.




CELSO MAGALHÃES 

(Para Fátima Travassos)


Dia e noite, lutava por justiça.

Apaixonado por literatura,

Fez da cultura sua irmã postiça

E da palavra uma eterna armadura.


Sua vida foi curta e muito dura.

Antes das três décadas completadas

Cruzou caminho de vil criatura

Que matava inocentes a garfadas.


Patrono do Público Ministério 

De sua província tão bem querida

Onde lutou contra cruel império,


Onde teve sua honra tão ferida,

Onde já recebeu tanto impropério,

Onde sua obra é tão esquecida…

terça-feira, 10 de setembro de 2024

5 - MARIANA LUZ

 MARIANA LUZ

Dando continuidade ao projeto de homenagear os autores maranhense que acabaram caindo no esquecimento, deixamos aqui o texto relativo à escritora itapecuruense Mariana Luz, autora do livro Murmúrios


Imagem retirada da Internet


MARIANA LUZ

José Neres


(Para Jucey Santana)


Ela se chama Mariana Luz,

Escritora de brilho grandioso,

De estilo bem límpido, poderoso

Que muito encanta, sempre nos seduz.


Foi mestra de fibra, mulher de garra.

Na vida, a pobreza foi sua cruz,

Mas tinha no peito um nome - Jesus…

Virou dona Professora-Cigarra…


Dizem que sua obra nem foi tão vasta,

Mas, pra ser poeta, um bom verso basta,

Desde que tenha a força do mercúrio,


Que seja suave como um Murmúrio,

Que seja uma pedra que só se engasta

Onde tênue fresta de luz se arrasta.


domingo, 8 de setembro de 2024

O NOVO LIVRO DE BENEDITO BUZAR

 NOVOS ARTIGOS DE SEGUNDA #02


O NOVO LIVRO DE BENEDITO BUZAR

José Neres

 

Mesa composta por Benedito Buzar, Lourival Serejo e Claunísio Amorim

                Na noite de 05 de setembro de 2024, na sede de Academia Maranhense de Letras, diante de mais de uma centena de pessoas, o jornalista e escritor Benedito Bogéa Buzar apresentou ao público seu novo livro, intitulado Roda Viva – 1972, dividido em dois volumes (o primeiro com 373 e o segundo com 426 páginas, perfazendo um total de 799 páginas), no qual faz um mergulho nos movimentos sociais, políticos e culturais daquele ano e traz de volta aos olhos do público, mais de meio século depois, algumas notícias que frequentaram as páginas dos jornais maranhenses.

                Muitas das pessoas presentes na plateia viveram a época retratada no livro e possivelmente leram as notícias e observações que eram publicadas em uma das mais importantes colunas políticas da história do jornalismo maranhense. Outras, porém, nem eram nascidas quando aquelas linhas foram escritas divulgadas. De qualquer modo, agora, com a publicação desses textos no formato de livro, torna-se possível um breve retorno no tempo para que todos possam (re)ler e analisar – sem as paixões, temores e tremores da época – alguns detalhes que talvez não tenham chamado tanto a atenção no momento em que frequentaram as páginas dos jornais.

                O estilo elegante e escorreito de Benedito Buzar chama a atenção do leitor desde as primeiras linhas do livro. As frases são breves e refletem exatamente aquilo que o escritor “quis dizer” em determinada situação. Ao passar os olhos pelas notas, artigos e observações que compõem o material recolhido, temos a impressão de entrar em um túnel do tempo e reviver algumas passagens e acordos que foram decisivos para a compreensão de diversos pontos das conjunturas políticas atuais. Interessante que, quando nos deparamos com livros dessa natureza, percebemos a quantidade de acontecimentos que passam por nós de modo aparentemente imperceptível, mas que impactam diretamente na vida de cada um de nós.

