domingo, 24 de agosto de 2025

UM CORDEL PARA GULLAR

Novos artigos de segunda #46

Fonte da imagem: arquivo do autor



Em 10 de setembro de 2025, o poeta Ferreira Gullar completaria seus 95 anos de vida. 
Adianto aqui minhas homenagens a esse grande escritor brasileiro com o singelo texto em versos que apresento abaixo.



FERREIRA GULLAR
José Neres 

Amigo, pare um pouco,
Quero com você falar…
Não. Não se faça de mouco
Para o que vou lhe contar.
Mesmo estando eu muito rouco,
Ainda posso narrar

A história de um poeta 
Nascido em nossa São Luís,
Terra boa e bem discreta,
Com gente boa e feliz,
Mas dita, à boca secreta,
Como grande meretriz.

 
Numa bela quarta-feira,
Um vagido de verdade,
Cancelou a gafieira…
O nome da novidade?
José Ribamar Ferreira…

Era setembro de trinta
Do século que engrenava
Sob pouco pão, muita cinta
Que do governo chegava.
Com uma demão de tinta,
Todo povo se enVargava.

Foi garoto bem franzino 
Dono de boa memória,
Que carregava um destino
Prenhe de tão bela história 
E que desde pequenino
Sonhava já com a glória.

José Ribamar Ferreira
Virou Ferreira Gullar,
Enfrentou tanta barreira
E teve que se mudar
De sua terra primeira 
Para no Rio morar.

E no Rio de Janeiro 
Logo ele se destacou.
Com texto leve e certeiro, 
Em uns jornais trabalhou.
Não ganhou muito dinheiro,
Muitos textos publicou…

Porém, antes de partir
Do seu grande Maranhão,
Começou a produzir 
Seus versos em profusão,
Conseguindo imprimir 
“Um pouco acima do chão”.

Foi esse livro primeiro
Por bom tempo renegado,
Mas hoje está por inteiro
Como parte do legado
Do poeta brasileiro
De cabelo prateado.

Com “A luta corporal”
Ganhou notoriedade
Em nível nacional,
Tornando-se autoridade
Em verso experimental
Com enorme densidade.

Perseguido no País,
O Poeta foi exilado.
Não podia ser feliz
Sem a família a seu lado.
Não fez tudo o que ele quis
E se via abandonado.

Se escondeu em meio mundo
Do Regime de Terror,
Foi com um pesar profundo
Que ele encarou o pavor
Estampado no olhar fundo
Da senhora e do senhor.

Em tempos de ditadura 
Poetar é perigoso
Mas, paciente, ele atura
O perigo tenebroso.
Teve uma vida tão dura
Por não ter sido medroso.

Na Argentina exilado,
Triste qual um caramujo,
Pela dor foi assaltado
Numa noite de escabujo,
Sendo ali logo gestado
O nosso “Poema Sujo”...

O poema genial
Pelo mundo viajou
E serviu como canal
Por onde logo passou
Pra liberdade formal
De quem o idealizou.

De volta ao país amado
Não deixou de produzir,
Sendo muito procurado 
Por quem queria ouvir
Sobre o regime nublado
Que começava a ruir.

Dentro da noite veloz 
Mora nossa solidão 
Que, como chicote atroz,
Levanta o pó do chão ,
Ecoando nossa voz
Para além da escuridão.

Gullar jamais se calava.
Se podia protestar,
Logo um verso rabiscava
Pra poder denunciar
O crime que ameaçava 
Seu povo aprisionar.

Em seus versos de cordel
Muitas coisas criticou.
Não aceitava o bordel
Que o Brasil se tornou.
Seus versos eram tropel
Que o marasmo atropelou.

Foi poeta de vanguarda,
E foi com todo otimismo
Que ajudou na salvaguarda
Das ideias do Concretismo, 
Que não quis vestir a farda
De caro e mero modismo.

Gullar, poeta de luta,
De Poesia verdadeira,
Tecia arte com labuta,
Lutava contra a bandeira
Que tratava como puta
“A miséria brasileira”.

Mesmo sabedor de que
Dois e dois são sempre quatro
Nunca admitiu o porquê 
De faltar feijão no prato
E do pobre pertencer
Sempre ao mais cruel estrato.

Homem de muito talento,
Gullar foi compositor.
Rimou dor e sofrimento,
Seja do jeito que for,
A traduzir sentimento
Numa borbulha de amor.

Fez cantiga “Bela, Bela”,
Onde sempre se respira
Um cheiro de barco à vela
Em tanta nota que inspira 
Viajar de caravela
No “Trenzinho do Caipira”.

Foi pensando na criança,
Que já não lê mais como antes,
Que tão pleno de esperança 
adaptou nosso Cervantes -
Quixote com sua andança,
Tornando perto o distante.

Carregado de carinho,
Transformou seu companheiro -
Gato chamado Gatinho -
Em personagem inteiro.
Em tão formoso livrinho.
Eternizou seu parceiro.

As crônicas de Gullar
Sempre foram apreciadas.
Permitem perambular 
Por épocas variadas 
Deixam-nos deambular
Sem atravessar calçadas.

Também às biografias
Seu Gullar se dedicou.
Antônio Gonçalves Dias 
Ele já biografou,
Vida, obra e poesias
Com precisão analisou.

Sobre Nise da Silveira 
Um belo texto escreveu.
A médica brasileira 
Todo aplausos recebeu 
Por ser uma pioneira
Na ciência que escolheu.

Para não virar joguete
Em bocas impiedosas,
Em um “Rabo de foguete”,
Bem descoberto de rosas,
Ofereceu em banquete
Mil histórias gloriosas.

Numa prosa criativa
Inventou cidades mil.
Em mágica narrativa,
Ele relata o que viu
De forma figurativa 
Dentro e fora do Brasil.

Lírica ou social
A poesia de Gullar
Tem um tom universal.
Está em todo lugar.
É bem viva, seminal,
Rica, bem peculiar.

À ABL pertenceu
Um pouco antes de partir.
Seu fardão mereceu
Para sempre possuir
Pelas obras que escreveu 
Por seu jeito de existir.

Foi grande crítico de arte,
Ensaísta de primeira,
Escreveu por toda parte,
Até quando a fiandeira
O corpo da alma comparte
Naquela hora derradeira.

Em dois mil e dezesseis 
Nosso Gullar se encantou,
Deixando pra nós, talvez,
A bela arte que criou
Onde está mais de uma vez
Dito quem somos… quem sou.

Sua humana poesia
Mostra que dentro de nós 
Crescem dor e alegria 
Cada qual com sua voz,
Que viver é agonia
Atada em dúvida atroz.

Quase a voz eu perdi
Tentando lhe contar
Tudo aquilo que já li
Dele, Ferreira Gullar,
Poeta daqui e dali,
Poeta espetacular.

Gratidão, meu bom amigo,
Uma história lhe contei.
Lamento se não consigo
Lhe contar tudo que sei.
Agora ouça o que lhe digo:
Reler Gullar eu irei.