                O editor e organizador da obra – o historiador Claunísio Amorim – foi muito feliz em dividir a obra em dois volumes, em não censurar passagens que hoje poderiam parecer comprometedoras e em organizar o texto dia a dia. Com isso, o leitor tanto pode ir direto a determinada data de interesse, como pode também seguir a linha cronológica e mergulhar nos altos e baixos da vida social-cultural-política daquele início de década de 1970, época de profundas transformações em todas as esferas da vida pública do Maranhão e do Brasil como um todo.

                Provavelmente, durante a leitura de Roda Viva – 1972, alguns leitores poderão considerar uma ou outra passagem desnecessária e/ou supérflua. Mas é importante notar que, quando foi publicado em jornais, aqueles textos faziam parte de um painel prismático que trazia em seu bojo diversos interesses. Desse modo, ao serem lidas, mais de cinquenta anos depois, cada uma dessas notinhas pode despertar emoções e interesses também distintos, podendo todo mundo sentir-se contemplado em alguma página. Assim, quem tiver interessado nas mudanças paisagísticas da cidade poderá encontrar algumas preciosas observações; quem tiver como foco de pesquisa a educação poderá se deparar com o tom crítico, e até certo ponto desesperançoso, de Buzar com relação aos aspectos educacionais do período descrito. Da mesma forma, o livro pode atingir pessoas interessadas em política, economia, sociedade em geral, literatura, picuinhas e articulações eleitoreiras, personalidades, querelas jurídicas etc. Tudo isso e muito mais tem presença garantida nas quase oito centenas de páginas que compõem a obra.

                A parte ruim do livro é que ele desperta no leitor o desejo de saber como se desenrolaram algumas questões que tiveram início naquele ano, mas que devem ter se arrastado por meses a fio. Fica então duas soluções para equacionar esse problema: 1) frequentar a hemeroteca da Biblioteca Pública Benedito Leite para ler a coluna nos jornais dos anos seguintes; ou 2) torcer para que os demais volumes não demorem muito a chegar em nossas mãos. Certamente eles serão recebidos com o mesmo entusiasmo e com os aplausos que iluminaram o são nobre da Academia Maranhense de Letras. Parabéns ao escritor e jornalista Benedito Bogéa Buzar, por deixar esses registros para a posteridade!


CLIQUE AQUI e leia o artigo anterior





sexta-feira, 6 de setembro de 2024

4 - ADELINO FONTOURA

 Continuando no projeto de homenagear alguns escritores maranhenses que acabaram caindo no esquecimento, trazemos hoje o poeta, ator e jornalista Adelino Fontoura, que apesar de haver vivido apenas 25 anos, deixou-nos alguns poemas interessantes


ADELINO

(Para José Ewerton Neto)


É Filho ilustre da bela Axixá,

Foi jornalista, poeta e ator,

Perseguido por pensar e falar,

Usou ironia como arma e motor 


Nos palcos contra forte opositor,

Cuja esposa gostava de matar

Crianças com garfos, ódio e terror,

Como forma do espírito acalmar.


Mesmo esquecido quase por inteiro,

Da ABL é patrono primeiro.

“Antes de partir”, fez celestes versos


Que por aí continuam dispersos.

São sonetos e trioletos certeiros

Desse esquecido vate brasileiro.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

O PRÓPRIO NOME PRÓPRIO

 NOVOS ARTIGOS DE SEGUNDA #01

O PRÓPRIO NOME PRÓPRIO

José Neres

 


                Não consigo parar de admirar quem, mesmo diante das adversidades, não deixa de se preocupar com seu próprio nome. Não falo aqui do nome como sequência de letras e sílabas, nem como forma regimental de apresentação ou de preenchimento de fichas e documentos. Falo do nome como algo que vai além das palavras, que vai até mesmo além da própria pessoa representada por aquela complexa cadeia fonêmica. Falo do nome como fonte de história e de orgulho de ser aquilo que tanto lutamos para ser.