São Luís, 23 de agosto de 2025.

Leia outra homenagem para GULLAR clicando aqui









segunda-feira, 18 de agosto de 2025

LÍNGUA PORTUGUESA

 Novos artigos de segunda #45

Imagem criada com auxílio de Inteligência artificial 


LÍNGUA MATERNA: UMA FERRAMENTA PROFISSIONAL

José Neres

            O mercado de trabalho está cada dia mais exigente e competitivo. Os aspirantes a uma vaga em uma empresa não têm mais o diploma como único diferencial, precisam de aperfeiçoamento constante, de cursos de atualização e do domínio das novas tecnologias. Quem já conseguiu um emprego também não pode descuidar-se da própria formação e deve investir constantemente na aquisição de novos saberes e na ampliação do domínio de seus conhecimentos profissionais. 

            Contudo, no meio de toda essa luta pela sobrevivência e/ou por cargos e salários mais elevados, um dos instrumentos mais importantes para o sucesso profissional vem sendo esquecido ou pelo menos relegado a um segundo plano: o estudo da língua materna. No nosso caso, o da Língua Portuguesa.

            Não é preciso, porém, que todos se tornem experts nos mecanismos do idioma, nem que dominem cada uma das nomenclaturas gramaticais para que consigam um cargo ou uma promoção. Mas é essencial que o profissional ou aspirante à vida profissional tenha certa desenvoltura na expressão oral e escrita, ou seja, que saiba falar dentro de um nível aceitável da linguagem oral e que consiga desenvolver, em uma folha de papel ou na tela do computador, um raciocínio lógico e bem articulado.

            Durante todo o processo seletivo e ao longo da vida profissional, o uso adequado da língua materna é tão importante quanto a roupa e a quantidade de títulos que são postos no currículo. Mas, infelizmente, há quem esteja mais preocupado com a aparência física, acreditando que ela é o verdadeiro passaporte para o pleno desenvolvimento da carreira.

 Saber concordar as palavras, utilizar corretamente pronomes, verbos, substantivos, conjunções, preposições e demais classes de palavras, sem apelar para a ostentação vernacular, pode se tornar um diferencial em um mercado a cada dia mais voltado para a comunicação interna e externa. Saber escrever de forma fluente, evitando os desvios gramaticais mais constrangedores e conseguir expressar-se de modo claro, objetivo e elegante são qualidades valorizadas tanto nos órgãos públicos quanto nas empresas privadas.

Mas como desenvolver essas qualidades? Como usar a língua materna a nosso favor no mundo profissional? As respostas são várias, mas costumam passar todas pelos mesmos caminhos: estudo regular intensivo e leitura de bons textos.

Mesmo as pessoas que têm facilidade na expressão escrita e na oral precisam estar em constante prática de estudo, para que os conteúdos aprendidos não se diluam com a falta de uso e também para que as novidades linguísticas sejam internalizadas. Não se trata apenas de fazer cursos e mais cursos a fim de acumular certificados, mas sim de constante atualização com interesse maior na aprendizagem e na expansão do conhecimento. O contato com textos bem escritos é também primordial para o aumento do vocabulário e para obtenção de estruturas sintáticas menos usuais, porém utilizáveis no dia a dia.

Durante toda a formação escolar, da educação básica ao ensino superior, deve sempre haver espaço para a valorização da língua materna. O profissional deve sair de uma instituição de ensino não apenas com um diploma e com os conhecimentos técnicos, mas também com possibilidade de desenvolver suas ideias oralmente e/ou por escrito. Por isso, causa estranheza que algumas instituições de ensino superior venham retirando as disciplinas relacionadas à Língua Portuguesa de suas estruturas curriculares. Não se sabe se isso ocorre por economia ou por simples desprezo pelo estudo da Língua. Mas de qualquer forma é algo nocivo à formação daqueles que são considerados o futuro de um País.

Negar aos futuros profissionais a possibilidade de desenvolver, de forma sistemática, a expressão oral e escrita pelo estudo da língua materna é negar-lhes também uma importante ferramenta que pode ser decisiva para o desenvolvimento da carreira. E, quando se trata de Educação, o essencial nunca pode ser negado. O futuro cobrará essa dívida.





domingo, 10 de agosto de 2025

A SAÚDE MENTAL DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO

 Novos artigos de segunda #44

Imagem criada com auxílio de Inteligência Artificial

A SAÚDE MENTAL DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO 

José Neres 


Estou na docência desde 1991. De lá para cá são quase três décadas e meia de sala de aula e algo que sempre me deixou preocupado é a saúde mental das pessoas que trabalham na Educação.

Para quem não vive as rotinas de uma escola, a vida do professor e dos demais atores envolvidos com a Educação parece ser algo fácil: “basta dar a aula ou executar algumas tarefas burocráticas e ir embora”. “Os sortudos ainda contam com duas férias por ano”. Mas a realidade não é bem assim.

Existe toda uma dinâmica invisível, que vai além da sala de aula, dos corredores e dos muros de uma instituição de ensino, e que pode levar esses profissionais a um adoecimento físico e mental. Não se trata apenas do esperado cansaço após uma jornada de trabalho, muita vezes em condições adversas, da exposição a ruídos que extrapolam os limites recomendados, do esforço repetitivo diante de um quadro, da vista cansada após uma exaustiva sessão de correção de provas e trabalho ou da certeza de uma remuneração que está muito aquém do esforço despendido. Há outras situações que nem sempre são percebidas por quem não está a par dessa realidade.

Constantemente, vejo colegas com o olhar perdido no horizonte e com as marcas da desesperança estampadas até mesmo nas mais sutis palavras e nos  movimentos involuntários. A angústia tornou-se  parte do uniforme de muitos educadores.

Esses profissionais vivem em constante estado de insegurança. A violência, que antes era apenas tema de algumas aulas, há muito tempo já invadiu o ambiente escolar e tem deixado marcas físicas e psicológicas em suas vítimas, conforme pode ser visto em reportagens e depoimentos que são compartilhados e reproduzidos à exaustão.

Muitos professores e demais funcionários vivem a angústia de não poderem projetar nem mesmo um futuro próximo, pois trabalham assombrados pelo fantasma da dispensa ou de alguma remoção para um lugar afastado do seu perímetro de atuação.

Praticamente todos já perceberam que não têm voz nem vez, pois as decisões são tomadas sem a participação de significativa parte da comunidade escolar. Resta então obedecer ao que foi determinado, de preferência sem questionamentos, pois questionar nem sempre é interpretado como uma tentativa de ajudar a compor um cenário mais democrático, mas sim como uma afronta a uma ordem de quem se julga superior aos próprios colegas. Muitos, então, optam pelo silenciamento das próprias ideias. E isso não traz bons resultados.

Há ainda o caso dos profissionais que recebem tarefas para as quais não foram preparados. Diante da angústia de não poderem executar as atividades da forma que desejariam e, muitas vezes, pressionadas por todos os lados, essas pessoas acabam substituindo o prazer do trabalho por crises de ansiedade ou mesmo por constantes episódios de Burnout, o que geralmente culmina com picos de estresse, desânimo, esgotamento físico, sensação de fracasso e até alteração nas funções básicas do organismo.