                Em muitos momentos de nossa conturbada vida, tudo o que temos para nos proteger das intempéries sociais é o nosso próprio nome. A certeza de que ele é limpo e capaz de nos elevar à condição de semideuses, mesmo que nossos bolsos e bolsas estejam vazios e sem perspectiva de receberem algum centavo nos próximos dias. A sensação de dormir bem, sem a preocupação de ser acordado às seis da manhã sob a ameaça de um mandado de busca e apreensão ou sob acusações difamatórias, faz a pele ficar mais suave e rejuvenesce até mesmo um corpo cansado das lides diárias em busca da sobrevivência.

                Há quem, talvez movido por questões estéticas, não goste do próprio nome. Mas é sempre bom lembrar que nosso nome foi um presente carinhosamente oferecido por nossos pais ou por alguém que nos amava de verdade e que, naquele momento, achou aquele nome bonito, sonoro e perfeito para oferecer para uma criança que acabava de chegar ao mundo. A nosso nome, bonito ou feio, estão as marcas de uma história que, si-len-ci-o-sa-men-te, se repete cada vez que somos chamados.

                Você ainda se lembra do frio na espinha quando nossa mãe nos chamava pelo nome completo? Geralmente, ela o pronunciava pausadamente, sílaba por sílaba. Uma coisa era certa: Havíamos aprontado alguma coisa. E – pior! – ela havia descoberto algum de nossos deslizes. Garanto... Se você já não pode ter esses entes queridos a seu lado... como seria bom tê-los novamente pronunciando aquele nome e dando aquela bronca caprichada. Mas... nem sempre isso é possível. Infelizmente...

                Nomes são perigosos. Na escola, entre os meninos principalmente, quando o nome da mãe de um deles era descoberto, tinha início uma série de brincadeiras (quase todas de mau gosto) que na época eram tidas como algo grave, mas que hoje talvez arranque belas gargalhadas quando aqueles colegas de escola se encontram já com cabelos brancos ou, quem sabe, já sem cabelos a ostentar.

                Por falar em escola, nem sempre nos lembrávamos do nome dos professores na hora de preencher o cabeçalho das provas. Ali não havia João, Maria, Juarez, Paula, Francisco... Todos eram nominados como o professor de Matemática, a professora de Português, o professor de Inglês... e assim por diante. Por outro lado, em muitas escolas, a chamada era feita por número. Número 01 – presente; Número 02 – Número 03 – faltou; Número 04... Dessa forma, quando um professor ou professora nos chamava pelo nome, isso poderia indicar a glória: - “Ele sabe quem eu sou!!!” Ou o fim de uma carreira de bagunça: -“Meu Deus, ele já sabe meu nome, estou frito!!!”

                De alguma forma, tudo começava com um nome. Com um nome que precisa ser preservado das más influências e dos usos inadequados. Fizeram bem em, na hora da eleição, deixar apenas um número frio e opaco. Porém, digitado o número, antes da confirmação, o que temos ali na tela é uma imagem e um nome. Às vezes dá vontade de chorar: Por trás de um nome tão pomposo se esconde tanta sujeira! Será que você se lembrará daquele nome daqui a dois, quatro ou seis anos? Talvez sim, talvez não. Será que nas próximas eleições o seu nome, hipotético (a)leitor ou (e)leitora, ainda continuará puro e limpo? Ou ele estará contribuindo para sujar ainda mais nossa cidade ao ser impresso e distribuído em forma de abjetos “santinhos”, que de santo nada tem.

                Não consigo parar de admirar quem, mesmo diante de adversidades, sabe que seu nome não pode ser arrastado pela lama da perdição, da corrupção ou de um mau uso. Nosso nome é parte de nossa história. Falo de nosso nome, um tesouro que não pode ser corrompido.

domingo, 1 de setembro de 2024

3 - Odylo Costa, filho

 Continuando no intuito de homenagear escritores maranhenses hoje esquecidos, apresentamos abaixo o jornalista, poeta e pesquisador Odylo Costa, filho. Escritor muito festejado que fez parte da Academia Brasileira de Letras


ODYLO 

(Para Dino Cavalcante)


Vírgula em nome é coisa de estranhar,

Mas estranho mesmo, em terra de cultura,

É ver um órgão que tinha estrutura

Viver abandonado ao Deus-dará.