Constantemente, escuto colegas dizendo que estão arrependidos da profissão que escolheram ou, pior ainda, abusando de medicamentos, muitas vezes sem acompanhamento profissional. Há também casos daqueles que se entregam a drogas lícitas e ilícitas e ao vício de jogos, o que acaba piorando a saúde mental desses trabalhadores.

Em 2010 escrevi um artigo intitulado “O Do(c)ente” tratando sobre o assunto. De lá para cá parece que nada mudou, ou melhor dizendo, o pouco mudou parece que foi para pior. De lá para cá, tenho sempre tratado do assunto, buscando compreender as causas e as consequências desse fato incontestável, mas que nem sempre é discutido nas chamadas formações e nas reuniões.

Parece que a saúde mental dos profissionais da Educação é um mais um daqueles assuntos que são constantemente varridos para debaixo de um tapete de ilusões.



Leia outro artigo sobre o assunto clincando aqui


domingo, 3 de agosto de 2025

REVISTA TIJUBINA

 Novos artigos de segunda #43

REVISTA TIJUBINA 

José Neres 

Imagem criada com auxílio de Inteligência artificial 


Sempre foi grande a reclamação de que não tínhamos publicações voltadas exclusivamente para a literatura local. As poucas que existiam estavam vinculadas a veículos de comunicação e apareciam ou desapareciam de acordo com as situações econômicas dos órgãos às quais estavam ligadas. Ou seja, tinham de alguma forma um viés político e pecuniário.

Foi pensando nisso que, em 2011, resolvi publicar o informativo Ilhavirtualpontocom, que era inteiramente dedicado a tratar das letras maranhenses, incentivando a produção local. No início, pensei que seria uma empreitada fácil, afinal de contas eu estava cercado de pessoas que escreviam e receber textos para publicar seria uma tarefa simples. Mas não foi bem assim…

Era uma verdadeira batalha conseguir textos para o informativo. Mas isso foi solucionado de modo relativamente simples: eu mesmo escrevia, revisava, editava, diagramava e colocava no ar a maioria das matérias. As demais, eu conseguia graças à colaboração de alguns alunos da faculdade onde eu ministrava aulas ou às carinhosas colaborações literárias de alguns amigos.

Sempre que saía uma edição, eu a enviava por e-mail a pessoas que possivelmente teriam interesse no assunto. Aproximadamente 500 contatos recebiam a publicação em PDF. Desse montante, cinco ou seis acusavam o recebimento e davam uma dose de incentivo em forma de palavras afetuosas e encorajadoras. As demais postagens ecoavam um total silêncio.

Rapidamente, percebi que as mesmas pessoas que clamavam por material sobre literatura ignoravam quando esse material chegava a suas mãos. Parece que o bom sempre foi reclamar, reclamar e reclamar. 

Não desisti e cheguei a publicar mais de quarenta números do Ilhavirtualpontocom.

Apenas uma pessoa demonstrava total interesse pela publicação, ligava perguntando quando sairia o próximo número, comentava cada uma das edições, dava sugestão de pauta e chegou mesmo a conceder uma entrevista: era o poeta e amigo Carvalho Junior 

No final de março de 2021, todos os amantes da literatura maranhense sentiram-se abalados com a precoce partida daquele grande poeta com alma de menino. Em sua homenagem, no mesmo dia de seu falecimento, coloquei no ar uma edição em sua homenagem e decidi fechar o projeto. Tinha certeza de que ninguém sentiria falta daquele informativo de oito, dez, doze ou dezesseis páginas que só divulgava o que praticamente ninguém tinha interesse em ler ou ouvir.

Dito e feito. Apenas duas ou três pessoas sentiram a ausência do Ilhavirtualpontocom, que circulou durante dez anos e deixou poucos rastros, mas que ainda está aí pela internet, para quem quiser consultá-lo.


Capa do primeiro número da Revista Tijubina 


Não. Não estou fugindo do tema. Fiz todo esse histórico para dizer como surgiu a ideia de publicar a Revista Tijubina. 

Após o falecimento de Carvalho Junior, um incansável divulgador cultural, repassei alguns áudios e notas nos quais ele reconhecia a importância do Ilha… e pedia para não deixar de publicar aquele material pelo qual ele tinha muito carinho. Mas o Informativo já estava encerrado. 

Foi então que comecei a pensar em alguma forma de homenagear aquele amigo tão querido. Veio a ideia de editar uma revista. Como ele mesmo se denominava o Homem-Tijubina, que era o título de um de seus livros, não tive dúvida: a publicação se chamaria Revista Tijubina, mas não seria dedicada apenas às letras e a cultura do Maranhão. Teria um escopo um pouco mais amplo. Falaria de literatura e de outras artes, e não apenas voltadas para o Maranhão.

Como não poderia deixar de ser, o número de estreia foi dedicado ao poeta Carvalho Junior, que está sempre presente, de alguma forma, em todas as edições.

Claro que as dificuldades continuam as mesmas. Porém os colegas não são mais incomodados por e-mail. Coloco um link nas minhas redes sociais e em grupos de comunicação instantânea voltados para as letras e as artes. Quem tiver interesse acessa o material e pode baixar, ler ou arquivar a Revista. 

Mas desconfio que o efeito é o mesmo dos e-mails. Assim como acontecia com o Ilhavirtualpontocom, raramente recebo algum retorno, e os relatórios mostram que o interesse das pessoas por esse tipo de assunto é baixo.

Como alguns amigos me autorizaram - sem ônus - a utilizar seus textos, fico mais tranquilo e aos poucos vou reduzindo a presença de meus próprios artigos na Revista. O bom de tudo é que posso seguir uma linha editorial sem amarras e conotações políticas, financeiras ou ideológicas. 

Neste final de julho de 2025, chegamos ao nono número da Tijubina, com capa em homenagem ao padre e escritor João Mohana. Antes tivemos a seguintes capas:

Número 1 - Carvalho Junior 

Número 2 - Gonçalves Dias 

Número 3 - Antônio Carlos Lima

Número 4 - Rogério Rocha

Número 5 - José Chagas

Número 6 - Adélia Prado

Número 7 - Lucy Teixeira 

Número 8 - Josué Montello 


Adianto logo que o próximo número será uma homenagem à escritora Laura Rosa.

Sigamos juntos na luta pela literatura, pois como disse o grande compositor Antônio Vieira, “se tu não quer, tem quem queira”... O importante é não parar. 

Não pararemos!

Capa do oitavo número da Revista Tijubina 


sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Aventuras proibidas de Annie Sthephanie

 As aventuras proibidas de Annie Sthephanie






Desculpe, mas


Aqui não tem aventuras proibidas.

Falamos apenas de arte, educação, cultura e outras curiosidades.

Agradecemos pela visita.

segunda-feira, 28 de julho de 2025

NHOZINHO: O POETA DA ESCULTURA

 Novos artigos de segunda #42

Fonte da Imagem: Arquivo do autor


NHOZINHO: O POETA DA ESCULTURA

José Neres

 

            Geralmente ficamos tão maravilhados com a aparente grandeza das coisas que não percebemos que há beleza também em detalhes às vezes imperceptíveis para os olhos de quem se acostumou a fixar-se apenas no que parece gigantescamente deslumbrante. Da mesma forma, servimos como caixa de ressonância a nomes nacional ou mundialmente conhecidos e silenciamos (ou nem mesmo conhecemos) os valores artísticos e culturais de nossa própria terra.

            Talvez por conta desse incômodo silêncio a respeito dos talentos locais, o nome de Antônio Bruno Pinto Nogueira, mais conhecido como Nhozinho, seja pouco lembrado, embora figure entre os mais originais e importantes escultores da arte brasileira do século XX.

            Nascido em Cururupu, no dia 17 de maio de 1904, Nhozinho, desde a infância, demonstrou inclinação para as artes que exigiam atenção, perícia, precisão e habilidade manuais.  Mal começava a entrar na adolescência, porém, começou a lutar contra uma doença degenerativa que deixaria seus membros superiores e inferiores deformados e que, posteriormente, após a amputação de ambas as pernas, iria condená-lo a locomover-se em um carrinho de madeira por ele mesmo projetado e construído, mas que atendia às suas necessidades. Para completar seu rol de provações, o artista ainda perdeu a visão do olho direito.

            Mas essas tantas dificuldades não impediram Antônio Bruno de produzir uma obra ímpar na história do artesanato brasileiro. Na verdade, parece que as extremas dificuldades serviram como impulso para que o artista maranhense se superasse e evoluísse em seus trabalhos, deixando de ser apenas mais um artesão habilidoso e impregnando suas obras de motivos e temas da vida social e folclórica maranhense; saindo também do estaticismo das peças para imprimir ideia de movimento a suas criações.

            Dono de um estilo em que o minimalismo na escolha do tamanho das peças contrastava com a profusão de detalhes, Nhozinho notabilizou-se também por registrar os tipos regionais, em uma busca de reproduzir elementos representativos de seu povo e de sua época. Observando-se atentamente as obras desse artista, muitas vezes com a necessidade de uma lente de aumento, é possível perceber a riqueza de detalhes e o desejo dele em eternizar em suas peças detalhes que passavam despercebidos. De alguma forma, guardadas as proporções e respeitados os estilos, pode-se dizer que Nhozinho registrou e esculpiu em buriti e outros suportes o dia a dia da gente de sua época, tal qual o poeta latino Catullo imortalizou em palavras o próprio cotidiano e as inquietações dos seus contemporâneos romanos. Em Roma, o poeta Catullo decidiu desenhar sua época com palavras em suas famosas “nugaes”. Séculos depois, no Maranhão, Nhozinho optou por narrar em mínimas esculturas as grandezas esquecidas de seu povo.

            O artista faleceu em São Luís poucos dias depois de completar seu septuagésimo aniversário, no dia 23 de maio de 1974. Como a maioria dos artistas populares, Nhozinho também teve seu trabalho relegado ao olvido, mas aos poucos vem sido resgatado graças aos esforços de pesquisadores como Zelinda Lima, que muito lutou pelo reconhecimento desse artista, e de Roldão Lima, autor do livro "Vida e Arte de Nhozinho", publicado cinco anos após o passamento do escultor.

            Mais recentemente o trabalho desse fantástico artista tem despertado o interesse de intelectuais como, por exemplo, Paulo Herkenhoff, Lélia Coelho Frota e Luciana Carvalho, todos reconhecidos nacionalmente como alguns dos mais representativos estudiosos das artes brasileiras.

            Atualmente, boa parte da produção do mestre maranhense pode ser visitada na casa-museu que leva seu nome (Rua Portugal, 185, Centro Histórico).  Sua vida e sua obra também já renderam alguns artigos, exposições e livros, como "Nhozinho: Imensas Miudezas" (vários autores), que reúne trabalho de diversos pesquisadores. Mas ainda há muito a ser descoberto e (re)avaliado na obra desse artista que transformou deficiência em eficiência soube colocar o máximo de seu talento no mínimo espaço necessário à realização de seus sonhos artísticos.


segunda-feira, 21 de julho de 2025

PELAS PÁGINAS DA CIDADE

 Novos artigos de segunda #41

Hoje trago de volta um artigo que publiquei há alguns anos, quando era colaborador assíduo do Jornal O Estado do Maranhão. Era lá que meus textos eram acolhidos e publicados. Mas, um dia tudo muda... Eis mais uma homenagem à minha querida Cidade.

Fonte da Imagem: Arquivo do autor


UM PASSEIO PELAS PÁGINAS DA CIDADE

José Neres


São Luís, ao longo de seus quase 413 anos, sempre serviu como musa inspiradora para inúmeros artistas. A Cidade é uma inesgotável fonte de inspiração para poetas, fotógrafos, cronistas, pintores, escultores, pesquisadores, contistas, compositores, romancistas... Suas ruas, fontes, becos e casarões, que testemunharam inúmeros crimes, conluios, amores contrariados ou bem resolvidos, também serviram de cenário para inúmeras obras literárias que podem inclusive servir como guia para um passeio literário pela Cidade.

São Luís é tão rica em aspectos culturais que a pessoa interessada pode inclusive escolher as credenciais do cicerone que descortinará os véus do tempo e da história para olhos, ouvidos, olfatos, tatos e paladares ávidos por tantas informações que circulam pelo ar em forma de narrativas, poemas, músicas, imagens e tantas outras nuances artísticas. Hoje, nesta data tão especial, circularemos pela cidade acompanhados de seus prosadores, homens e mulheres que se apaixonaram pela Ilha e derramam esse encantamento em contos, novelas e romances que têm a Cidade como cenário.

Comecemos nosso passeio sentindo o calor abafadiço da capital maranhense, narrado pelo talento de Aluísio Azevedo em seu “O Mulato”. Passeemos por ruas, casas, praças e igrejas e atentemos para o amor entre Ana Rosa e Raimundo e nos assustemos com as tramas perpetradas por Dona Bárbara e o Padre Diogo. A seguir continuemos nosso caminho ouvindo os gritos de liberdade que ecoaram da notícia da libertação dos escravos e que foram tão bem descritos, de forma ácida e crítica, por Nascimento Morais em seu “Vencidos e Degenerados”.

Sob um sol escaldante, nada melhor que parar um pouco na casa da professora de Inglês Miss Maude, a doce e reclusa protagonista de “Teias do Tempo”, romance de Conceição  Aboud. Podemos subir pela “Rua do Sol”, livro de Origenes Lessa, escritor paulista que viveu parte da infância na capital maranhense e daqui tirou parte de sua inspiração. Nesse périplo, podemos conviver com os dramas de Bárbara de Sena, mais conhecida como “Maria da Tempestade”, que, pelas mãos de João Mohana, viveu uma tórrida e trágica história de amor com o jovem Guilherme e teve seu destino cruzado com o da enigmática Cora Mendes.