O talentoso Odylo Costa, filho, 

Jornalista, poeta, prosador,

Dedicou a Nazaré, seu grande amor,

Mil poemas de superior brilho.


De estilo leve, claro, encantador,

Uma faca e um rio eternizou,

Bem como bichos que moram no céu…


Grande Centro Cultural se tornou:

Homenagem que ficou no papel 

Pois o Centro, há tempos, vive ao léu.





quarta-feira, 28 de agosto de 2024

2 - HEMETÉRIO DOS SANTOS

 

Prosseguindo com nosso intuito de homenagear alguns escritores maranhenses que, por algum motivo, caíram no esquecimento, trazemos hoje o professor e poeta Hemetério José dos Santos, um dos grandes nomes da Educação brasileira.

HEMETÉRIO DOS SANTOS 

José Neres 


Para Helena Mendes


Doutor Hemetério José dos Santos,

Professor de inúmeras gerações,

Enfrentou risos e provocações,

Reagiu fazendo versos e cantos.


Foi de gramática bom professor,

Corrigia demônios e até santos

Jamais encobria falha com mantos…

Fez de suas aulas cântico de amor. 


Mas não pôde fazer tudo o que quis …

Cedo deixou Codó - terra raiz -

E, brilhante, até o rei encantou


Na terra pela qual se apaixonou, 

Porém ali teve atrito infeliz

Ao confrontar o Machado de Assis.

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Firmina - Música

 


Utilizando a Inteligência Artificial, já que a minha é naturalmente problemática para as questões musicais, transformei o poema "Firmina" em um reggae.

Vejam o resultado no link abaixo 



domingo, 25 de agosto de 2024

1 - Laura Rosa

 


Laura Rosa 

(Para Natan Campos)

   

Em um campo laureado de rosas

Uma violeta desabrochou.

Quando criança, um dia chorou

Falta de pai, de frases carinhosas.


Mãe afetiva pra escola a levou

Ali encheu cadernos de leve prosa

Construiu castelos no ar, airosa,

“Promessas” em ondas do mar gravou.


Boa prosa, refinados versos criou.

A ensinar, toda a vida dedicou.

Escreveu para adulto e pra crianças…


Ao partir, deixou rastros de esperanças

Plantados em nulo mar de esquecimento

Em versos de sal, cal e cimento.


(José Neres - 24.08.2024)



Instado pelo professor e poeta Natan Campos, escreverei uma série de "Sonetos" sobre escritores maranhenses que caíram no esquecimento. Temos acima o primeiro texto.

sábado, 24 de agosto de 2024

artigo 2 - AS ÚLTIMAS LINHAS DE JOÃO UBALDO RIBEIRO

 

AS ÚLTIMAS LINHAS DE JOÃO UBALDO RIBEIRO

José Neres

(Professor, Membro da AML, ALL, APB e da Sobrames-MA)

 



                Acredito que todas as pessoas apaixonadas pela literatura devam passar por inúmeros momentos de infidelidade literária, ou seja, apaixonamo-nos hoje pela obra de um escritor ou de uma escritora, pensamos que ali naquelas páginas está nosso par perfeito. Porém, dias, semanas, meses ou mesmo horas depois, somos apresentados a outros livros, a outros estilos, a outros escritores e mergulhamos em uma nova paixão, muitas vezes avassaladora.

                Ao longo de minhas tantas décadas de leitura já me vi encantado por dezenas de autores e autoras que acabaram fazendo parte de minha vida, já que, no caso das infidelidades literárias, não é possível abandonar a paixão antiga só por estarmos flertado com um novo alvo de atenções. Nada disso! Sempre é possível dividir-se entre várias paixões sem prejuízo para nenhuma delas. Talvez apenas nosso bolso sinta os impactos dessas visitinhas às muitas estantes de nossas poucas livrarias.