Nessa jornada pela Cidade, é quase impossível em algum momento não cruzarmos com Cínzia e Luíza, personagens do Romance “A Parede”, de Arlete Nogueira da Cruz, ou mesmo cruzar os passos com uma senhora idosa a pedir esmolas pelas ruas do Centro Histórico, em sua eterna litania. É bom passar pelo Lira/Belira e conhecer “Maria Arcângela”, protagonista de Erasmo Dias, em novela homônima. Sem dúvida, iremos tentar dar alguns passos de bumba meu boi inspirados por essa bela e sofrida moça.

 É importante não se assustar quando, em uma noite de chuva, um cachorro-quente se transformar no “Monstro Souza”, interessante criação de Bruno Azevêdo, nem com o horrível crime do Desembargador Pontes Visgueiro, que assassinou a jovem Mariquinhas e escondeu o corpo da garota em uma caixa, como conta o saudoso Waldemimo Viana em “A Tara e a Toga”. Quase ao fim de nossa caminhada, ainda dá tempo de conhecer a história de “Ana Jansen”, narrada por Rita Ribeiro e de passear pelo Baixo Meretrício na prosa de Wilson Martins, em “Candelabro de Deus”. Sobra pouco tempo, mas ainda o suficiente para ouvir “O Entrevistador de Lendas” na voz e na pena de José Ewerton Neto.

Finalmente, façamos uma parada no “Cais da Sagração”, sigamos até o “Largo do Desterro”, e ali esperemos Damião, que nos guiará por toda a Cidade ao som de “Os Tambores de São Luís”, tendo sem suas mãos um mapa cuidadosamente desenhado por Josué Montello.

Com um pouco mais de vontade esse passeio-trajeto pode ser feito também com base na inspiração de poetas, cronista, compositores... Basta tentar e seguir a rota das artes...


Fonte da imagem: Arquivo do autor


 


sábado, 19 de julho de 2025

NOSSAS TRAVESSAS

 

 Crédito da imagem: Linda Barros 

NOSSAS TRAVESSAS 

(José Neres)

Um dia desses, movido por imperiosa necessidade, andei por diversas ruas de nossa amada São Luís. Não pelas ruas badaladas e que servem como cartão postal para atrair turistas. Mas sim pelas ruas paralelas e pelas travessas pouco frequentadas, mesmo em um dia banhado de sol.

A conclusão a que cheguei é que essas ruas e travessas estão abandonadas à própria sorte. Calçamento irregular, crateras, esgotos estourados, lixo espalhado por toda parte, terrenos baldios... Esses são apenas alguns dos problemas visíveis em uma plena tarde de meio de semana. Imagino como são essas ruas nos finais de tarde e no período da noite.

Nesse dia, uma senhora me pediu (quase me suplicou) ajuda: "Posso ir acompanhando o senhor? Morro de medo de passar por aqui." Ela comentou que por ali sempre havia alguns elementos de índole duvidosa e que constantemente havia assaltos na região. 

Não duvidei. Não tinha como duvidar de algo tão evidente.

É preciso dar uma atenção especial para nossas ruas menos visitadas. É preciso respeitar nossa população. É preciso fazer de cada canto da cidade um lugar seguro e acolhedor. É preciso ter com as ruas menos famosas um cuidado parecido com aquele dispensado as ruas por onde passam os turistas. Se bem que essas ruas tão badaladas nem sempre são modelos de urbanização e de limpeza.

Uma cidade como a nossa não pode  viver só de bandeirinhas. 


quarta-feira, 16 de julho de 2025

BARRA DO CORDA

 

Fonte da imagem: arquivo do autor 

ETERNO ABRAÇO 

José Neres 

(Para Félix Alberto Lima)


Na bela matemática da vida
corda e barra podem ser um traço -
Tênue linha no horizonte tecida -
Para juntar e dividir espaço.

Podem também ser imagem vivida
Em um tímido giro de compasso,
Ou talvez história reproduzida
Pelo som do eco oco de nosso passo.

Cada travessa é velha conhecida,
Cada rosto reconstrói um pedaço
De cada memória adormecida…

Aqui não há barra ou corda de aço 
Ou qualquer outra força reunida
Que separe os rios do eterno abraço.





domingo, 13 de julho de 2025

ESSA ESTRANHA MANIA...

 Novos artigos de segunda #40

Fonte da imagem: arquivo do autor 

Como, possivelmente, amanhã não terei como postar o artigo, antecipo-o para hoje. Mas como já é quase segunda... Está valendo!

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ESSA ESTRANHA MANIA…

José Neres 


O que é necessário para se escrever um bom conto? Temos aí uma pergunta frequentemente formulada e reformulada, mas para a qual dificilmente um dia se terá uma resposta definitiva ou pelo menos satisfatória para a maioria das pessoas.

Em primeiro lugar, é preciso ter algo a dizer. É importante que o escritor ofereça ao leitor uma oportunidade de ter uma experiência que deixe suas marcas e provoque algum tipo de reflexão. Um bom trabalho com a linguagem também é essencial. Há muitas formas de se atingir um objetivo, todas elas passam, de alguma forma, pela escolha certa das palavras e pela tentativa de mostrar que é possível narrar algo aparentemente simples, mas de um modo diferente, fora do convencional.

Só isso? Claro que não. É necessário usar cada frase como se fosse um elo de uma corrente que tenha como função “prender” o leitor na tessitura da narrativa e, no final, fazê-lo perceber que algo está faltando, mesmo que a história contada esteja tecnicamente completa, e que aquilo que falta talvez não necessite ser contado, pois se trata de algo inefável capaz de acionar o dispositivo secreto que liga os momentos de leitura às asas da imaginação.

Parece que em seu livro “A estranha mania das abelhas” ( Urutau, 2022, 64 páginas), a jovem escritora Rute Ferreira está atenta a todos esses detalhes e a muitos outros que tornam a leitura de contos algo prazeroso e especial.

Composto por apenas seis contos bem estruturados, o livro foi elaborado com base em pelo menos quatro pilares temáticos: o feminino, a família, a morte e a busca de si, todos eles entrelaçados com reflexões que vão da crítica social até às conflituosas relações amorosas, trazendo nas entrelinhas uma gama de incômodas questões que precisam ser discutidas.

O primeiro conto do livro - "Casa de farinha" - traz à baila as discussões sobre traumas, lutos, superstições e maternidade. Tudo mesclado com um suave tom de mistério que faz o leitor sentir-se lado a lado com as personagens na busca de uma verdade que pode ser desesperadora e incômoda. 

Violência, ciúmes e relações parentais marcam o centro do conto “O vestido”. Com maestria, a autora consegue sair de uma apresentação aparentemente lírica e pueril para chegar a um desfecho com tonalidade neonaturalista que remete ao estilo de autores como Rubem Fonseca, Dalton Trevisan, Plínio Marcos e Patrícia Melo, mas carregado de desconcertante suavidade.

Rute Ferreira utiliza a metáfora da estrela para discutir dois temas bastante melindrosos: a morte e os preconceitos incrustados na vida em sociedade. No conto intitulado “Uma tragédia de estrelas”, as personagem nem precisam de nome próprio, são tipificadas e retomadas a partir de suas características físicas e/ou comportamentais, para lembrar que às vezes somos apenas um corpo ou um objeto que precisa ser cultuado ou descartado de acordo com a situação abordada em determinado momento.

A morte - que é uma constante no livro - é a temática principal do conto “O retrato”, que traz o reencontro de uma pessoa consigo mesma, com seu passado e com suas angústias minutos antes do momento que separa a vida da morte. Em uma linguagem fluida, a autora descortina os meandros de toda ema existência que tem hora marcada para terminar.

No penúltimo conto, que empresta seu título ao livro, a escritora novamente recorre às relações parentais e às consequências da perda definitiva de um ente querido. Nesse texto, as dicas sobre o desfecho são apresentadas de modo sutil, levando o leitor mais desatento a trilhar por falsas veredas até descobrir que está sendo conduzido por uma caminho falso. A relação entre uma mãe e uma filha é esmiuçada a fundo e a ausência de uma tem reflexos na permanência da outra.

Em “Seu destino é uma fuga, Olga!” O leitor se depara com uma jovem mulher que volta a suas origens para reencontrar-se com um antigo amor e com a própria história. É uma espécie de acerto de contas com lacunas que precisam ser preenchidas e com antigas histórias que devem ser recortadas. Será que é possível parar de fugir de si mesmo?

Rute Ferreira escreve bem e merece ser lida linha a linha. Ela escolheu um bom caminho na escrita e está construindo um estilo marcante e que poderá trazer bons frutos para nossa literatura contemporânea. Seus contos são bons e, de certa forma, ajudam a responder às questões propostas no início desde artigo.

Esperemos novos livros!

PS: Quase no final do livro, em uma daquelas páginas que a maioria das pessoas teima em não ler, a autora de A estranha mania das abelhas, entrega uma das chaves para a interpretação dos textos e faz um desafio para os leitores. Ela elucida de onde surgiu a ideia para a confecção dos contos e evoca sua admiração pelo escritor pré-modernista Lima Barreto…

Qual a relação entre o autor de Triste fim de Policarpo Quaresma e o livro de Rute Ferreira? É preciso ler ambos para descobrir. É preciso parar com essa estranha mania de querer tudo tão mastigado.


Clique e leia um conto de Rute Ferreira 

segunda-feira, 7 de julho de 2025

HOMOAFETIVIDADE E LITERATURA MARANHENSE

 Novos artigos de segunda #39

Fonte da imagem: arquivo do autor 

RELAÇÕES HOMOAFETIVAS NA LITERATURA MARANHENSE

José Neres

 Há crime nisso? Eu gostar da pessoa do mesmo sexo? 
Diga-me. Eu sou um criminoso por isso?
(Fala do delegado Pablo no livro Mortes em Cadeia, de Pedro Neto)


Não sei se alguém já fez, está fazendo ou pensa em fazer, mas acredito que as personagens da literatura maranhense que assumem (ou ocultam) sua homossexualidade dariam margens para belos trabalhos de pesquisa.

Vez ou outra, quando aparece um edital aberto para apresentação de comunicações em congressos acadêmicos, fico com a vontade de apresentar um trabalho com essa temática. Mas, por algum motivo, sempre enveredo por outras linhas. Dia desses, comecei a enumerar romances brasileiros com essa vertente, creio que cheguei sem muito esforço a sessenta e oito títulos já lidos, desde o Bom Crioulo (Adolfo Caminha) até Outono de carne estranha (Airton Souza).

Um dia dará certo. Mas, enquanto esse dia não chega, vou apontar abaixo algumas obras da literatura maranhense que apresentam personagens homoafetivos. Claro que existem muitos outros livros que desconheço e muitas outras personagens que também mereceriam aparecer no estudo. Ficarão para a próxima...

Embora não seja uma narrativa plenamente literária, a mais remota menção à homossexualidade no Maranhão se deu no livro Viagem ao norte do Brasil feita nos anos de 1613 a 1614, um estudo feito pelo padre Ives D’Evreux, que conta o episódio da morte do rapaz tupinambá conhecido como Tibira do Maranhão e que foi executado publicamente pelos religiosos por causa de sua sexualidade que fugia aos padrões aceitáveis pela Igreja da época. Essa história foi retomada em vários estudos, como é o caso do livro A Inquisição no Maranhão, de Luiz Mott e Os Devassos do Paraíso, de João Silvério Trevisan, que considera esse o primeiro crime “homofóbico registrado no Brasil", ideia compartilhada também por Luiz Mott e outros pesquisadores.

Esse acontecimento serviu como inspiração para um poema escrito pela cordelista Salete Maria, que tem como título Tibira do Maranhão: Santo Mártir Homossexual, com uma das estrofes reproduzida a seguir:

Trata-se da execução
De um índio homossexual
Que viveu no Maranhão
E lá teve final
Com um tiro de canhão
Lançado por um cristão
Que “lutava contra o mal”.

Já no âmbito estritamente literário, no romance naturalista O Cortiço, de Aluísio Azevedo, temos a figura de Albino, que é descrito pelo narrador como “um sujeito afeminado , fraco, cor de aspargo cozido e com um cabelinho castanho, deslavado e pobre, que lhe caía, numa só linha, até ao pescocinho mole e fino”. A figura de Albino no livro é geralmente apresentada de forma caricata e isenta de mistério. O que não acontece com relação a Léonie, que vai ganhando densidade ao longo da narrativa, culminando no jogo de sedução que empreende para seduzir a até então inocente Pombinha, que, meses depois, desapareceu de casa, indo, para desgosto da mãe, viver com Léonie em um quarto de hotel.

Na peça O Patinho Torto ou os mistérios do sexo, de Coelho Neto, a personagem Eufêmia se vê como “um envelope de cartas trocadas”. Ela destoa do padrão esperado para uma mulher do início do século XX: fuma, sonha em participar da Guerra, tenta fazer a barba e usa trajes masculinos. Seu noivo, Bibi, tem que se conformar com a repentina mudança de sua amada. É um livro repleto de sutilezas e que leva o leitor a refletir sobre algumas regras de sexualidade impostas pela sociedade da época.

São essas imposições e normativas sociais que angustiam e deprimem Otávio, personagem do romance Teias do Tempo, de Conceição Aboud, levando-o inclusive a pensar em suicídio por não conseguir assumir sua homossexualidade de forma aberta perante uma sociedade que reprime e não sabe conviver com as diferenças.