                Clarice Lispector, Fernando Sabino, Assis Brasil, Ferreira Gullar, Carolina Maria de Jesus, Mario Quintana, Carlos Drummond de Andrade, Lygia Fagundes Telles, Laura Esquivel, Umberto Eco, Ítalo Calvino, Antonio Buero Vallejo, Franz Kafka, Aluísio Azevedo, Chimamanda Ngozi Adichie, Josué Montello, José Chagas, Pepetela, Cecília Meireles, João Guimarães Rosa, Tolstoi, Bram Stoker, Lima Barreto, Machado de Assis, Isabel Allende, Waldemiro Viana, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Castro Alves, Patativa do Assaré, Mia Couto, Agatha Christie, Graciliano Ramos, Jorge Luis Borges, Nelson Rodrigues, Rachel de Queirós, Humberto de Campos, Murilo Rubião e Rubem Fonseca são algumas das inúmeras e silenciosas testemunhas desses muitos momentos em que foi impossível aceitar ter apenas uma companhia.

                Nesse rol posso adicionar o nome do baiano João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), escritor que chamou minha atenção desde 1999, quando li A Casa dos Budas Ditosos, que à época fazia parte da Coleção Plenos Pecados. (Nota triste: Uma antiga aluna pediu esse livro emprestado e nunca mais apareceu em sala de aula. Dizem as más línguas que ela fugiu com o namorado para outro estado. O amor é lindo, mas bem que poderia ter devolvido aquele belo livrinho de capa vermelha e o nome luxúria em alto-relevo). Possivelmente como forma de me livrar desses traumas, recentemente comprei esse livro em nova edição, mas não tem o charme da edição original. Acho que o trauma continua.

                Alguns anos depois, em um dos meus aniversários, a querida amiga Geusiléia Silveira me presenteou com um exemplar de O Conselheiro Come, um belo livro de crônicas de João Ubaldo Ribeiro e que leva o leitor a refletir sobre como o intelectual é tratado em nossa sociedade. Reli esse livro diversas vezes e sempre o recomendo para quem gosta de entrar em contato com um estilo ágil, bem-humorado e carregado de ácidas ironias.

                A partir desse momento, esse escritor começou a ter lugar garantido em minha sempre abarrotada mesa e em minhas estantes. Vez ou outra revisito, limpo e folheio A arte e a ciência de roubar galinha, O rei da noite (que tenho, mas confesso que não li ainda),  Setembro não tem sentido (livro de estreia de Ubaldo), Viva o povo brasileiro (um clássico!), O sorriso do lagarto (que fez sucesso também em sua adaptação para a TV), Sargento Getúlio (sucesso também nos cinemas), Miséria e grandeza do amor de Benedita (esquecido e até mal falado, mas que é meu preferido),  Diário do Farol (gostei bastante!), Vencecavalo e o outro povo (maravilhosa alegoria sobre os tempos e a política atual), livros que dificilmente serão emprestados!

                Recentemente, fiquei sabendo que à época de seu falecimento, o escritor baiano preparava um livro que traria diversos contos ambientados no Leblon, bairro onde o autor de O Feitiço da Ilha do Pavão morou por cerca de duas décadas e que ele conhecia profundamente. Desses contos, apenas dois haviam sido completados e foram publicados sob o título de Noites Lebroninas (Editora Objetiva, 2018, 103 páginas). Não pensei duas vezes, pedi o livro e quando o gentil rapaz dos Correios tocou a campainha e entregou a encomenda, iniciei a leitura.

                Claro que não irei aqui contar detalhes dos dois contos que compõem o livro, não irei fazer os chamados spoilers, como dizem os jovens de hoje. Irei apenas contar alguns breves detalhes para conduzir quem nunca leu esse autor pelas veredas de sua prosa bem articulada. Mas posso afirmar que nesse livro João Ubaldo Ribeiro continuou fazendo o que sempre fez de melhor: destacou em cores vivas tipos comuns que poderiam passar despercebidos em uma saga, mas que mereceram a atenção de um escritor que dominava a técnica da construção de personagens.

                Nesse livro infelizmente incompleto, o leitor irá encontrar, no conto que dá nome ao livro, um porteiro que frequenta uma festa de pessoas ricas, um médico que ganha dinheiro apostando sobre a sobrevivência ou não de seus pacientes, além de muitas outras peripécias. No segundo texto – intitulado O Cachorro Falafina e seu Dono Dagoberto (um dos melhores contos que li recentemente) – temos um cachorro que tem a capacidade de escolher os parceiros de seu dono e que é capaz de tudo para proteger aquele que considera como grande amigo. O enredo é interessante e a execução foi primorosa.

                No prefácio do livro, Geraldo Carneiro lembra que “João Ubaldo Ribeiro é sempre um humorista” e que o escritor baiano “construía seus livros de forma peculiar. Primeiro escolhia o título. Depois, a epígrafe. Por fim, começava a escrever o primeiro parágrafo”, sem ter um plano exato de como chegaria à conclusão de seus textos. Possivelmente ele nem precisasse mesmo desses planos, tinha habilidade suficiente para conduzir suas personagens pelas muitas trilhas pelas quais um escritor menos experiente poderia se perder.

                No final da leitura fica o desejo que jamais será realizado de saber como seriam os demais contos desse livro que marca a despedida de um mestre da literatura brasileira.

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

TEMPO

 TEMPO

(José Neres)


O tempo é um rio em minhas veias.

Enfrenta mil pedras e montanhas

Silencia a dor das próprias entranhas

E não se perde nas curvas das teias.


E comemora cada meu suspiro

Com grito silencioso e duro.

Assim, sem ser verde, fico maduro

Chorando para dentro em vão retiro.


O tempo me deu tudo o que não tenho

Por ele só passo, não me detenho…

Ele lembra tudo, de nada olvida,


Para agradá-lo vivo em pleno empenho,

Sendo sabedor de que de onde venho

Brota um rio a devastar minha e vida.

domingo, 18 de agosto de 2024

Firmina

 FIRMINA


Em uma das mãos, triste flor suspensa;

Na outra suspende solitário livro;

A seus pés, toda uma obra imensa

Lembra o tempo usando um eterno crivo.


A praça guarda história intensa:

Dor, olvido, gritos de compaixão…

Uma negra que todo dia pensa 

Em perder seus filhos pra escravidão.


Úrsula e Tancredo bem  ali estão 

Eternizados em suave história 

De dor, morte, desespero e paixão.


Gupeva ali vive em cada memória,

E aves lá cantam todas as manhãs 

Louvando a Firmina de Guimarães.


(José Neres)


domingo, 11 de agosto de 2024

Artigo 1 - UM TRAÇO PECULIAR DE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE

 

ARTIGO DE SEGUNDA #1

 

UM TRAÇO PECULIAR DE CATULO DA PAIXÃO CEARENSE

José Neres




                Filho do casal formado por Amâncio José da Paixão da Silva, que depois retirou o Silva e adicionou sua alcunha Cearense ao nome, e da senhora Maria Celestina Braga da Paixão, Catulo da Paixão Cearense veio à luz, segundo seu biógrafo mais recente – Luiz Américo Lisboa Junior - em 31 de janeiro de 1866. Sobre sua data de nascimento, é importante lembrar que há informações diversas espalhadas em livros, jornais e em páginas da internet. O poeta do Luar do Sertão, ao falecer em 10 de maio de 1946 – em um domingo de Dia das Mães – era reconhecido, amado pelo público e aclamado pela crítica.