Mesmo não sendo o tônus central de sua produção literária, Josué Montello também deixou suas contribuições acerca das percepções literárias sobre a homoafetividade. Seu livro mais conhecido sobre o assunto é Uma sombra na parede, que traz a tórrida e então proibida relação amorosa entre Ariana e Malu, duas amigas que têm atrações físicas uma pela outra. No livro, chama atenção também a figura de Mundiquinha Dourado, uma mulher independente que é acusada de ser uma virago por conta de sua aparência máscula e de suas atitudes tidas como pouco femininas.

No conto O Pai, que está enfeixado no livro Um rosto de menina Montello novamente toca no assunto. Desconfiado de que o pai está enganando a mãe com uma funcionária da empresa, Alexandre decide seguir o genitor. Ao descobrir que o pai tem, na verdade, um caso com outro rapaz, o filho não suporta conviver com essa constatação e decide pôr fim à própria vida.

No livro O homem que derreteu e outros contos, o escritor e jornalista Marcos Fábio Belo Matos apresenta ao leitor o conto intitulado Lembranças, no qual dois antigos colegas se encontrem em uma viagem de ônibus. Os dois nem mesmo chegam a se falar, mas ao ouvir a notícia de que o colega está prestes a casar-se, o outro rapaz traz á memória os temos em que foram felizes, quando eram, furtivamente, amantes.

No conto/novela Ventos de verão, que é um dos textos do livro Os novos degredados do Éden, o professor e escritor Inaldo Lisboa apresenta a gênese e a evolução do tórrido romance envolvendo o sensível Dino e o pragmático Mauro. A mesma pressão social e parental sofrida por Otávio em Teias do Tempo, de Conceição Aboud, também atormenta Dino em Ventos de Verão, levando-o a efetivar o suicídio. No livro, reinam as denúncias sociais e o clima de hipocrisia, pois mesmo outros rapazes que declaram já ter tido experiências homoeróticas condenam a relação entre os dois protagonistas.

A romancista Dorinha Marinho, em As diferentes faces do amor, constrói um enredo no qual dois casais homoafetivos se cruzam para compor um cenário que envolve crimes, superação, estupros, preconceitos e aceitação. De um lado está a médica e ex-freira Olívia vivendo uma relação com a jovem e sofrida Lucy. Do outro, estão Homar e Sandro. A autora consegue mesclar as narrativas de modo a despertar no leitor a simpatia por essas pessoas que conseguem estabelecer uma harmonia pessoal dentro de um conflito social.

O padre Rafael, do conto "... Quando sou, não sendo", de Rita de Cássia Oliveira, vive um forte conflito identitário: na paróquia, é um padre; na universidade, é um talentoso mestrando que vive uma tórrida relação amorosa com Eduardo, carinhosamente chamado de Edu pelos íntimos. No conto é possível acompanhar as dúvidas e certezas vividas por esse rapaz dividido pelas inúmeras perguntas para as quais não encontra respostas.

Outra personagem interessante é o delegado Pablo Rodrigues, do romance Mortes em Cadeia, de Pedro Neto. Imiscuída em uma nuvem de mistério e em uma série de crimes que abalam uma pacata cidade, a narrativa vai, aos poucos, descortinando as ações delituosas de um delegado que se utiliza do poder emanando de seu cargo para conseguir sexo com os homens que estão presos na cela de sua delegacia. Mas esse não é o ponto final do mistério. Há outras fraturas sociais que são expostas ao longo da narrativa.

Algumas dessas fraturas aparecem também em Amores, Marias, Marés, romance de Chico Fonseca, ambientado na São Luís da década de 1960. No centro da história estão a professora e historiadora Maria Ellena e a jovem estudante Mariana. Durante pesquisas sobre a participação dos negros na história do Brasil e do Estado, as duas acabam se envolvendo. O livro traz diversas abordagens que perpassam por questões sociais, sexuais e familiares.

Para finalizar esta breve lista, temos também o livro A moça da limpeza, de Lindevania Martins. Ali, é possível encontrar o conto A hora da verdade, que mostra o constrangimento de Fernanda, uma viúva de 28 anos, que, durante uma entrevista com o dono da empresa na qual trabalha, tem que declarar com quantos homens havia ido para a cama no último ano. Incisiva, ela diz que não dormiu com nenhum homem no período indagado. O que é verdade, pois logo o leitor descobre que ela vive com Marcela, quem é companheira desde a morte do marido.

Pronto. Fizemos uma sumária lista de livros maranhenses que tocam no assunto da homossexualidade. Um tema que sempre deve ser tratado com o devido respeito e pode dar margens para muitos e variados estudos. Nem sabemos se utilizamos as nomenclaturas adequadas, mas aconselhamos, antes de encerrar, que todos os interessados no assunto leiam o livro de poemas Rapaz, publicado pelo falecido poeta Mariano Cassas. É um livro raro, mas que vale a pena ser lido.


Curta-metragem de Francisco Colombo inspirado no Conto Lembranças, de Marcos Fábio Belo Matos

sábado, 5 de julho de 2025

UMA TRILHA SONORA DO AMOR

Imagem criada com auxílio de Inteligência Artificial 

Desafio vocês a encontrarem as aproximadamente oitenta músicas que estão citadas no texto abaixo. Algumas são fáceis, outras exigem mais atenção.
Alea jacta est.