                Autor de obras memoráveis, como Meu Sertão, Sertão em Flor, O Evangelho das Aves, O Sol e a Lua e Um Boêmio no Céu, Catulo da Paixão Cearense, seja com seus poemas em livros, jornais e revista, seja com suas composições musicais, encantou diversas gerações de amantes das letras e até hoje é visto como exemplo de poeta que sabia utilizar com perfeição tanto a escrita gramaticalmente escorreita quanto as variantes sertanejas. Composições suas, como Luar do Sertão, A Flor do Maracujá e Flor Amorosa já foram diversas vezes regravadas por intérpretes dos mais variados estilos musicais.

                Embora tenha sido recorrentemente instado a candidatar-se a uma vaga na Academia Brasileira de Letras, o poeta-compositor por diversas vezes deixou claro que não tinha disposição para pedir votos. No entanto, em 1946, ao ser sondando pelo escritor José Nascimento Morais, que à época estava à frente da Academia Maranhense de Letras, o autor de O Boêmio no Céu aceitou fazer parte da Casa de Antônio Lobo, sendo eleito para a Cadeira nº 9, em sucessão ao poeta Inácio Xavier de Carvalho, mas não chegou a tomar posse fisicamente, pois, mesmo tendo elaborado um singelo discurso, faleceu antes da cerimônia, sendo reconhecido postumamente como membro da AML.

                Em homenagem a toda a trajetória artística de Catulo, a revista A Noite Ilustrada dedicou-lhe uma edição especial com 38 páginas nas quais praticamente todas as facetas da vida e da obra do grande poeta maranhense foram analisadas.

                Porém, mesmo cercado de glórias, admirado por uma multidão e reconhecido como um dos grandes artistas brasileiros, há uma particularidade de Catulo da Paixão Cearense que chamava a atenção de alguns de seus contemporâneos: um narcisismo que beirava a megalomania com relação à sua obra. Até mesmo alguns de seus maiores admiradores se sentiam incomodados com essa característica do autor de Marrueiro, como é o caso do crítico literário Agrippino Grieco e do polígrafo Josué Montello.

                Em um capítulo de seu livro Poetas e Prosadores do Brasil (Conquista, 1968, 288 páginas), Grieco comentou que, quando cantava ou recitava na residência de algum amigo, Catulo exigia silêncio absoluto e não permitia que outro poeta ou cantor fizesse uso da palavra. Exigia exclusividade. O famoso crítico chegou a afirmar que Catulo “colocou seu talento acima da formosura das mulheres, proclamava que neste país nunca viu bardo superior, nem mesmo Castro Alves, que não lhe possuía senso filosófico, e, na língua portuguesa em geral, achava-se superior ao próprio Guerra Junqueiro, dizendo que os Simples deste não valiam o seu Evangelho das Aves” (pág. 57). Agrippino Grieco credita esse narcisismo de Catulo a uma espécie de inocência e de uma cândida vaidade, mas não deixa de lembrar que, caso tivesse poder, Catulo “arranjaria uma nova Inquisição, um auto-de-fé implacável para os demais autores” (pág. 57).

                Um episódio ocorrido em 1937 envolvendo Catulo da Paixão Cearense e Agrippino Grieco é comentado por Josué Montello no livro Baú de Juventude (Edições AML, 1997, 78 páginas). Em seu artigo, que foi inicialmente publicado logo após o passamento do vate maranhense, o autor de Cais da Sagração descreve Catulo como sendo “um velho baixo, de cabeça completamente raspada, metido numa roupa branca malamanhada, [com] o nariz recurvo, aparando o aro de tartaruga dos óculos avantajados” (pág. 35). Segundo Montello, naquele dia, em plena livraria, o autor de A vaquejada tentava convencer o crítico de que ele – Catulo – era o maior poeta do mundo. Como Grieco relutava em aceitar essa imposição, o poeta começou a declamar em voz alta seus versos. Baldadas suas investidas, saiu dali contrariado.