UMA TRILHA SONORA DO AMOR 

José Neres 

Não lembro se isso aconteceu sábado (todo sábado era assim) ou em um dia de domingo. Mas sei que foi em um dia em que a terra parou. Ele estava lá. Era a mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim. Tudo estava igual e ele estava triste. “Tudo está no seu lugar, graças a Deus” – pensou.
 Um carro vermelho passou a cento e vinte por hora, um gato preto cruzou a estrada, e uma brasília amarela estacionou. Ela parece que estava à toa na vida, chegou em frente ao portão. Não entrou. Aquela rua não é mais a mesma rua... A placa indicava: “Vende-se esta casa ao primeiro que chegar”.
Ele não a conhecia. Mas não pôde deixar de admirá-la. Seu pensamento começou a voar, voar, subir, subir: “Que coisa mais linda, mais cheia de graça”. Tinha que falar com ela.
 - Olá, como vai?
 - Vou indo.
E você? Tudo bem?
 - Dona, desculpe, mas, você é linda, mais que demais. Você é meiga demais. Por você sou capaz de roubar até a lua. 
 Ela sorriu.
- Sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco. Mas não sou vagabundo, não sou delinquente, sou um cara carente. Sou uma espécie de gavião vadio sob o sol. 
- Confesso que ainda sou uma garotinha. Você é bonito. É um negão de tirar o chapéu, mas não vou dar mole, senão... E você deve ter mulheres de todas as cores, de várias idades, de muitos amores... Ainda lembra sua primeira namorada? Já que a primeira namorada é difícil de esquecer... 
- A primeira foi Iracema, mas ela morreu atropelada, dela não sobrou nem mesmo um retrato.
- E as outras? 
- Teve a Jeniffer, que eu encontrei ela no Tinder, mas não durou muito. De Conceição eu me lembro muito bem. A Amélia, que se considerava uma mulher de verdade. A Madalena, que acreditava que o mar é uma gota comparado aos prantos seus. Lembro da Jéssica, que se achava a coisa mais linda que Deus soube fazer. A Eva, que desapareceu, até parece que fugiu numa última astronave. Uma cigana muito bonita de cabelos muito negros chamada Sandra Rosa Madalena. A Ana Júlia, que hoje trabalha como secretária na beira do cais. E a Leydiane, que jurou que ia me amar de janeiro a janeiro, até o mundo acabar, mas me traiu e foi viver em um cabaré. A todas amei como se não houvesse amanhã. Mas descobri que o pra sempre sempre acaba. Eu não sou cachorro não. Acho que sou inútil, mas espero o segundo sol chegar, para realinhar as órbitas do planeta.
- Hummm!!! Mulher nova, bonita e carinhosa, faz o homem gemer sem sentir dor. Eu gosto de ser mulher. 
- Qual seu nome? 
- Beth
 - E você? Pode falar de seus amores? 
- Não foram tantos assim. Teve o meu amigo Pedro, que acabou provando que tudo acaba como começou. O inseguro José, que vivia perguntando “e agora?”. Com ele foi rápido, logo a festa acabou, a luz apagou... O Manuel foi pro céu, ele era um moreno alto, bonito e sensual... Gostava muito dele. Acabei procurando auxílio profissional. Aí um analista amigo meu disse que desse jeito não vou ser feliz direito. Deixou claro que tudo passa, tudo passará. Solitária, pensei até em rifar meu coração, fazer um leilão, vendê-lo a quem der mais. Acho que sou uma mulher de fases. 
 Ela começou a chorar. 
Ele tentou abraçá-la. Mas foi surpreendido com uma frase: 
- Tire sua mão de mim, eu não pertenço a você. 
- Calma, Beth, Calma. 
- Não vou chorar lágrimas de crocodilo. Preciso de uma verdade chinesa
 - Linda, só você me fascina, te desejo, muito além do prazer. 
- Quero viver seguindo a receita da vida normal... Viver e não ter vergonha de ser feliz. Quero ir para onde Deus possa me ouvir...
 - Tu és divina e graciosa, estátua majestosa do amor. Beija-me muito, como se fosse essa noite a última vez. Fica comigo esta noite e não te arrependerás. 
 Ela parou, olhou para ele e disse: 
- Uhhhh, eu quero você como eu quero... Você me deixa louca...
 (...) 
Eu juro por mim mesmo, por Deus, por meu pai, que queria saber como acabou aquela história de amor. Mas, de repente, o telefone toca, avisando que é chegada a hora de ir. Tenho pressa. Vou de táxi. Fui embora, caminhando e cantando e seguindo a canção. Torço por aquele rapaz que parece que também amava os Beatles e os Rolling Stones. Ele era um vagabundo como eu, que também merece ser feliz.

terça-feira, 1 de julho de 2025

DOIS EVENTOS

 

Professor Doutor Dino Cavalcante 

DOIS EVENTOS

(José Neres)


Ontem - último dia do mês de junho, quando muitas pessoas se preparavam para um mergulho em umas merecidas férias - tive a honra de participar de dois eventos muito importantes. Vamos a eles:

UMA AULA ABERTA

Assistir à magistral aula aberta ministrada pelo professor Dr. Dino Cavalcante como evento de encerramento de sua disciplina no Mestrado em Letras da Universidade Federal do Maranhão. 

Mesmo com a concorrência das matracas e dos jogos transmitidos pela TV, o professor conseguiu reunir um bom número de pessoas interessadas em uma discussão sobre literatura, leitura e formação de professores. 

Sempre dinâmico e cercado de muitas referências teóricas, mas sem se esconder em um emaranhado de ideias alheias, o professor manteve a plateia atenta durante aproximadamente quatro horas. 

Houve muitas discussões, inúmeros depoimentos e algumas preocupações em comum: O que estão fazendo com o ensino de Língua Portuguesa em nossas escolas? Será que as aulas estão inoculando nos alunos o gosto pela pesquisa e pela leitura? Será que o estudo da Língua Portuguesa se resume a fazer os alunos a decorarem regras gramaticais e algumas nomenclaturas específicas? Que pode ser feito para melhorar esse quadro tão incômodo? Como fazer a leitura se tornar parte integrante do cotidiano de nossos educandos?

Foram muitas as sugestões e respostas. Senti em alguns depoentes uma gama de desespero, um quase pedido de socorro. Infelizmente, como foi lembrado por um participante, quem tem poderes para tentar melhorar a situação educacional do País nunca está presente em discussões como essa que ocorreu ontem. 

No final, o professor deixou claro que os problemas apresentados iriam tirar seu sono. Bom seria se essas constatações fizessem os professores - depois dos bons serviços prestados à Nação - dormirem bem e trouxessem um pouco de insônia aos nossos governantes. Mas aí já é querer demais. Eles dormem tranquilos, em berços esplêndidos. Sempre fugiram à luta e não guardam remorsos. 


UM CLUBE DE LEITURA


Um dia desses, recebi um convite inusitado: servir como mediador em um Clube de Leitura. 

Confesso que nunca participei (pelo menos que me lembre) de nenhum deles e que nem tinha ideia de como funcionava. Mas me arrisquei a aceitar por alguns motivos:

Trata-se de um Clube de Leitura de Barra do Corda, uma cidade que não conheço pessoalmente, mas de onde cultivo grandes e carinhosas amizades;

O convite foi feito de forma tão amável pelo professor e ativista cultural Antonio Clementin, que, caso eu recusasse, provavelmente levaria um sentimento de culpa pelo resto da vida;

A obra a ser debatida era I-Juca Pirama, de Gonçalves Dias. Não havia como recusar um pedido para comentar um dia mais belos poemas da Língua Portuguesa!

É leitura, é Literatura… E essas duas palavras sempre conseguem abrir brechas em minha tumultuada agenda.

Pois bem. No horário marcado, lá estava eu, brigando contra uma internet que achou de ficar lenta, lentíssima bem na hora do encontro .

Mas deu tudo certo. Como foi bom falar cerca de uma hora sobre Gonçalves Dias, sua produção literária, sobre seu estilo e, principalmente, sobre a bela mini epopeia intitulada I-Juca Pirama, o rapaz que chorou para poder proteger seu pai cego que estava perdido na mata, que lutou para provar que era bravo, que entrou para a memória daquele povo guerreiro.

Enfim, foi uma ótima conversa. Acredito que consegui clarear algumas passagens do poema. 

Seria tão bom se toda cidade tivesse alguém com essa fantástica ideia de montar um clube de leitura…

Ainda dá tempo. O futuro agradecerá. 

Alea jacta est. 

SOBRE TEXTOS E LIVROS

 Novos artigos de segunda #49 Imagem criada com auxílio de Inteligência Artificial SOBRE TEXTOS E LIVROS José Neres   Quando te sentir...