                O narcisismo literário de Catulo era tão visível que tanto Josué Montello quanto Agrippino Grieco recorrem a alegorias semelhantes para demonstrá-la. O primeiro diz que chegando ao céu, o bardo maranhense irá tentar apresentar-se como o maior poeta de todos os tempos. Caso São Pedro não se convença disso, “o poeta recitará seus versos. Se São Pedro mesmo assim contrariar-lhe o julgamento, Catulo apelará para o violão” (Pág.  37). Já Grieco, de modo mais ácido e irônico, escreveu o seguinte em seu artigo: “E estou a vê-lo à entrada do Paraíso, dizendo com a máxima naturalidade ao Padre Eterno: ‘Bom dia, caro colega!’”. Interessante notar que o embate entre o poeta e São Pedro é o mote da excelente peça Um Boêmio no Céu, uma das obras-primas da dramaturgia brasileira, mas que há tempos se tornou uma obra rara e sem reedições.

                Apesar de suas extremadas catulices megalomaníacas, poucos foram o que negaram o talento desse bardo maranhense que fez muito sucesso em vida, mas que, conforme vaticinou Humberto de Campos, acabou caindo no esquecimento, infelizmente. Talento nunca lhe faltou. Quanto à modéstia... deixemos para lá!

domingo, 5 de maio de 2024

O professor-Mendigo


Escrevi esse texto há três anos, em plena pandemia. Infelizmente, parece que ele continua atual.


O Professor-Mendigo 

Quase sempre, quando se fala em ser (ou às vezes estar) professor, vem à mente de muitas pessoas a ideia de um profissional  humilde, com baixíssimo salário, pouca perspectiva de melhorar de vida, etc.  Talvez um mendigo graduado com curso superior.

Mas não é desse tipo de mendicância de que trato aqui nestas linhas que possivelmente serão lidas por uma quantidade mínima de bons e de boas amigas.

Mesmo merecendo bem mais do que recebe, o professor tem peregrinado constantemente por outro tipo de mendicância tão incômoda  quanto a de esticar a mão em uma esquina na esperança de receber uns trocados, com a garantia de muitos "nãos".

Em muitos casos, o professor, em plena consciência de seu ofício tem pedido, clamado e até mesmo implorado para que seus alunos estudem, prestem atenção para as aulas, peguem um livro, faça suas anotações, exponham suas dúvidas... etc... etc... etc...

Seja em aulas presenciais, seja em aulas por mediação de computadores, tablets, celulares e demais aparatos tecnológicos, o professor tem vivido em uma espécie de solilóquio na qual muitas vezes nem mesmo o eco rouco e soturno das paredes tem chegado até ele.

Diante de microfones silenciados, câmeras desativadas, ouvidos e olhos vedados, cadernos quase virgens, livros sem marcas de uso e cobranças de todas as partes possíveis,


o professor reza, ora, clama e suplica para que um de seus alunos saia da caverna metaforizada por Platão e faça pelo menos uma pergunta que o faça sentir vivo diante da frieza das máquinas. Ele sonha com o dia em que haja o tão esperado encontro entre pelo menos dois mendigos: um que mendigue o direito de ensinar e outro que mendigue o direito de aprender.

Quando será que esse encontro ocorrerá? Será que tem ocorrido e não temos notado? Ou será que tudo não passa de uma quimera?

Enquanto isso, na dúvida, o professor tenta curar suas necessidades mergulhando na ilusão de que tudo está bem neste tal de "novo normal", em que é tão normal um rico mendigo oferecer seu bem mais preciso e notar que conhecimento é um produto aparentemente descartável e fora de moda. Os valores são outros. As necessidades parece que são outras.

E a sociedade empobrece a cada dia. Mas o bom professor continuará mendigando por ouvidos e olhos que queiram ver além das aparências.

25 - FERREIRA GULLAR

 Fim de ano e também fim de projeto. Ao longo de vários meses, homenageamos duas dezenas e meia de escritores maranhenses.  Tudo começou qua...